Spy Books Brasil 02/03/2024
Fundamental para os aficcionados pelo gênero da espionagem
Eu já havia lido esse livro duas vezes. A primeira, ainda na adolescência, ajudou a moldar minha preferência por thrillers de espionagem. A segunda, feita mais recentemente, veio depois de eu presentear um sobrinho meu com um exemplar de comemoração dos 40 anos do livro.
Tudo isso, porém, foi antes da criação do Spy Books Brasil. Para resenhá-lo, portanto, senti a necessidade de ler novamente. O que é sempre um prazer, no caso de um livro tão sensacional. Vamos conhecer a trama.
A trama
A história inicia em 1940. Infiltrado na Inglaterra desde antes do início da Segunda Guerra Mundial, Henri Faber é um espião adormecido da Abwehr – a agência nazista de inteligência. Ele se integrou à sociedade inglesa como um trabalhador de classe média baixa e conseguiu um emprego no sistema ferroviário, onde espiona informações que são transmitidas para a Alemanha por rádio.
Faber é um dos poucos agentes nazistas enviados à Inglaterra que não foi capturado pelo MI5, o serviço de contraespionagem doméstica dos britânicos. Seu nome em código é Die Nadel, que em alemão quer dizer "a agulha", por causa de sua preferência pelo uso de um punhal para assassinar seus inimigos.
No início da história, além de garimpar informações que possam ser úteis a uma esperada invasão das ilhas britânicas pela Alemanha, Faber deve se concentrar em se manter longe das garras do MI5. O serviço britânico tem por missão prender todos os agentes alemães e recruta o historiador Percival Godliman para se juntar a esse esforço.
Apesar de estar na casa dos 50 anos, Godliman é viúvo, bastante solitário, e vai mergulhar com afinco no trabalho de descoberta dos possíveis agentes alemães. Ele tem como parceiro o policial Frederick Bloggs. Jovem, casado com uma motorista de ambulância voluntária que percorre Londres nas noites de bombardeio para resgatar feridos, Bloggs também foi recrutado para o esforço de caça a espiões.
Ainda em 1940, conhecemos a história do jovem casal David e Lucy Rose. Ele é um destemido piloto da Royal Air Force, ela é uma jovem com comportamentos modernos para a sua época, que aceitou perder a virgindade com David uma semana antes do matrimônio.
Os dois se casam na véspera da primeira missão de David como piloto de um caça Spitfire e terão apenas uma noite de lua-de-mel antes que ele embarque numa caçada a bombardeiros alemães. Antes que eles possam aproveitar a noite de núpcias, porém, os dois sofrem um acidente de carro que vai marcar de forma indelével o futuro do casal.
Tempos narrativos
As apresentações são feitas no primeiro terço do livro e o tempo da narrativa muda para 1944, quando a verdadeira ação vai de fato acontecer. Os aliados planejam uma invasão ao contintente Europeu e todo o esforço da inteligência alemã é dirigido para a tarefa de saber, com antecedência, em que ponto serão concentrados os desembarques.
Faber é orientado a contactar um agente enviado à Inglaterra para receber sua missão: visitar campos militares que foram fotogrados por aviões espiões na Ânglia Oriental. O objetivo é determinar o tamanho da força ali estacionada. As fotos de reconhecimento aéreo indicam a presença de quartéis, tanques, aviões e navios. Uma delas chega a mostrar o general norte-americano George Patton passeando seus bulldogs nas redondezas.
O alto comando alemão quer confirmar o tamanho dessas forças para determinar se o ataque será em Callais, como defendem os generais da Wermacht. Hittler, por sua vez, desdenha dessa possibilidade. Ele prefere acreditar em sua intuição, que aponta o desembarque para as praias da Normandia.
Faber percebe que o agente enviado da Alemanha estava sendo seguido pelo MI5. Ele faz contato, toma conhecimento da missão, e assassina o compatriota em seguida. Por medida de segurança, já que o enviado viu o rosto dele. Esse assassinato dá a certeza ao MI5 de que há um agente alemão a solta em território britânico e a caçada é iniciada.
Personagens
No início do livro, não temos dúvidas sobre quem desempenha o papel de vilão. Faber é um assassino frio e calculista, extremamente metódico em suas medidas de segurança e letal com o punhal afiado, que mantém escondido sob a manga do casaco no antebraço esquerdo.
Ele é uma personagem brutal, com um passado de alto rendimento em competições esportivas militares nas forças armadas alemãs. Vem de uma família aristocrática. Seu pai esteve entre os apoiadores iniciais do Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores alemães e ele conheceu Hitler pessoalmente. O ditador nazista deposita grande confiança na capacidade de julgamente de Die Nadel, o que ajuda a explicar seu desdém por seus superiores na hierarquia militar.
Essa soberba é que vai colocá-lo no radar do MI5. Seguro de sua alta capacidade de detectar ameaças e bancado por Hitler, ele sempre encerra suas transmissões em código com a frase "Lembranças a Willi", numa referência a Wilhem Canaris, o chefe da Abwher. Essa frase, captada pela inteligência britânica de sinais, se transforma numa assinatura que permite ao MI5 saber quando a transmissão foi feita por Die Nadel.
Do lado das protagonistas, no início do livro, fica difícil bater o martelo em quem vai ser o grande herói. Embora seja a primeira personagem a ser apresentada pelo lado dos "mocinhos", Percival Godliman tem um perfil que se enquadraria mais no de um tutor do que no de um herói completo. Seu parceiro, Frederick Bloggs, embora tenha a idade e o tipo físico para personificar o herói, tem uma personalidade menos marcante e acaba perdendo um pouco do vigor depois que sua amada esposa morre num dos bombardeios.
O autor tenta nos fazer acreditar, no início, que a combinação entre os dois vai cumprir a função do herói na caçada a Faber. A força que emana dessa união, porém, parece infinitamente inferior à força demonstrada por Die Nadel desde o início da história.
Essa manobra é construída porque Follett está guardando para um ponto futuro na trama uma inovação que será uma surpresa para o leitor.
Inovações
Para um autor aos 27 anos de idade, Follett foi bastante ousado na construção de sua obra-prima. Ele traz algumas construções estruturais que eram de certa forma novidades na época. Ousou fazer isso num mercado, o editorial, que de certa forma costuma resistir a inovações e prefere apostar nas fórmulas consagradas.
Uma dessas inovações é a adoção do que, nos roteiros, é chamado de trama B. Não que isso não existisse em absoluto na literatura, mas as tramas B, de forma geral – e isso se aplica também aos roteiros –, costumam ter um papel auxiliar e interligado ao da trama principal.
Em O Buraco da Agulha, porém, a história do jovem casal David e Lucy Rose inicia totalmente desconectada da caçada a Die Nadel. Como se fosse um livro dentro do livro, ela se mantém assim por mais de dois terços da história. Somente no terço final, e por obra do destino, as duas tramas se cruzam para que Follett nos revele, finalmente, a supresa de sua outra inovação: o papel do herói da trama vai ser ocupado por uma personagem feminina.
Lucy Rose, a jovem e devotada esposa de um piloto de caça britânico que perdeu a chance de lutar por seu país para um acidente automobilístico, acaba provocando uma virada completa no plot no terço final do livro e ocupa, sem sombra de dúvidas, o papel da heroína.
Recomendação de leitura
Eu me declaro suspeito para indicar este livro. Afinal, esta é a terceira vez que o leio. Na minha opinião, é uma obra fundamental para os aficcionados por este gênero. A boa notícia é que ele está disponível para leitura sem custo, em formato digital, para assinantes do Kindle Unlimited. Aproveite!
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