Jacqueline 08/10/2014
A vida é tão curta para ser pequena
Nossos ossos, vencedor do prêmio literário de 2014 da Biblioteca Nacional, é o primeiro romance de Marcelino Freire. Mistura extratos biográficos e ficção de uma forma econômica, triste e honesta. Conta a história de Heleno, um dramaturgo migrante de Pernambuco que vem para São Paulo, um tanto por conta do teatro e quanto mais por causa de um namorado.
Dividido em duas partes, nomeadas de forma original Parte um e Parte Outro o livro fala dessas perdas dessas partidas e de como elas nos constituem.
As referências à terra de origem e ao ofício de escritor/dramaturgo transbordam e costuram a trajetória de Heleno.
A respeito da primeira não faltam alusões a brincadeiras de infância de juntar ossos de origem de vários animais, inclusive humanos, ou a marcas que a Geografia imprime: O sol deixava tudo do mesmo tamanho, deus, enguia, cotovia, formiga, moço, coruja, velho, estátuas de arquiteto, arames, andaimes...
A respeito do oficio de escritor, a relação de reflexão e refração que a escrita de ficção trava com a realidade objetiva e com nossa subjetividade e seu potencial elaborativo aparecem de forma quase visceral:
Mesmo quando escrevi o meu teatro, é da falta de vida que ele se alimenta, meus textos, dramáticos, só foram possíveis porque estão impregnados desta minha morte, um autor só é autor, digamos, quando é vítima de um crime, de um atentado, um desprezo, um exílio, um corte, um esquecimento
"Eu escrevo para dar vida de e novo as pessoas que amei"
Por vezes, as duas motivações se interpenetram:
Minha dramaturgia veio daí, hoje eu entendo, desses falecimentos construí meus personagens errantes, desgraçados mas confiantes, touros brabos, povo que se põe ereto e ressuscitado, uma galeria teimosa de almas que moram entre a graça e a desgraça
Os títulos dos capítulos fazem referências aos ossos e a partes do corpo humano, como se a história contada fosse literalmente de constituição e degeneração de um homem. Os capítulos curtos, a escrita econômica, a narrativa presente intercalada com a do passado ajudam a configurar a transitoriedade da vida.