spoiler visualizarThay262 05/03/2024
O universo é positivamente fascinante, o mundo mágico é positivamente criativo e interessante, o enredo é negativamente conveniente e apelativo...
A escrita e a narração parecem melhorar significativamente. Inicia mais sombrio e me surpreendeu quando começou com uma cena com o antagonista em destaque, logo no primeiro ato. E então os eventos subsequentes da Copa de Quadribol parecem trazer um ar ainda mais sério a este volume.
Tem tudo que atrairia os adolescentes: a vida escolar, os amigos, os valentões, um vilão super malvado e terrível, e a criança “escolhida” pelo destino que, de uma forma ou de outra, depois de muita luta e drama, causará a queda de esse mal algum dia.
Um enredo promissor para uma saga, não é?
No geral, o enredo é excelente porque mostra resiliência, lealdade, força de vontade, coragem e a luta do bem contra o mal. Acho que os personagens jovens estão bem construídos até agora, com personalidades e arcos de crescimento, com seus erros e acertos, não dá para ser perfeito em tudo, e acho isso muito bom, os personagens ganham vida facilmente.
A narrativa constrói bem aos arcos de mistério que permeiam a trama, sempre há algo para descobrir, saber “como e por quê?”. Acho isso muito interessante, pois mistura bruxos e mistérios em um mesmo livro, deixando as pessoas fascinadas pelo mundo mágico e grudadas nas páginas para saber o que vai acontecer (apesar de que, ter spoilers ou ter visto os filmes estraga a experiência nesse aspecto).
Gosto do conceito usado para criar o personagem principal e entendo porque é atraente:
Uma criança órfã, oprimida e solitária, abusada por parentes que humilham a pobre, porque assim sentimos pena e isso apela para toda a nossa consciência contra tal injustiça (um método narrativo usado nos Contos de Fadas e na Disney há anos, mas que prende a nossa atenção, já cria espectativa quanto ao percurso narrativo que levará ao epílogo), um enredo que vai em direção a idiotizar os Trouxas com quem ele vive (um ato também visto em contos de fadas e na Disney com madrastas ou parentes malvados, como forma de mostrar que no fim aquela maldade foi punida e reparada, de modo que não são exemplos. Embora eu não goste que a J.K use atributos físicos de forma estereotipada como mediadores para reiterar o mal caráter dos Dursleys) e então temos um mundo mágico verdadeiramente incrível e criativo, claramente melhor do que qualquer outra coisa no mundo, afinal esse é o ponto de vista de Harry e, convenhamos, qualquer coisa é melhor que os Dursley. Ele acaba descobrindo-se em um mundo novo onde é o Garoto-Que-Sobreviveu, que é "especial" por ter sobrevivido a um atentado enquanto seus pais não, é popular e o assunto na boca de todos por isso goste ele ou não (e sem nem fazer tanto esforço para obter tal popularidade e fofoca sobre ele) e ainda dono de uma fortuna, e mesmo que ele seja afligido por um supervilão para atormentá-lo anualmente e lhe trazer grande angústia, no final sua idade, capacidade ou tamanho não importam porque o terrível mal do mundo não pode vencer este jovem visto que o amor (e uma forte dose de coragem, bons camaradas, sorte e heroísmo, dada a qualquer protagonista de qualquer trama) sempre o salva pois, afinal, de alguma forma o jovem inexperiente e diminuto irá derrotar todos os artifícios de alguém maior e mais perspicaz que ele, no final.
Sim, o tipo de clichê de saga/série que poderia me atrair facilmente e me deixar MUITO satisfeita. Poderia...
...Mas no fim, o quarto livro ter ficado mais sombrio (em relação aos primeiros) não significa ter ficado mais maduro em termos de Recursos Narrativos. E os ocorridos ao longo da trama provam isso...
"Ele não tem feito nada exceto transgredir limites desde que chegou aqui - disse Snape". Sério? Ele é tão incompetente que não entende que se Harry realmente transgride limites desdo primeiro ano e ainda persiste até o 4, então os incompetentes são eles mesmos como docentes e direção, não?
"O cálice apagou e só voltará a funcionar no próximo torneio, os campeões terão de competir porque estão sob Contrato Magico... Nessa altura não podemos fugir à responsabilidade... somos obrigados... Harry terá que se esforçar o máximo". Jura? E ainda teve a audácia de dizer que "não pode fugir à responsabilidades?" para com um jogo, e a responsabilidade de zelar pela criança que nem se escreveu naquela bagaça?
"Trabalhamos duro durante o verão para garantir que, desta vez, nenhum campeão se encontre em perigo mortal". Viu? Até a autora sacaneia os adulto dessa trama, porque certamente isso foi ironia da mais descarada.
Então sim, acho que os adultos e a trama NÃO são tão bem construídos em alguns aspectos...
Então você pode aproveitar a leitura se ignorar o fato de que os adultos da trama são transformados em idiotas incapazes de manter as crianças seguras nas dependências da escola pelo quarto ano consecutivo (o que faz desmoronar parte da narrativa que trata alguns bruxos como Dumbledore como uma figura imponente e poderosa).
No final, o que temos é um aluno que tem que suportar uma série de provações, não só porque tem um passado trágico que o liga ao antagonista, mas porque os adultos mostram contínua e infinita falta de capacidade de mantê-lo na escola livre de perigos que ameaçam a vida desse aluno, todo maldito ano.
