... E o Vento Levou

... E o Vento Levou Margaret Mitchell




Resenhas - E o Vento Levou


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Coruja 10/02/2020

As Várias Facetas de ‘E o Vento Levou’
Começo a resenha confessando que essa foi a segunda vez que peguei E o Vento Levou para ler: quando comprei o livro uns anos atrás, li a primeira parte e abandonei, porque criei ojeriza a Scarlett O’Hara. Desconfio que o problema era meu humor à época, que me deixou sem paciência para o poço de egoísmo que Scarlett se revela logo no começo - tive tanta raiva da protagonista que larguei-a sem peso na consciência. Ok, ela é uma adolescente no início, mas ainda assim, tive uma reação muito visceral ao egocentrismo da mocinha. Esse ano, na minha incansável jornada para conquistar os livros não lidos da estante, decidi dar uma nova chance ao calhamaço de Margaret Mitchell: pensei que começando-o no começo do ano, estaria num humor melhor e conseguiria avançar.

Deu certo. A primeira parte ainda foi como se arrastar ladeira acima, mas depois que Scarlett chega a Atlanta, quando se inicia sua convivência com Melanie e Rhett - quando ela é confrontada com a realidade da guerra, o cerco à cidade, a fuga desesperada de volta a Tara - a leitura deslanchou. À determinada altura eu já nem conseguia largar o livro, quase um exercício de musculação considerando o tamanho. A transformação da orgulhosa e mimada Scarlett O’Hara numa mulher forte e capaz de tudo para alcançar seus objetivos - em especial a manutenção da terra de sua família e reaquisição de sua fortuna (“jamais sentirei fome outra vez”) - é brilhante.

* aviso de logo que teremos spoilers daqui por diante*

Tendo feito tais considerações, devo observar que há muitas maneiras de analisar esse enredo. Tradicionalmente, E o Vento Levou é vendido como um daqueles ‘grandes romances de todos os tempos’ (na verdade, isso está escrito no rodapé da capa da minha edição). Isso me fez pensar na época em que li O Morro dos Ventos Uivantes, e como o relacionamento de Heathcliff e Cathy me causou calafrios. Gosto imensamente de Rhett, e Scarlett é um pouco melhor que Cathy, mas não consigo pensar neles como um casal que se sustente - mesmo que eu tenha adorado vê-los juntos (tenho uma queda por casais tipo Cão e Gato) - porque eles parecem totalmente incapazes de se comunicar de forma sincera.

Scarlett começa a história como uma coquete que enfeitiça todos os rapazes ao seu redor, mas apaixonada por Ashley Wilkes, apresentado como o modelo perfeito de cavalheiro sulista. Rhett a flagra num momento em que sua máscara de grande dama cai e esse vislumbre acende seu interesse - algo que, aos poucos, parece se transformar quase em obsessão. Não temos seu ponto de vista, mas imagino o que diríamos de Rhett se pudéssemos enxergar a forma como seus sentimentos evoluíram: de uma admiração irônica para o desejo ciumento de posse até a magoada indiferença.

Rhett admira a força e persistência de Scarlett, disso não se pode duvidar. De certa maneira, ele a vê como uma igual, uma mulher determinada a tudo para sobreviver, alguém capaz de se livrar de todos os seus escrúpulos se necessário. Uma ‘gata selvagem’ por debaixo do verniz de nobre dama sulista. Ele, que foi expulso de casa por seu pai, que perdeu a fortuna e a primogenitura, mas conseguiu se reerguer a partir de sua própria sagacidade. Exatamente por isso - ali está uma pequena hipócrita que lhe mostra que a sociedade de que foi expulso não é tão melhor que ele - sua atenção é fisgada.

O problema é a paixão de Scarlett por Ashley que, de certa maneira, imita a preferência do pai de Rhett por um tipo de figura moral que é o absoluto oposto do nosso anti-herói. Assim como o senhor Butler provavelmente teria preferido Ashley Wilkes como filho, Scarlett parece preferi-lo como marido. E essa relação envenena Rhett, que se torna tão obcecado por Ashley quanto o é pela primogênita dos O’Hara. De certa maneira, conquistar a posse do coração de Scarlett é um substituto para ganhar a aceitação que seu pai lhe negou.


