Dan 30/12/2018
*Lirismo mecânico?*
Presta somente o último capítulo, talvez o penúltimo também; os únicos capítulos que realmente adentram no cerne do drama do personagem principal. Todos os outros não convenceram no fator 'personagem'. Muitas vezes eles agem de maneira mecânica e/ou são pintados com superficialidade. Os diálogos desta obra são igualmente ruins, artificiais demais:
"'O fio do varal está estragando', comentou. "Já comprei outro", ela disse, "Só falta trocar". "Se quiser, eu troco pra você". "Não, não precisa. Vou pedir pro zelador". Ele pegou o pano de prato e começou a enxugar a louça. "Deixa, não precisa", ela disse. "Não me custa", ele disse. "Você quem sabe."'
"'Vou até lá amanhã!", e ela concordou, "Vai sim, a Maria vai precisar de ajuda", e o pai, "Não há muito o que fazer", e a mãe, "Nessas horas estar perto ajuda", e o pai, "É verdade", e, cruzando os talheres, perguntou pro meu irmão, "Você vai, comigo?", "Não posso tenho prova!"
Todos os diálogos são assim, de uma "mecanicidade" incômoda. Até mesmo aqueles diálogos no qual o autor tenta conferir profundidade são rasos. O forte do livro, além do que falei no primeiro parágrafo de minha resenha, são os trechos poéticos, as associações inesperadas de palavras, só isso. O problema maior é que existe um vão entre o estilo e os personagens. Carrascoza não consegue dar força anímica o suficiente a eles. Apesar das palavras bonitas, a todo instante, não esquecia de que eram feitos de tinta. Essa sensação foi reforçada pelo fato de ter lido ontem o conto ''Os mortos'' de James Joyce. Foi inevitável a comparação da construção de personagens desta obra com a do autor de "Ulysses". Fiquei intrigado. Em que lugar perdemos a capacidade de criar personagens profundos? os grandes dramas existenciais? os amplos retratos de nossa sociedade? Em Carrascoza restou o véu diáfano de belas palavras sobre personagens de pouca alma.