Mauricio (Vespeiro) 16/02/2018Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.Guardadas as devidas proporções e filtrando alguns descalabros, pode-se concluir que Olavo de Carvalho teve um grande livro publicado. Há que se separar o excelente analista político do filósofo prolixo e este, por sua vez, do teólogo e/ou religioso fundamentalista (rótulo este que o autor rejeita, mesmo apresentando textos e atitudes que acabam por reforçá-lo). Olavo se perde quando sua fé contamina algumas de suas convicções, tornando-nas religião, depois em pregação colérica e, por fim, perdendo a razão para dar lugar às suas tradicionais ofensas e o “quem não concorda comigo é burro”. Parafraseando o próprio autor com uma passagem bíblica que ele mesmo cita no livro: “Experimentai de tudo e ficai com o que é bom.” (Tessalonicenses 5, 21)
A obra “O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota” foi muitísimo bem organizada por Felipe Moura Brasil. São 193 artigos publicados entre 1997 e 2013 em jornais e revistas nacionais. Porém, as inúmeras notas do organizador dão uma amplitude ainda maior aos textos, atualizando-os com referências e complementando-os com muito material online. Alguns artigos são memoráveis. Olavo tem um mérito irrevogável por ter previsto, identificado e relatado, com detalhes, a ameaça comunista e como ela se infiltraria na cultura e política brasileira. E ele faz isso com base e propriedade invejáveis, o que, por si só, já torna o livro obrigatório para quem sente um mínimo de indignação com o atual estado de coisas no Brasil.
Olavo é dotado de um domínio amplo da língua portuguesa, o que faz (quase sempre) da leitura um bálsamo, até mesmo quando você não concorda com o conteúdo. Quando uma abordagem não faz nenhum sentido, ganha crédito ao menos por ser cômica.
Se como analista político Olavo é um primor, seus devaneios filosóficos e teológicos fazem-no perder a mão. Quando escreve sobre religião, nem parece ser ele. Seus textos perdem qualidade, ficam prolixos, raivosos, empobrecidos, perdidos em acusações forçadas. Em dado momento, ele faz questão de desmerecer a ciência como um todo, unicamente por discordar do uso de termos que - segundo ele - foram por ela apropriados indevidamente. Seu posicionamento radical contra o evolucionismo é risível, chegando ao ponto de dizer que este foi “o pai do comunismo e do nazismo”. Alega que a ciência diz-se infalível e (também) por isso a condena. Não sei quais cientistas Olavo anda consultando, mas com certeza não é, por exemplo, Neil deGrasse Tyson, o astrofísico que não se cansa de repetir que a ciência ainda não sabe “nada”, muito menos teria “a” resposta para questões de insondáveis mistérios do Universo e da vida. Stephen Hawking, por sua vez, passou a carreira inteira formulando teorias de física quântica para depois desdizê-las humilde e categoricamente. Olavo, do alto da sua arrogância, ainda refuta Newton e, principalmente, Darwin. Sem esquecer a cruzada pessoal que lançou contra Richard Dawkins. A meu ver, falta-lhe honestidade intelectual quando afirma que “regimes totalitários adotaram a doutrina (sic) evolucionista e - com ligeiras modificações - causaram a matança de ‘uns’ 200 milhões de seres humanos”. Assusta ler ainda que “Newton concebeu a teoria gravitacional exclusivamente como parte de um projeto para destruir o cristianismo”. Na mesma linha, aponta o maldito marxismo como “grande beneficiário dos estudos da ciência sobre a evolução humana”. Por fim, as pérolas olavianas concluem que “sem a ciência teríamos um mundo melhor”. E seria melhor com a religião? A mesma religião que nos brindou com a Inquisição, com o 11 de Setembro, com o Estado Islâmico, Edir Macedo... bom, deixe pra lá. Afirmações deste naipe têm potencial para desmerecer toda uma obra, caso o leitor não faça uma filtragem criteriosa.
Assim, em princípio, o ódio de Olavo contra a ciência causou-me estranhamento. Muito desta postura restou “explicada” depois que assisti ao terrível filme “O Jardim das Aflições” (2017), onde o autor é entrevistado na sua casa, na Virginia (EUA). Mais de 80 minutos de elucubrações quiromaníacas lotados de filosofadas. O livro homônimo que deu origem ao filme está na minha lista de leitura. Confesso que dei uma boa desanimada, vez que a ênfase da outra obra é puramente a filosofia.
Filósofos contemporâneos e teólogos de um lado; cientistas de outro? Cisma desnecessária, vez que ambos os lados apresentam lacunas gigantescas. Uns mais, outros menos, a bem da verdade. Proporcionalmente, a estupidez toma conta de uma pequena parte do livro. Desta forma, há muito que se aproveitar do restante.
Se o trabalho de organização parece perfeito, o mesmo não se pode dizer da impressão. Alguns travessões e outros sinais de pontuação sumiram, deixando apenas espaços em branco. Letras fechadas como a, b, e, o, muitas vezes aparecem com seus núcleos pintados de preto ou totalmente borradas.
Nota do livro: 7,86 (4 estrelas).