"- Nunca lhe ocorreu que eu a amava tanto quanto um homem pode amar uma mulher? Que a amei por anos antes de conseguir ficar com você? Durante a guerra, eu ia embora e tentava esquecê-la, mas, sem conseguir, sempre tinha que voltar. Após a guerra, me arrisquei a ser preso, só para voltar e encontrar você. Era tão apaixonado que acho que poderia ter matado Frank Kennedy se ele não tivesse morrido quando morreu. Eu a amava, mas não podia deixá-la saber. Você é tão brutal com aqueles que a amam, Scarlett... Você usa esse amor como um chicote sobre suas cabeças."


O egoísmo, a ignorância e a crueldade de Scarlett fazem par com o ciúme possessivo e a violência reprimida de um Rhett que aparenta ser um paradigma de autoconfiança - mas que me parece usar o escárnio como carapaça para seus sentimentos de inadequação -, numa mistura bastante explosiva. Rhett se nega categoricamente a confessar seus sentimentos, Scarlett ignora seu coração, cega pelo ideal que plantou para si mesma na adolescência e, de desencontro em desencontro (quão frustrante é saber que ela estava chamando por ele quando acamada, mas não foi ouvida, enquanto ele esperava por um sinal, qualquer que fosse, e se deixava afogar na culpa?), suas emoções estão sempre em descompasso.

Essa incapacidade de ‘se encontrar no meio do caminho’ é o que torna o final tão pungente. Aliás, eu bato palmas para o final de E o Vento Levou: foi muito corajoso da parte da autora deixá-lo em aberto daquela maneira, sem uma resolução para o romance entre os protagonistas. Ao leitor é dada a possibilidade de passar o resto da vida pensando em situações que poderiam ocorrer após aquele final.

Nessa relacionamento, temos de levar em conta ainda outro casal (como se o protagonistas já não fossem complicados o suficiente…): o já citado Ashley e sua esposa, Melanie Hamilton. Ashley, como já dito, é-nos apresentado como ideal de cavalheiro sulista: educado, gentil, corajoso, honrado. Contudo, se tivesse de escolher uma única palavra para descrever Ashley, seria “sonhador”. Minha impressão dele é de que tem uma alma de artista, sensível, idealista e introspectiva, o que torna sua vida bem difícil numa história de gente pragmática e pé no chão.


"Pois Ashley nascera de uma linhagem de homens que usava seu tempo de lazer para pensar, não para agir, para tecer sonhos vividamente coloridos que nada possuíam de realidade. Ele se movia em um mundo interior que era mais lindo que a Geórgia, e retornava à realidade com relutância. Ele observava as pessoas sem gostar ou desgostar delas. Olhava para a vida e não se animava nem se entristecia. Aceitava o universo e o lugar que nele ocupava pelo que eram e, dando de ombros, se voltava para seu mundo melhor, sua música e seus livros."


Ashley ama o Sul e o modo de viver no qual cresceu. Tendo entrado no exército confederado, contudo, ele não é a favor da guerra. A derrota da confederação representa o fim do mundo que ele conhecia e ele é incapaz de se adaptar aos novos tempos. Aliás, é curioso o contraste que ele forma com Will Benteen, que, tendo perdido uma perna, ainda é muito mais útil em Tara que o major que voltou fisicamente inteiro da guerra. Se muitos dos jovens do condado perderam a vida no conflito ou em consequência dele (os garotos dos Tarleton, Calverton, Fontaine), Ashley perdeu algo de sua alma, sua vontade de viver.

Isso justifica sua atração por Scarlett: é a vitalidade, a capacidade de se reconstruir, a carnalidade de Scarlett O’Hara que o enfeitiça. E Ashley é fraco demais para negar e cortar a relação com ela - sua indecisão permite que Scarlett continue a alimentar suas próprias ilusões, prende-a a ele e, com isso, impede-a de compreender seus reais sentimentos. Ao final das contas, Rhett tem razão em desprezar Ashley, pois ainda que ele não ceda à paixão por Scarlett, também não a liberta de sua influência. No mínimo, a admiração dela faz bem ao seu ego.

