Larissagris 15/02/2023DEPOIS DE AUSCHWITZ (EVA SCHLOSS)A história de Anne consiste no relato de uma garota que emocionou o mundo inteiro pela linguagem simples e humana de seu diário. Minha história é diferente. Também sou uma vítima do nazismo e fui enviada a um campo de concentração. Mas, diferente de Anne, eu sobrevivi. (Pág. 7)
Muitas coisas mudaram no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas infelizmente o preconceito e a discriminação não mudaram. Desde o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, o Apartheid na África do Sul, a guerra na antiga Iugoslávia, até as prisões decorrentes dos conflitos em países como a República Democrática do Congo, vejo pessoas em todos os lugares do mundo lutando pelos direitos da dignidade humana e por compreensão. E como judia, vejo que mesmo toda a veracidade do Holocausto não abriu os olhos do mundo para o terror do antissemitismo. Ainda hoje existem muitas pessoas procurando por bodes expiatórios com base em cor da pele, antecedentes, sexualidade ou religião. (Pág. 9)
Nada, jamais, poderá justificar as atrocidades que os nazistas cometeram. Seus crimes serão absolutamente imperdoáveis sempre, e espero que por meio de histórias como a minha eles sejam sempre lembrados dessa forma. (Pág. 9)
Quero que elas saibam o que aprendi: apesar de todo o desespero, haverá sempre esperança. A vida é muito preciosa e bonita - e ninguém deve desperdiçá-la. (Pág. 10)
- Crianças, prometo uma coisa: tudo o que vocês fazem neste mundo deixa uma marca. Nada se perde. Tudo o que vocês fazem de bom vai prevalecer na vida das pessoas com quem vocês tiveram contato. Essas ações e atitudes farão a diferença para alguém, em algum lugar, em algum momento, e as suas realizações serão levadas adiante. Tudo está conectado como uma corrente que não pode ser rompida. (Pág. 11)
Ele acreditava que, se você nasce judeu, deve permanecer judeu para sempre. Na opinião dele, converter-se por temer a perseguição demonstrava total falta de firmeza e determinação. (Pág 21)
Hitler era como um garoto pobre com o rosto grudado na vitrine de uma loja de doces enquanto a sociedade vienense, exclusiva de intelectuais, o ignorava. (Pág. 29)
A cidade que o havia desprezado por tanto tempo agora o recebia de braços abertos, e a prioridade dele, segundo confidenciou ao chefe de propaganda nazista, Josef Goebbels, era limpar Viena da imundície e das baratas - ele referia-se aos judeus. (Pág 30)
Éramos pessoas "sem pátria" e indesejadas em qualquer lugar. (Pág. 40)
Era como se os pilares mais fortes da minha vida estivessem desmoronando ao meu redor. Pouco tempo antes eu era uma menina feliz que havia pulado de olhos fechados de cima de um guarda-roupa com a certeza de que meu pai estaria sempre lá para me segurar. Agora eu via que, apesar de todas as garantias, meus pais eram impotentes para nos proteger do mal no mundo. Eles não conseguiram nos manter longe dos nazistas e tivemos de fugir da nossa própria casa. E agora eles não poderiam nem mesmo me proteger de um homem que tinha me machucado da pior maneira possível. (Pág. 43)
- É contra tudo que há de mal que lutaremos; força bruta, má fé, injustiça, opressão e perseguição; e contra isso, tenho certeza de que o certo prevalecerá. A Segunda Guerra Mundial havia começado. (Pág. 46)
O tempo em que vivemos escondidas era uma mistura de duas emoções: terror extremo e tédio excessivo. Somente quando se está encarcerado ou incapaz de tomar suas próprias atitudes, você percebe que um dia inteiro é um período extenso que pode se estender por uma eternidade. (Pág. 77)
O mais temido dia da semana era aquele em que o transporte deixava o local, levando milhares de infelizes judeus para o leste, para a morte. Cada vez que o trem se aproximava, a tensão aumentava: quem estaria na lista? O veículo vazio fazia o trajeto até o campo durante a noite e, de manhã, os internos acordavam e viam longas filas de vagões de transporte de gados esperando-os. (Pág. 87)
Às vezes parávamos por longos períodos: uma fila de vagões para gado preenchido com centenas de pessoas suando e com náusea, fervendo ao sol em uma estrada de ferro, em algum ponto do que deveria ser o continente mais civilizado do planeta. Era impossível escapar daquela jornada; alguma hora o motor chiaria e colocaria a locomotiva em movimento outra vez, levando-nos, com uma lenta determinação, ao nosso destino final. (Pág. 92)
Quando as portas se abriram pela última vez, vimos que o trem havia nos trazido ao local que tanto temíamos: as terras pantanosas e fétidas do sudoeste da Polônia. Tínhamos chegado a Auschwitz, um centro de extermínio do tamanho de uma pequena cidade, com milhares de trabalhadores ocupados, dedicados a aperfeiçoar o assassinato em massa e a extinção da raça judia. (Pág. 93)
