Cristiano Mützenberg 14/02/2024
Humor com crítica social
Quem leu apenas o livro ?As aventuras de Tom Sawyer?, espécie de prévia deste livro, pode esperar encontrar também aqui uma uma história meramente infantojuvenil.
De fato, encontramos novamente um pouco da leveza e bom humor neste que se tornou a obra-prima de Mark Twein: As aventuras de Huckleberry Finn. No entanto, o livro se tornou clássico, ou mesmo um divisor de águas da literatura norte-americana, porque o autor conseguiu unir de forma magistral o bom humor e a sátira com que criticava o racismo nos Estados Unidos.
Na história - que se passa em meados de 1840 - encontramos Huckleberry Finn, um jovem pária e maltrapilho que havia sido ?criado? apenas pelo pai (que, além disso, era o maior bêbado da cidade). Mesmo tendo recebido em dado momento uma oportunidade de mudar de vida e ser ?bem criado? (foi adotado por uma bondosa viúva), não se encontrava naquele novo estilo de vida e, por isso, resolve fugir de casa e seguir a vida ao acaso, navegando pelo Rio Mississipi.
A partir daí poderíamos ter uma história de aventuras que, mesmo em um bom livro, seria apenas um agradável porém simples passatempo. No entanto, logo no começo da sua fuga o personagem principal encontra um escravo fugitivo.
Os dois - um fugindo do conforto e outro da escravidão - unem-se e seguem viagem pelo rio. Em meio às diversas aventuras que se revelam, a grande descoberta que vai acontecendo pouco a pouco no livro é que Huck Finn começa a ver que naquele escravo fugitivo há um ser humano, que inclusive pode ser uma pessoa melhor que ele.
Em meio à sequência de fatos narrados, Mark Twein vai apresentando algo que aconteceu com a sua própria vida: Huck Finn, assim como o autor, cresceu em um mundo onde todos encaravam com normalidade a escravidão e aos poucos foi percebendo que havia um mal naquela situação.
Um ponto que pode fazer refletir é que Huck Finn encontra pessoas na história que tem bons valores, são cordiais, ?não fazem mal a ninguém?, se dizem cristãos, mas, mesmo assim, vêem com normalidade alguém ser escravizado.
Podemos refletir também até que ponto nós não somos capazes de, senão defender, ao menos tolerar ou encarar com normalidade que um ser humano ?não seja tão humano assim?, como acontece hoje, quando aceitamos que dificuldades de ordem material justifiquem o aborto, por exemplo.
Será mesmo que, vivendo naquela época, ouvindo desde pequenos que escravizar alguém era ?normal?, que um negro era um ser inferior, etc, ainda assim seríamos contra esse absurdo de modo tão veemente como somos hoje?
O desenvolvimento do personagem Huck Finn vai nos conduzindo de forma natural pela sua aceitação da escravidão sem questionamentos até uma percepção - ainda frágil - do mal que havia ali. Tudo isso com um tom leve, satírico e bem humorado, que, por isso, não faz do livro um panfleto moralista, mas uma leitura agradável e que, de brinde, conduz a boas reflexões.