Dhiego Morais 20/09/2017Nossos OssosDesenterrei essa resenha, uma das primeiras que escrevi, há três anos. É possível que não esteja tão boa, mas achei útil publicá-la. Enjoy!
Está aí um autor nacional que eu desconhecia; vencedor de um Jabuti em 2006 por Contos Negreiros e que até o meu celular (no corretor automático) conhece! (Que loucura! Onde eu estava para desconhecer isso?!).
Foi durante o programa Viagem Literária (um programa do Estado de São Paulo que visa aproximar os autores do público, levando-os às bibliotecas, em eventos gratuitos) que eu decidi escrever esta resenha, enquanto pensava cá, no meio do bate-papo, a respeito de “Nossos Ossos”, primeiro romance desse autor nascido em Sertânia (PE).
“Nossos Ossos” é um romance que muitas vezes me lembrou da forma de uma crônica. Uma crônica mais longa que o usual. Narrado em primeira pessoa, o livro nos apresenta a figura curiosa de Heleno, um homem que dedicou quase toda a vida à escrita de textos adaptados para o teatro, principalmente.
“O caixa também sabe de mim, olá, como estamos, ele igualmente quer garantir se está tudo em ordem, é uma grande soma em dinheiro, nem eu imaginaria que tivesse esse montante em conta, uma existência dedicada aos palcos, a primeira peça que escrevi faz quase trinta anos.” [página 15-16]
O livro inteiro é narrado desta forma, meio discorrida e com as falas e pensamentos da personagem inseridos bem entre os parágrafos, como uma mãe apressada contando os fatos para o seu filho. Bem característico da oralidade nordestina.
Pois bem, falando em nordestino: a personagem principal, Heleno, é um homem de meia idade, pernambucano, dramaturgo reconhecido por seu trabalho, caçula de uma família de nove filhos (Marcelino também é o caçula entre nove filhos de sua mãe), artista da família, e detentor de uma melancolia interessante, que não irrita, mas permite que o leitor se inteire sobre as sensações dele, enquanto narrador.
Nossos Ossos é uma odisseia brasileira onde a temática do êxodo rural está presente como plano de fundo, e onde as questões sociais e do dia-a-dia (sexo, homossexualidade, prostituição, crime) também atribuem o seu tempero a mais.
Heleno é um recém-chegado à São Paulo: sonhador em busca de sucesso e reconhecimento, junto pelo desejo em encontrar Carlos, é recepcionado pelo abandono do mesmo. É necessário se virar como pode. Desta forma, Heleno de Gusmão prossegue com a vida na metrópole, aproveitando e experimentando de tudo, sem pudor ou remorso, desde o sexo sem compromisso com prostitutos até as mais variadas expressões da vida noturna. Mais tarde acaba conhecendo Cícero – o Boy —, e é aí que a história realmente engrena.
“Eu amei de tudo e vou continuar amando.” (contracapa).
Logo no início do livro somos confrontados, junto a Heleno, com a morte brutal de Cícero. A odisseia começa então, com Heleno buscando a todo custo, sem medir esforços e gastos, encontrar a família do Boy, bem como descobrir mais sobre o assassinato do michê. A tarefa de levar o caixão com o corpo é tida para Heleno como uma de suas maiores tarefas em vida.
Dos inferninhos e casas de prazer em São Paulo, até Poço do Boi, Pernambuco, Heleno nos encaminha melancolicamente pela sua história, quase um teatro encenado em vida,, enquanto Marcelino Freire não poupa de sua estilística incomum ao unir frases e falas-pensamentos, caminhamos pela empreitada do nordestino. Há uma conexão muito forte entre as páginas do livro.
Não há um apelo sexual entre as linhas de seu livro, mas uma naturalidade incrivelmente cômoda nisso em suas personagens. E é este trabalho com as ideias, de modo tão real, coligado aos inúmeros jogos com palavras, que transfere a Marcelino Freire uma astúcia deliciosa ao leitor.
Uma parte interessante do livro se encontra em... bem, todos os capítulos! Sim, não é brincadeira. Refiro-me aos títulos dos capítulos, que citam sempre alguma parte do corpo humano (ligamentos, pés, mãos, músculos, etc.), e que, juntas, montam um esqueleto! Daí vem parte do título do livro ser Nossos Ossos. É claro que, a infância de Heleno, quando ele encontrava fósseis dos mais variados animais (inclusive de humanos!) também possuem um toque cá ou lá.
“Nossos Ossos” é dividido em duas partes: Parte Um e Parte Outro (mais jogos de palavras! Quem curte essa característica pode conferir “EraOdito”, também de Marcelino Freire. É bem interessante!). Enquanto leitor, muitos podem questionar se a obra é autobiográfica. Bom, de acordo com o próprio autor, existem sim passagens que beiram a semelhança com a sua história, mas, entretanto, o romance é praticamente ficcional.
Ouso dizer que, apesar de literatura fantástica não estar entre o leque de Marcelino, “Nossos Ossos” possui uma jogada magistral em seu final (não direi porque será spoiler! Haha) que beira o fantástico.
Por fim, se você procura um livro peculiar, que aborde todas estas questões do cotidiano, presentes entre as sombras da noite das cidades; um livro com uma pitada fantástica no finalzinho; bem, insisto para que você dê uma chance a “Nossos Ossos”, afinal...
“Nossos Ossos encontram os vossos.” (página 127).