No curso da minha vida, vi incríveis avanços tecnológicos. Quando eu nasci, não era comum se ter um carro com motor, mas quando eu tinha quarenta anos, o homem já havia pisado na lua. Tínhamos curado doenças, criamos armas nucleares, mapeamos nosso DNA, aprendemos a navegar na internet e desenvolvemos alimentos e remédios geneticamente modificados. Pelo menos no ocidente, a maioria de nós se tornou mais rica do que uma geração como a dos meus avós poderia ter imaginado. Ainda assim, em termos de humanidade, parece que milhares de anos de experiência nos levaram a fazer poucos progressos. (Pág. 93)
Minhas experiências revelaram que as pessoas têm uma capacidade única para crueldade, brutalidade e completa indiferença aos sentimentos humanos. É fácil afirmar que o bem e o mal existem dentro de cada um de nós, mas eu vi a realidade de perto, e isso me levou a uma vida de questionamentos sobre a alma humana. (Pág. 94)
Eu agora era a prisioneira A/5272 - parte de um processo cujo objetivo era acabar com meu orgulho e com minha identidade. Quando fui levada para fora da estação de trem de Auschwitz, deixei a menina Eva Geiringer e seus sonhos para trás. Tínhamos passado nossos últimos momentos juntos como uma família, e eu jamais voltaria a ver meu irmão. (Pág. 100)
Durante o intervalo do dia, eu me arrastava pelo chão estéril para trabalhar, percebendo, com uma sensação de desespero, o inverno chegar. Que importância tinha a vida? Que diferença fazia se uma pessoa era boa ou ruim? Que tipo de consolo alguém poderia encontrar em "Deus"? (Pág 118)
O que se sabe com certeza é que ganhar a guerra e manter uma política forte de anti-imigração foram as prioridades dos Aliados - não a iniciativa de ajudar os judeus. (Pág. 127)
É difícil aceitar que muitas mulheres acabaram não morrendo nas mãos dos nazistas, mas ao se alimentarem com a comida quente oferecida pelos nossos libertadores. Depois de passarem fome por tanto tempo, seus corpos simplesmente não conseguiram se adaptar à mudança brusca de dieta. (Pág. 129)
Como iríamos descobrir, o final da guerra não foi o fim do preconceito. Longe disso. (Pág. 143)
Depois de tudo o que havíamos passado, era surpreendente sermos tratados como seres humanos decentes de novo. (Pág. 143)
"O resto da minha vida começa agora", pensei, "mas não tenho ideia do que fazer com ele". (Pág. 145)
Herr Frank diz que quando ficamos tristes, viramos pessoas muito egoístas. Sentimos pena de nós mesmos porque estamos perdendo algo tão essencial para nós, mas não podemos ajudar as pessoas de quem sentimos saudades porque elas não podem mais sentir dor... (Pág. 152)
Recuperar-se de acontecimentos e perdas traumáticas é um processo tão lento e gradual que, no momento do sofrimento, é difícil reconhecer o ritmo de caracol do caminho de volta à normalidade. É claro que há dias em que me sinto profundamente triste, chateada e reflexiva, mas posso dizer a quem está nas profundezas da depressão ou do desespero que, com o tempo, é possível superar o sofrimento e seguir com a vida. (Pág. 157)
Eu gostaria de poder dizer que acredito que essas pessoas, especialmente Miep Braams, enfrentaram a verdadeira justiça após a morte, mas minhas experiências em Auschwitz me despiram de qualquer crença no poder de "Deus" ou na vida após a morte. A justiça deve existir neste mundo, ou então ela simplesmente não existe mesmo. (Pág. 172)
Durante a guerra, eu havia jurado que jamais me tornaria uma vítima, mas quase dez anos depois era assim que eu me comportava, pelo menos em público - uma carapuça tímida cobria a menina extrovertida que eu costumava ser. (Pág. 195)
Foram as "regras" que nos fizeram bordar estrelas amarelas em nossos casacos e nos enviaram em trens de gado em direção à morte. Onde estavam as "regras" sobre a compaixão, a humanidade e o ato de não matar seres humanos quando mais precisávamos delas? (Pág 217)
Acreditamos que sempre lembraremos claramente das pessoas que amamos - mas, à medida que o tempo passa, começamos a nos lembrar apenas da memória das lembranças. (Pág. 246)
Percebi que você pode compreender uma pessoa que cometeu um crime terrível sem ter de perdoar o próprio crime. (Pág. 253)
- Sempre há uma esperança, mesmo quando a vida parece tão sombria. Você precisa ter o desejo e a força necessários para mudar o seu destino e conquistar o que deseja [...] (Pág. 255)
- Sim! Vocês podem ver o quanto a discriminação é perigosa. É preciso coragem para falar quando você vê a injustiça. Você tem uma voz. (Pág. 256)
"Aprendi com você que não importa o quanto a vida fica difícil, você precisa ter vontade de sobreviver, é isso que vai te manter no caminho... Embora eu esteja na prisão, tenho esperança de que um dia vou ficar livre. Estou suportando por causa da luz no fim do túnel. Escutar você me trouxe mais esperança e força para seguir em frente." (Pág. 257)
Meu sonho é que alguém irá pegá-la, muito depois de eu partir, e ficará chocado e perplexo ao descobrir que o mundo já foi dessa maneira. Perseguir as pessoas porque elas são judias, ou porque são negras, ciganas, muçulmanas ou homossexuais, vai parecer algo tão ridículo, desumano e ultrajante quanto a escravidão nos parece agora. (Pág. 266)