Leonardo 17/04/2012
Nostalgia e uma aula sobre como desconcertar o leitor
Não sei como cheguei a esse livro, mas estava há um bom tempo curioso em relação a ele. Kazuo Ishiguro nasceu no Japão, mas é um cidadão inglês, e o livro foi escrito originalmente neste idioma.
Encontrei o livro numa livraria e, sem saber do que se tratava, comecei a leitura. Esta é, sem dúvida alguma, a melhor forma de ler um bom livro ou ver um filme: sem saber o que esperar.
O que encontrei: nostalgia e uma aula sobre como desconcertar o leitor.
Explico, apesar de não poder (querer) adentrar na trama, para não atrapalhar a experiência de quem quiser conhecer essa bela história. Never let me go pode ser classificado como ficção científica ou romance: A história se passa num futuro não muito diferente do nosso presente, com exceção de que houve uma guerra (mencionada apenas uma vez, de passagem) e a tecnologia de clonagem é amplamente dominada. Clones (pessoas?) são “fabricadas” com o objetivo único de servir como doadores de órgãos quando chegarem à idade adulta. Os três principais personagens da história, Kathy, Tommy e Ruth, são clones, e vivem uma espécie de triângulo amoroso, o que poderia abrir a possibilidade de classificar o livro como romance. Aí entra a mão habilidosa do escritor, porque ele luta contra os clichês. Se você espera algo do tipo admirável mundo novo ou algum melodrama no estilo Nicholas Sparks, vai ser surpreendido o tempo todo. E o melhor: surpreendido pelo trivial.
Kazuo Ishiguro soube como contar esta história e, sobretudo, criar os personagens. Kathy, a narradora, está com 31 anos e se aposentou da sua função de cuidadora. Ela ouviu de um dos doadores de quem ela cuidou que Hailsham era um lugar especial, diferente das outras escolas, e começa a relembrar tudo que viveu para tentar encontrar o motivo de a escola ser tão especial.
Ele relembra situações de quando tinha seis, nove, doze, dezesseis anos. Coisas simples, corriqueiras, como a alegria que sentiu quando Ruth, uma menina cheia de iniciativa, convidou-a para brincar com seus cavalos imaginários. Ou como ela ficou preocupada quando Tommy, num acesso de fúria por ter sido preterido numa partida de futebol, sujou a camisa polo que ele tinha acabado de comprar. Aí entra a palavra nostalgia. As memórias construídas por Ishiguro são tão palpáveis, que você esquece que está num livro e mais ainda: esquece que o universo do livro é uma “ficção científica”. Isso acaba não tendo peso, porque, afinal, eles são humanos! E isso é interessante porque dentro do livro, eles não são considerados humanos exatamente, mas clones; e nós, leitores, sabemos que eles não são uma coisa nem outra, apenas uma série de letras ordenadas de forma a evocar emoções.
Ishiguro vai acompanhando o crescimento de Kathy e a sua proximidade com Ruth e Tommy, que se tornam namorados. Eles deixam Hailsham e começam a encarar o que será seu destino, sem jamais duvidar de que é o certo a ser feito, apesar de nutrirem, muito intimamente, sonhos.
O título do livro diz muito sobre a história, e é também o título da canção favorita de Kathy, cantada por Judy Bridgewater, uma personagem fictícia. As lembranças das experiências vividas ao lado dos amigos nunca deixarão Kathy, esse é o tesouro que ela sempre guardará. Tampouco eu esquecerei o que foi ler esse livro e conhecer a história de Kathy, Tommy e Ruth.
Minha avaliação:
5 estrelas em 5.