Melanie, como seu marido, é o paradigma de feminilidade sulista, “uma grande dama” nas palavras de Rhett. Vista pelo olhar de Scarlett, Melly é constantemente julgada como fraca e enfadonha. Nada poderia estar mais longe da realidade, contudo. Ligadas pelo primeiro casamento de Scarlett, com o irmão de Melanie (casamento esse decidido pela voluntariosa O’Hara por despeito da predileção de Ashley pela outra), as duas permanecem próximas pelo romance inteiro e formam uma relação curiosa. Melly ama Scarlett como a uma irmã, enquanto ela a detesta - ao menos, até se dar conta de que Melanie foi o esteio de sua existência e tudo o que ela foi capaz de fazer foi tendo Melly como seu apoio.


"Melanie era jovem, mas possuía todas as qualidades que esses combativos remanescentes apreciavam, a pobreza e o orgulho na pobreza, uma coragem conformada, alegria, hospitalidade, bondade e, acima de tudo, lealdade a todas as antigas tradições. Ela recusava-se a mudar, e nem sequer admitia que houvesse motivo para tanto em um mundo em mudança. Sob seu teto, os velhos tempos pareciam estar de volta e as pessoas criavam coragem e desprezavam ainda mais a onda de vida impetuosa em grande estilo que levava de roldão os aventureiros ianques e os republicanos emergentes."


E Melanie é uma força insuspeita em todo o romance. Pequena e frágil na aparência, sua doçura esconde nervos de aço, uma força moral e capacidade de empatia que impressionam. No quadrilátero amoroso com Ashley, Scarlett e Rhett, Melanie é a personagem mais digna: com maior potencial de sair machucada e, ao mesmo tempo, a que melhor compreende todas as partes. Você pode passar o livro inteiro pensando se Melly sabia ou não do que ia entre Ashley e Scarlett, isso não importa muito. A lealdade que ela tem para com a cunhada-irmã é inquestionável: Melly deve a vida do filho e dela própria a Scarlett várias vezes e ela não se ressente de tal conta.

Esse “quadrilátero” (ou seria a quadrilha de Drummond?) é a o foco romântico do livro. Como já observei no começo, ele é também uma história sobre o amadurecimento de Scarlett - a perda de sua inocência, sua luta pela sobrevivência, sua gradativa compreensão de si mesma. Gosto do termo em inglês para esse gênero literário: “coming of age”, a chegada da idade, da maioridade. Uma maioridade que não é apenas física.


"Via as coisas com novos olhos, pois, em algum ponto ao longo da estrada para Tara, ela abandonara sua infância. Já não era como o barro moldável, no qual cada nova experiência deixava uma marca. O barro endurecera em algum momento desse dia que durara mil anos. Essa noite era a última vez que ela seria cuidada como uma criança. Agora era uma mulher feita, e a juventude ficara para trás."


Os obstáculos que são colocados no caminho de Scarlett destruiriam alguém mais fraco. Destruíram, na verdade: é possível ver o constante contraste dela com as pessoas que eram seus vizinhos, que tiveram sua mesma criação, que conviveram com a guerra da mesma maneira, que perderam tanto quanto ela. Scarlett supera a perda da mãe, do pai, do conforto em que cresceu, dos escravos, de um inteiro modo de viver, dos maridos, de uma filha, enquanto outros vagam pela vida como fantasmas; ela está constantemente se reconstruindo, sem jamais desistir.

Li a primeira parte do livro há quatro anos e levei todo esse tempo para me encorajar a continuar a história (sério mesmo, eu detestei a Scarlett no início). Aí li todo o resto do livro em pouco menos de quinze dias, aflita porque, toda vez que parecia que as coisas estavam se ajeitando, alguma nova tragédia acontecia e eu ficava com o coração na mão achando que dessa feita, Scarlett não se reergueria (mas aí percebia que ainda tinha centenas de páginas à frente e suspirava de alívio sabendo que não acabaria ali).

A persistência e recusa em se dar por vencida são as características mais marcantes e redentoras de Scarlett. Ela não é uma boa pessoa, uma heroína no sentido mais óbvio do termo, pois é capaz de passar por cima de tudo - ética, princípios, os sentimentos das outras pessoas, regras da sociedade - para conseguir aquilo que quer. E o que ela quer é dinheiro, e a segurança que o dinheiro representa, segurança que lhe foi arrancada ao final da Guerra. Dinheiro significa manter Tara, ter sua casa, poder manter sua família e, mais importante que tudo, ter o que comer.


