Luiz Pereira Júnior 16/03/2023
Vencendo o preconceito (ou: É Fernanda Torres, não Fernando Pessoa).
Confesso que fui preconceituoso. Primeiro, fiquei em dúvida como poderia ser possível uma atriz escrever tão bem. Pensei que fosse a mãe da atriz escrevendo (mas, nesse caso, haveria algo destoante entre a figura da grande dama do teatro brasileiro e o contexto da obra); pensei que seria um ghost-writer, mas para que Fernanda Torres precisaria disso (mera vaidade? Mais dinheiro na conta? Improvável)? Enfim, já havia lido outro livro dela, mas esse me surpreendeu.
Mas não me julgue como eu errei ao julgar a autora. Estava me lembrando dela como a atriz que fez um papel em uma série de comédia televisiva em que bancava a louca, balançando os cabelos desvairadamente para indicar raiva pelo seu amante cafajeste, interpretando um personagem superficial, repetitiva, sem maiores atrativos. Mas então me lembrei que Fernanda Torres também foi a grande atriz de “Eu sei que vou te amar”...
Mas vamos ao livro. A técnica empregada por Fernanda Torres é extremamente convincente e faz com que o leitor acompanhe a obra sem maiores problemas: ao dividir o livro em partes, cada uma delas com um protagonista, a autora conta a vida e a morte de cinco amigos (a bem da verdade, nesse caso, amizade no sentido de se unirem para a esbórnia, para a farra, para o mais puro e completo hedonismo).
No entanto, o que muitas resenhas deixam de dizer é que o livro é bem mais do que isso, pois cada parte do livro começa com o protagonista narrando seus últimos dias e sua própria morte em primeira pessoa, enquanto que nas páginas seguintes do capítulo o narrador passa a ser em terceira pessoa, mostrando o impacto que o protagonista do capítulo teve nas vidas daqueles que lhes eram mais próximos (e não de um modo mimizento, lacrimoso, piegas, mas sim de uma maneira real e, por vezes, espantosa como o filho que não encontra nada para falar bem do pai e resolve publicar um convite para o velório citando os males que o pai espalhou em vida).
Enfim, um livro para ser lido como entretenimento, por causa de sua linguagem fluida, demonstrando que um livro pode ser bem escrito, usando técnicas modernas (ou nem tão modernas assim), sem se tornar ilegível, maçante, travado, hermético como tantos autores modernos(os) buscam ser...
Um detalhe: no começo fiquei pensando por que as narrativas dos diferentes personagens são tão parecidas em estilo de escrita. Mas depois me veio à mente que os personagens são todos da mesma faixa etária, praticamente da mesma classe social, vindos do mesmo lugar, morando na mesma cidade, enfrentando basicamente os mesmos problemas e anseios, então não seria verossímil que eles se expressassem diferente, como se a autora precisasse inventar um estilo de escrita para cada um deles. Afinal “Fim” é obra de Fernanda Torres, não de Fernando Pessoa...
Sou um cinquentão e, talvez por causa disso, o livro tenha maior impacto sobre mim do que sobre os vintões, os trintões e os teens. Mas para todos nós a conclusão é, sempre foi e sempre será a mesma: o fim pode até estar distante, mas dele ninguém escapa...