Higor 22/01/2024
"LENDO NOBEL": sobre o silêncio ensurdecedor
Até metade de "A casa do silêncio", eu tinha certeza absoluta que este seria meu livro favorito de Orhan Pamuk, desbancando o sensacional "Uma sensação estranha", mas mesmo se perdendo no meio para o final, eu tenho certeza de que vou me lembrar dele com carinho.
Segundo livro, e já premiado, de Pamuk, mas ainda longe de escrever seus sucessos, o bem feito "Neve" e o, por ora, enfadonho e abandonado "Meu nome é Vermelho", este "A casa do silêncio" se torna um livro curioso para quem já conhece a escrita do autor - esta é minha oitava leitura do escritor turco. A impressão que passa é a de que aqui Pamuk está experimentando seu estilo de escrita, mas que, ao mesmo tempo, parece não ter urgência em encontrá-la, e sim se diverte com o que se propõe a fazer.
Através de um fluxo de consciência e monólogo interior poderoso, embora tímido, ante aos conhecidos na literatura, de William Faulkner e James Joyce, de quem o autor bebeu para aplicar em sua conhecida escrita pós-modernista, acompanhamos a vida de Fatma, uma senhora de 90 anos que espera ansiosa a visita de seus três netos: a comunista Nilgun, o alcoólatra Faruk e o frustrado com o Oriente Metin. Longe de ser uma senhorinha fofinha, Fatma guarda muitos rancores e demônios pessoais do passado, principalmente com relação ao falecido marido, ateu convicto e estudioso fanático pela ciência, e ao gentil Recep, que tem nanismo e, como é de se esperar, sofre constantes difamações dentro e fora de casa.
A própria história de Fatma, por si só, daria um ótimo livro, afinal, vários dos temas que Pamuk usa ao longo de toda a sua bibliografia, já se fazem presentes aqui: o contraste entre ciência e religião, ocidente e oriente, islamismo e cristianismo, modernismo e tradicionalismo. Pamuk tece tais assuntos de maneira tão brilhante, que mais parece um alimento a ser apreciado que uma leitura de fato, e sempre renovado a cada livro, mesmo quando poderia se tornar, a cada publicação, repetitivo e enfadonho.
Mas ainda assim, a presença dos netos, assim como a de Recep, o empregado, e seu sobrinho Hasan, agregam tanto a história, são tão fundamentais, e amarram tão bem o roteiro, que eu me pergunto: a) como Pamuk foi tão genial já em seu segundo livro?; b) como ele consegue se perder e escrever coisas tão controversas e desnecessárias como "A mulher ruiva" e cansativas como "O livro negro"?.
Prova de que nada escrito em "A casa do silêncio" é em vão, o que muito me conforta, ante tantos calhamaços por aí que estão apenas enchendo páginas, sem, de fato, agregar a história, é que determinado capítulo foi cansativo para mim, e eu optei por pulá-lo, por achar em um primeiro momento que não faria tanta diferença, mas já na primeira linha do capítulo seguinte, tanta coisa havia acontecido, que mais aparentava que eu pulei umas 100 páginas; obviamente, eu corri para o capítulo e o li, mais fascinado, na íntegra.
Pamuk exige certa paciência, seja pela sua escrita, seja pelas suas divagações, afinal, as dualidades que abraçam Istambul são, de fato, fascinante, logo, o autor quer apresentar ao leitor tal cenário, e mostrar que, apesar de as diferenças serem gritantes, funcionam com perfeição, e o leitor é recompensado com o fluir das páginas.
O ponto negativo do livro, que fez perder o fôlego na parte final, e que é o que mais me incomoda nos livros posteriores de Pamuk: o amor instantâneo e destrutivo, a ponto de os personagens não conseguirem fazer outra coisa, além de pensar no amor de suas vidas. Nos livros em geral do autor, principalmente "A mulher ruiva", mas também em "Neve" e "O livro negro", esse amor é explosivo, melodramático, bem carregado, tal como nas novelas turcas, e aqui esse sentimento arrebatador está presente, embora ainda divida espaço com outros tipos de amores, agora políticos, mais jovens, e que não são tão suicidas.
Confessado pelo próprio autor como um de seus livros favoritos, assim como por seus leitores, "A casa do silêncio" engana por pincelar um enredo genérico, mas abordar, ao invés disso, Istambul em sua completude, desde a beleza da cidade, como a feiura de seus becos e pobreza. Mesmo sendo apenas seu segundo livro, Pamuk já mostrava que não seria por mero acaso o autor mais lido - e premiado - de seu país.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".