"Durante cinquenta anos, haveria por todo o sul mulheres amarguradas a olhar para trás, para o passado morto, para homens mortos, a evocar memórias que magoavam e eram inúteis, tolerando a pobreza com orgulho amargo porque tinham essas memórias. Mas Scarlett nunca olharia para trás.

Olhou de relance para os alicerces escurecidos pelo fogo e, pela última vez, viu Twelve Oaks erguida diante de seus olhos como fora antes, rica e altiva, símbolo de uma raça e de um estilo de vida. Depois começou a descer a estrada rumo a Tara com a cesta pesada a lhe cortar a carne.

A fome lhe corroía o estômago vazio novamente e ela disse em voz alta:

— Com Deus por testemunha, com Deus por testemunha, os ianques não vão me vencer. Vou superar isso e, quando acabar, jamais sentirei fome novamente. Nunca, nem nenhum dos meus. Mesmo que tenha de roubar ou matar, que Deus seja minha testemunha, jamais sentirei fome novamente."


A insistência de Scarlett em ter ‘dinheiro, muito dinheiro’, pode parecer mercenária e cínica, colocando-se acima de sua necessidade de amor - é a razão de seu segundo e terceiro casamento, afinal -, mas a construção da personagem dá sentido a isso. E isso é irônico: o egocentrismo que não consegui perdoar na primeira parte da história eu aplaudi nas outras. Porque é isso que faz com que Scarlett não apenas sobreviva, mas floresça, quando tantos outros simplesmente ficam pelo caminho. Porque Scarlett se revela simplesmente, demasiadamente humana. E isso a faz uma das mais complexas e interessantes personagens literárias que já conheci.

E o Vento Levou é, dessa maneira, uma grande história de amor num primeiro plano (porque é assim que se prefere vender o livro) e também um conto de amadurecimento, numa segunda camada. E aí vem o terceiro contexto pelo qual pensar a obra: sendo um romance histórico, ele é um perfeito recorte da época que retrata - e bastante complicado nesse quesito.

Não se trata só do fato de toda a ação ter como pano de fundo o sul confederado nos anos da guerra civil: essa ação é contada do ponto de vista dos sulistas e, como tal, é extremamente racista. Da minha posição de leitora moderna, não posso concordar com a romantização de senhores de escravos; a caracterização dos negros em fiéis aos seus antigos senhores ou vilões, preguiçosos e predadores sexuais, infantilizados em ambos os casos; ou das justificativas para a criação da Ku Klux Klan. Porque é exatamente isso que Mitchell faz: ela transforma os Estados da Confederação em seu período pré-guerra num idílio, uma utopia.

Publicado em 1936, E o Vento Levou precede em dezoito anos o início da luta por direitos civis dos negros. Ele foi escrito numa época em que imperavam as ‘leis de Jim Crow’, um conjunto de legislações estaduais promulgadas entre o final do século XIX e o início do século XX que impuseram a segregação racial. Vemos os efeitos práticos dessas leis ao final do livro, quando os Democratas retomam o poder no sul - o constante debate acerca do voto ou a preocupação de Melanie com a ideia de seu filho ir para uma escola em que ele divida a sala com crianças negras, por exemplo.

Aliás, observe-se como Melly, uma personagem que nos foi apresentada o tempo todo como digna de nossa admiração, replica tão casualmente o preconceito racial. Como a afirmação de Ashley, de que teria libertado os escravos quando fosse dono de Twelve Oaks - a fazenda da família Wilkes - é vista como devaneios de uma pessoa bem pouco prática (e incapaz de apresentar quaisquer lucros ou resultados em seu trabalho...). Como o mesmo Ashley, juntamente com os dignos cavalheiros de Atlanta, formam a KKK, tendo por justificativa a proteção de suas mulheres. Como Rhett - que se propõe moderno e tão diferente de seus conterrâneos - mata um ex-escravo que tenta se engraçar para os lados de uma senhora branca. Como um dos grandes vilões em Tara é o ex-administrador da fazenda, que afirma que brancos e negros devem ser vistos como iguais.