A trama começa com a volta do vilão, ainda que fraco. Uma Marca Negra no céu. Depois uma taça de seleção que elege o nome de Harry, contra todas as probabilidades. O leitor é inteligente o suficiente para ligar os pontos desde o início. Mas e os personagens?
Alguém suspeita que o item da seleção foi desviado do seu propósito original? E ninguém que organizou o evento está sendo investigado? Ninguém supõe logo de cara que é um ardil contra Harry? Mas a hipótese é apenas levantada por Alastor, que é rechaçado. Mas e Dumbledore e Minerva? Eles aceitam passivamente que Harry deve estar no torneio. Jura?
O enredo deixa de ser interessante e inteligente, na minha opinião, pois para fazer de Harry Potter o protagonista é preciso reduzir a inteligência dos adultos de Hogwarts, digo isso em todas as minhas análises desse universo.
É difícil levar a trama a sério: Harry tem que competir. As regras não devem ser quebradas! Quer dizer, as regras que são pertinentes ao enredo e convenientes para fazer ele participar, porque ninguém se importou que só deveria ter 3 concorrentes de cada escola.
E embora seja normal que o protagonista enfrente desafios em diversas tramas de livros, em Harry Potter, pelo menos nos 4 livros que li até agora, parece que os desafios que Harry enfrentou poderiam ser evitados se os adultos agissem como adultos. Simples assim.
A trama não mede esforços para fazer de Harry Potter o protagonista principal, então vamos concordar: é muito difícil ser ele.
Para alguém que parece tão amado no mundo bruxo, Harry é totalmente negligenciado, seja pelo próprio mundo bruxo ou por seus parentes trouxas. O resumo da vida de Harry até aqui é: "a criança-que-sobreviveu" deve continuar tentando sobreviver num mundo que está bastante determinado a vê-lo morto. É isso que faz adolescente e adultos amarem, o elemento de periculosidade, ação, etc. Eu gosto disso também numa trama, mas não como a J.K faz com a trama, embora o mundo seja magnífico e criativo.
Os capítulos finais são até eletrizantes, embora toda a maracutaia do vilão parecesse excessiva e sem muito nexo para mim. Ele não poderia sequestrar Harry quando estava entre Hogwarts e a casa dos Dursley? Não conseguiu alguém para atrair Harry para fora do castelo durante o ano todo? Qualquer um, até Draco serviria através de uma competição boba de adolescentes. O vilão não conseguia pensar em nenhum artifício rapido e eficaz? O mesmo Voldemort que colocou asseclas na escola, e faz desde o primeiro livro. Não seria melhor não envolver Harry no torneio porque, enquanto todos estivessem distraídos, então seria mais fácil atraí-lo com qualquer outro ardil?
Mas não, o mesmo vilão que diz no começo que não atacará durante a Copa porque estará cheio de observadores, põe um infiltrado em Hogwarts, que coloca Harry em um torneio onde terá diversos observadores e onde Harry ficará em evidência para todos, e Voldemort e seus seguidores ainda têm fé e confiança que Potter chegará à final e completará a tarefa com eficiência, para que possa sair vitorioso e tocar um troféu que o levará para outro lugar? E então eles poderão realizar seus planos malignos com ele em mãos?
Uau, Voldemort é a rainha do drama da megalomania. Não basta traçar um plano simples e eficaz, ele tem que provar que Harry é digno de ser seu rival.
Enfim, eu gosto do livro quanto a amizade, lealdade, resiliência, enfrentamento de medos, superação, reflexões múltiplas, crescimento com amadurecimento, dentre outras coisas que saberão listar melhor que eu.
Oque me incomoda mesmo é como os adultos, sejam bruxos ou trouxas, são retratados feito tolos. E como Hogwarts não é um bom lugar para Harry realmente...
O lema de Hogwarts tinha que ser: Harry Potter que lute, literalmente. Ele não é favorecido pela trama, ele é o mais negligenciado dela.
Obviamente, você tem que aceitar que esta escola não é realmente normal, não só porque é uma escola bruxa, mas porque “Hogwarts é a nossa casa e o lugar mais seguro do mundo” é um slogan bem “fake news” (Harry que o diga, não?). E a única coisa que faz crianças, adolescentes e adultos quererem a sua carta de Hogwarts, apesar dos riscos anuais, é porque a magia apela ao sentido de “superpoderes” e ao desejo de “ser mais especial do que realmente somos e ter uma vida mais interessante que essa de trouxas que vivemos todos os dias”, então Hogwarts se torna a fuga que sempre quisemos do mundo real, e é em parte por isso que Harry ama Hogwarts (a outra parte são os amigos que ele fez lá). Caso contrário, sem magia ou amigos envolvidos, ninguém iria querer ir para um internato como esse.
Em geral, tenho a sensação de que Hogwarts e Dumbledore só são tão amados porque lemos no ponto de vista de Harry, e o menino vê ambos como acolhedores porque sua vida é muito mais torturante com seus tios e primo. Pelo menos em Hogwarts e aos olhos de Dumbledore, e do mundo mágico, Harry é alguém importante para algo, um meio para um fim, ao invés do miserável insignificante e abusado que é quando está sob tutela de seus tios.
Assim, aos olhos do leitor, ele se torna o personagem principal do qual queremos torcer pela vitória. Então sim, é muito difícil ser Harry Potter. Deve ser por isso que ele é um protagonista tão pouco carismático.
Então é: um mundo muito criativo, trama nem tanto.