Ericona 11/10/2014
Olho por olho, escrito por Jenny Han e Siobhan Vivian, é o primeiro livro da trilogia Burn for Burn, do gênero Young Adults. É uma literatura na qual os personagens são adolescentes e/ou jovens e as temáticas que são abordadas nas tramas são os típicos dilemas dessa faixa etária: a descoberta da sexualidade, bullying, busca ou fuga de popularidade, relacionamentos amorosos e/ou fraternais, uso e/ou abuso de entorpecentes etc. Costumo dizer, galhofeiramente, que me sinto com dezesseis, dezessete anos quando leio um YA. Não consigo ver como uma leitura desagradável ou boba. Claro, também é algo que varia de escritor para escritor, de livro para livro. É tudo uma questão de saber criar uma trama que seja envolvente, que retrate os adolescentes e/ou jovens como de fato são, com suas qualidades e defeitos. O escritor deve abrir mão dos esteriótipos, porque personagens caricaturados não convencem mais a um bom leitor.
Diante de tudo isso que escrevi nas linhas anteriores, posso dizer que Olho por olho foi um dos melhores livros de YA que já li até agora, pelo simples fato de as duas autoras terem conseguido explorar de forma satisfatória os conflitos internos e externos dos personagens, sem soar superficial ou de modo não convincente.
O modo como a vida de Mary Zane, Lillia Cho e Kat DeBrassio se interliga é bem inteligente, especialmente a de Mary com as duas últimas.
Cada uma delas carrega consigo o peso de um acontecimento (ou acontecimentos, no plural) inesquecivelmente desagradável, terrível, lastimável, que marcou as suas vidas de um modo negativo, de uma maneira que deixou cicatrizes profundas e que só a vingança pode amenizar, nem que seja por um pouco, as suas almas atormentadas.
A trama se desenvolve em Ilha Jar, um lugar praticamente isolado do mundo, extremamente pacato e bonito. Um lugar tão mágico, que ninguém arriscaria dizer que lá ocorreram tantos fatos tenebrosos.
Os capítulos se dividem entre as narrativas de Mary, Lilia e Kat. Gostei muito da construção das personagens principais. Mary, Lilia e Kat são diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, suas experiências dolorosas fazem com que elas tenham algo em comum no fim das contas.
Mary é a personagem que mais me comoveu durante todo o livro, e isso tem razão de ser. Mary tem a história mais dilacerante de todas, mais desconcertante das três. É com Mary que o leitor adentra no universo de dor e no desamparo das pessoas que sofrem e/ou sofreram bullying. Ela é frágil, mas, quando suas memórias pungentes voltam de quando em quando, Mary se transforma numa leoa e a sua capa de fragilidade explode e dela sai uma mulher cheia de ira, praticamente irreconhecível. Não dura muito toda essa ira, porque a essência dela é frágil, mas esses momentos de cólera mostram que alguns acontecimentos podem causar feridas tão profundas, que afetam terrivelmente uma personalidade. Lilia é rica, tem tudo o que quer desde sempre, e esse fato desperta admiração e inveja ao mesmo tempo por parte de uma porção de pessoas, especialmente de gente que se diz ser sua melhor amiga. Lilia, a princípio, não tem motivo para pensar em nada a não ser em como é uma pessoa de sorte por ter amigos maravilhosos e que a amam tanto, até que... Coisas acontecem (uma, em especial, realmente enojante) e ela passa a questionar a veracidade do sentimento de cada um que se diz seu amigo. Nem todo mundo é o que parece. Nem todo mundo que diz nos amar nos ama de fato. Nem todo mundo que parece angelical de fato tem algo de bom dentro de si. Lilia, aos poucos, se desfaz da fantasia de princesa perfeita e um tanto frágil e se descobre mais que humana, forte e ousada, como jamais se imaginou ser. Quanto a Kat, bem, a vida nunca foi um mar de rosas para Kat, em nenhum momento, mesmo. A vida de Kat é marcada por saudade e ausências. Kat é a memina má das três, não por acaso, não por rebeldia gratuita. Kat é quem é por tudo que o que houve e o que deixou de acontecer em sua vida. As dores e mágoas que carregam são provenientes da falta de pessoas que ela tanto amava e da raiva que sente de gente que a magoou terrivelmente, mas que, antes disso, era ou, ao menos se dizia ser, sua amiga.
Preciso discorrer sobre os personagens secundários, que têm uma importância crucial na estória. Disse anteriormente que as duas autoras fugiram dos esteriótipos. E fugiram mesmo. Rennie, Reeve, Alex e Ashlin, apesar de ostentar um comportamento e uma capa impecáveis, são trabalhados suficientemente bem. É possível entrar no mundinho particular de cada um e tentar entender a razão de eles serem como são. Jenny e Siobhan permitem que nós vejamos cada personagem além de suas carcaças, e isso, sem dúvidas, aumentou muito a minha estima pelo livro.
Coincidentemente ou não, o caminho do grupo de pessoas que destroçou a alma e o coração dessas meninas está contíguo ao delas e, pelo desejo de justiça e a sede de vingança, Mary, Lilia e Kat se unem para acertar as contas com essa gente que tanto mal causaram a elas.
O final de Olho por Olho é aflitivo e faz com que a mente do leitor entre em looping, repassando todos os acontecimentos e se perguntando se as coisas deveriam ter sido feitas da maneira que foram feitas, se valeram a pena, entre outras questões pungentes.
É um YA com um enredo consistente, com acontecimentos que são tratados de forma fiel a realidade, ainda que algumas circunstâncias sejam tratadas de um jeito moderado, o que é compreensível por ser um YA. Fica a indicação a todos que não têm preconceito literário, que apreciam uma boa e forte estória protagonizada por quem está começando a vida, mas que já tem uma bagagem imensa de experiências um tanto quanto cruéis.
Pretendo ler Dente por Dente (o segundo livro da trilogia já lançado no Brasil pela parceira do blog, a Editora Novo Conceito) em breve e postar a resenha também dele aqui. O que encerra a trilogia, Ashes to Ashes, ainda não foi lançado no Brasil, mas desconfio que não tarda a ser lançado.
site: http://ericaferro.blogspot.com.br/2014/03/resenha-olho-por-olho-livro-01-jenny.html