Compreender o contexto em que a obra foi escrita e o período que ela retrata não nos exime de pensar criticamente sobre os fatos e personagens que nos são apresentados.

De outro turno, E o Vento Levou leva à reflexão de questões de gênero interessantes. Esse é, afinal, um romance sobre mulheres fortes; é um livro sobre a guerra, mas que não acompanha os fronts de batalha, permanecendo com as famílias que se despedem de seus soldados. Enquanto os homens lutam, as mulheres administram as casas e plantações; organizam esforços de arrecadação de fundos para o exército; cuidam dos feridos; abrem as próprias portas para receber refugiados, mantendo a moral e a ordem em seus condados.

Mesmo antes da guerra, elas têm um papel importante na gestão dos negócios: Ellen, a mãe de Scarlett, é a responsável pelas contas de Tara; e a senhora Tarleton é quem cuida dos cavalos premiados de sua fazenda. Seu trabalho não é particularmente reconhecido, mas é fato que o sucesso de seus maridos depende delas.


"A vida de Ellen não era fácil, nem feliz, mas ela não esperava que a vida fosse fácil e, se não era feliz, essa era a sina das mulheres. O mundo pertencia aos homens, e ela o aceitava como tal. O homem possuía a propriedade, e a mulher a administrava. O homem levava o crédito pela administração, e a mulher elogiava sua esperteza. O homem berrava como um touro se tivesse um espinho cravado no dedo, e a mulher sufocava os gemidos do parto para não perturbá-lo. Os homens costumavam ter a fala áspera e se embriagar. As mulheres ignoravam os lapsos da linguagem e botavam os bêbados na cama. Os homens eram grosseiros e francos, as mulheres, sempre gentis, graciosas e magnânimas.

Ela fora criada na tradição das grandes damas, que a ensinara como carregar seu fardo e ainda assim manter o encanto, e pretendia que suas três filhas também se tornassem grandes damas. Com as mais novas, ela tinha sucesso, pois Suellen ficava tão ansiosa para ser atraente que emprestava o ouvido atento e obediente aos ensinamentos da mãe, e Carreen era tímida e fácil de guiar. Mas Scarlett, filha de Gerald, achava o caminho para se tornar uma dama duro demais."


As matriarcas de Atlanta - as senhoras Meade e Merriwether, entre tantas outras - são a força motriz da cidade. Elas atuam incansavelmente nos hospitais como voluntárias, enfrentam o cerco para buscar o corpo de um filho morto; fazem parte do saque aos mantimentos antes que os ianques dominem os depósitos. E depois, quando tudo parece perdido, elas tomam as rédeas mais uma vez, nem que para isso seja necessário vender tortas na rua. Considerando o conservadorismo do Sul, eu me surpreendi com quanta independência todas essas mulheres desfrutam, ainda que a participação delas fosse no mínimo lógico, se a sociedade esperava conseguir se recuperar.

Em todo esse contexto, Scarlett se destaca uma vez mais. A necessidade de cuidar de Melanie durante a gravidez, mesmo com o risco do cerco a Atlanta, a fuga desesperada da cidade com Melly ainda se recuperando do parto - um parto que Scarlett foi obrigada a realizar sozinha diante das circunstâncias do momento -, a chegada em Tara para se dar conta de que é ela agora a responsável pela subsistência de todos ao seu redor, sua organização dos suprimentos, divisão do trabalho - ela chega a ir para o campo plantar algodão -: ela vai muito além de todas as expectativas para seu gênero. Ao casar-se com Frank Kennedy para salvar Tara dos impostos, ela passa também a se imiscuir nos negócios da loja do marido, surpreendendo-o com sua cabeça rápida para números. Pegando dinheiro emprestado com Rhett, compra uma serraria e, sob sua administração, o negócio se expande e dá bons lucros.

Scarlett pode até ser vista com ressalvas na sociedade de Atlanta, mas ela se torna, indubitavelmente, uma hábil mulher de negócios. Quando ela se torna a senhora Butler, ela já é financeiramente independente, independência essa que ela construiu usando sua inteligência, seus próprios encantos pessoais, manipulação e até trapaça - nada, contudo, que lhe tire o mérito de ter chegado ao ponto em que chegou. Num certo sentido, Scarlett é muito mais bem sucedida em papéis tradicionalmente masculinos (provedora, empreendedora) que nos femininos (boa mãe, boa esposa, boa irmã).

