Simonovitch 16/09/2014
Os Pinóquios que somos
Um livro infantil bem escrito. Simples, mas não simplório, como alguns outros dedicados ao mesmo público.
"Pinóquio" é uma grande metáfora cheia de morais fortes que se apresentam de maneira chocante a quem o lê, de forma que é de bom tom que uma mãe analise o livro antes de repassá-lo ao filho, caso seja este muito jovem e sensível. Na época em que o autor criou a obra, o "politicamente correto" ainda não existia da maneira como é hoje e o boneco de madeira passa por situações que, como recurso para transmitir a moral, impressionam o leitor desavisado - coelhos pretos carregando caixões quando as crianças não querem tomar remédio e um protagonista enforcado por assassinos ao sair quando já escureceu são alguns exemplos. É como a filosofia do bicho-papão, que come as criancinhas que se recusam a dormir, com a diferença de que a morbidez de "Pinóquio" é uma representação de violências reais e não um mero recurso apelativo para pais que querem filhos na cama sem precisar fazer uso de maracujina. Ao meu ver, os coelhinhos do mal não irão traumatizar a infância de ninguém, mas essa é só a opinião de alguém que já cresceu e adora uma boa mensagem eloquente.
Aliás, minha parte predileta do livro é aquela cena famosa representada pela Disney onde Pinóquio se transforma - literalmente - em um burro por fugir dos estudos. Fantástico.
Essa é, aliás, a semelhança mais marcante entre o livro e o filme, uma vez que muito modificou-se, apesar de a essência ter sido preservada. Diria que nada se perdeu da obra original, pelo contrário, se transformou, e há momentos em que o livro vence em aventuras, mas perde na dose dramática.
Acima de todos esses fatores, o que faz Collodi feliz na autoria de "Pinóquio" é o seu humor. Leve, fluído e recreativo. Esta é uma obra que deveria sem sombra de dúvidas habitar as nossas estantes com mais frequência, pois somos todos, em algum grau, uns grandes bonecos de madeira...