Cassia 12/08/2013
Imagine-se lendo uma história com cerca de 1500 páginas e, ao seu final, pegar-se pensando consigo mesmo: “Mas já acabou?”. Algo muito raro de se ver nos dias de hoje, certo? Mas afirmo, sem exagero e sem a menor sombra de dúvida, que Josiane Veiga conseguiu isso maravilhosamente bem com sua Trilogia Jishu.
Remissão é o terceiro volume, que finaliza a saga. Nele, encontramos os personagens presos em um enorme sofrimento: conseguirão Nino e Ken superar os obstáculos que abalaram o seu amor e ficar juntos? Shuichi e Aiko conseguirão viver seu relacionamento, ou terão que capitular mediante as consequências “nefastas” que a insistência em permanecerem juntos traria àqueles a quem mais amam - seus familiares?
Remissão não é uma obra boazinha.
Sem dourar a pílula, ela mostra um dilema que atinge a realidade de muitos relacionamentos homoafetivos: a árdua batalha que essas pessoas têm que travar diariamente na luta por direitos que deveriam ser universais a todos os seres humanos – como o direito de poder se relacionar livremente com quem quiser, independente do sexo, e a busca pela felicidade. E, com uma lucidez perturbadora, não se concentra apenas nesse espectro, mas aborda sem medo vários temas fortes: o que seria verdadeiramente o sucesso; a diferença entre o amor real e o ideal; um questionamento sério sobre a famosa premissa de que “os fins justificariam os meios”; o uso da eterna justificativa que muitas pessoas fazem para nos impor o que acham ser certo sob a justificativa de que “estão pensando em nosso bem”, entre outros, tão provocantes e fortes quanto estes.
Mas, mesmo não sendo uma narrativa boazinha, não é cruel. Ela mostra que, em sua imensa maioria, as pessoas erram tentando acertar, buscando o que consideram ser a felicidade. E que, principalmente, muitas vezes, as pessoas que nos tornam infelizes são mais infelizes que nós, mas estão cegas pela vaidade, preconceito ou pelo egoísmo - ou são simplesmente más. E que, embora por vezes nos sintamos soterrados pelas dificuldades, temos em nós os recursos necessários para superá-las, e temos que acessá-los – o que não é nada fácil e demanda muito esforço, mas somos capazes. Não somos tão frágeis quanto muitas vezes tentam nos fazer crer que somos.
Os personagens são muito bem construídos, e o ritmo, altamente envolvente. É aquele tipo de história que se pega pra ler, e não se larga até o final – ou, caso sejamos obrigados a interromper a leitura por qualquer razão, não vemos a hora de retomá-la, para ver o prosseguimento da narrativa.
E, principalmente, não são personagens “gliterizados e perfeitinhos”. Absolutamente, não. São pessoas que estão dispostas a lutar até o fim pelo que acreditam, mas que têm suas falhas e erram. Shuichi, com certeza, é o maior exemplo disso, mostrando-se um personagem complexo que pode nos levar de uma extrema ternura a uma raiva absurda com a diferença de apenas algumas páginas. E, claro, Audrey Morgan, em minha opinião, provavelmente a personagem “vilanesca” mais criativa da literatura nacional dos últimos tempos: um perfil de mulher inteligente, determinada, capaz de tudo para ver aqueles que ama serem felizes – mesmo que de maneiras pouquíssimo ortodoxas; e, principalmente, uma pessoa de personalidade complexa e nada meiga, mas que, quando decide abrir seu coração a alguém, é fiel, honesta e dedicada. Uma sobrevivente , mas que, acima de tudo, não é vítima; muito pelo contrário! E, principalmente, ao nos fazer questionar que ela, em sua “maldade”, é muito mais ética do que muitas das pessoas “bem intencionadas” e “que só querem o bem” dos seus amigos.
Embora os relacionamentos principais da obra sejam homoafetivos, é uma tolice tentar enquadrar a narrativa apenas nesse nicho. O que se vê ali são os sucessos, problemas e dúvidas (entre outros) que permeiam todos os relacionamentos amorosos humanos, independente da orientação sexual do leitor. Amar não é fácil, é algo que exige grande coragem – independente de quem se ame.
Em tempos em que o grosso dos romances românticos opta por criar narrativas açucaradas com personagens planos e rasos, é maravilhoso ter em mãos uma obra corajosa e intensa como Remissão. Não é perfeita, mas chega muito próximo disso.
Se há algo a se lamentar nesse livro é o fato de que muitas pessoas, ao ver a temática, talvez não queiram lê-la, por puro preconceito e ignorância – e só me resta lamentar por elas, afinal, perderão a oportunidade de entrar em contato com um texto muito, mas muito bom mesmo, criado por uma autora simplesmente corajosa e incrível.
Sem sombra de dúvidas, uma leitura recomendadíssima!