Não sei se poderia dizer que E o Vento Levou tem uma mensagem feminista. Mas, é fato que é um livro sobre mulheres que não esperam para serem resgatadas; mulheres pragmáticas, sobreviventes. Vovó Fontaine, Beatrice Tarleton, Ellen, Mammy, Dilcey, Scarlett, Melanie, Belle, entre tantas outras, inspiram admiração pela força e capacidade que demonstram diante de tantas provações.

No cômputo geral, E o Vento Levou é fascinante, um desafio que merece ser enfrentado. Intenso, complexo, é uma leitura a qual é impossível ser indiferente, que merece reflexão e debate. Um monumento ao que existe de melhor e pior na humanidade, merecendo a classificação de um épico clássico.

site: https://owlsroof.blogspot.com/2020/02/as-varias-facetas-de-e-o-vento-levou.html
Lucas 10/02/2020minha estante
E o posto de melhor resenha que já li por aqui acaba de ser atualizado.... Sensacional, Luciana, a sua análise contextual de Scarlett não como um exemplo a ser seguido, mas alguém simplesmente prático. E esta é a característica predominante nela, que acaba trazendo em si muitos elementos detestáveis, de certo modo. As citações que fizeste foram bem pontuais e, particularmente, relembrei em cores vivas a fuga de Melanie e Scarlett de Atlanta... Acho que nunca li nada tão agoniante como aquilo (não que isso seja negativo, muito pelo contrário). Enfim, uma das maiores obras da história agora tem uma resenha à altura. :)


Coruja 10/02/2020minha estante
Obrigada, Lucas! Fiz várias anotações durante a leitura, já marcando as citações, porque sabia que essa era um livro que precisava analisar de forma mais aprofundada. Foi bom também que rendeu conversas com o pessoal do clube do livro de que participo, a gente sempre faz uma reflexão mais séria quando leva aquilo ao debate.

Também fiquei de coração na mão na cena da fuga. Fiquei de coração na mão em várias cenas, na verdade...


Lucas 10/02/2020minha estante
Sim... O desfecho também, que começa com aquele acontecimento triste, pode ser abrupto (ao meu ver), mas foi outro destes momentos... A cena final, diferentemente das páginas que a precederam, traz um mistério que fica na nossa imaginação pra sempre, como bem soubeste captar. :)


Demuner 16/07/2020minha estante
Acabei de terminar a leitura e tudo o que eu queria dizer, esta dito! E com coisas a mais. Incrível. Parabéns. Obrigada.


Coruja 17/07/2020minha estante
Obrigada também!


Anna 28/07/2020minha estante
Gostei tanto da resenha! Um dos meus livros prediletos.


Coruja 09/09/2020minha estante
Obrigada!


Carolina.Marco 17/09/2020minha estante
Uau! Que resenha IMPRESSIONANTE! Parabéns!

Você disse absolutamente tudo que vem se passando na minha mente e amadurecendo a medida que evoluo na leitura, mas de uma maneira muito incrível, detalhada e culta.

Ler "E o vento levou" foi uma experiência marcante. Descobri recentemente o livro, pois conhecia a história retratada apenas no filme (que inclusive, quero rever). Ao mesmo tempo que fico incomodada ao ler o livro de uma maneira crítica, tendo de buscar entender o contexto de personagens a favor do regime escravocrata, foi incrível poder entender como se formam as desigualdades de classe num contexto pós-guerra, e como a sociedade passa a se reconstruir.

De fato, Scarlett é uma personagem complexa, repleta de camadas, e na maior parte do tempo, muito difícil de compreender. Dado o contexto no qual se passa, e o cenário no qual os personagens viviam, muita coisa se explica, mas ao mesmo tempo não conseguimos aceitar.

Me senti mergulhando em um mar, e indo cada vez mais ao fundo, descobrindo novos corais e espécies... Com certeza, foi uma experiência marcante.


m. 16/03/2021minha estante
que resenha maravilhosa!!!!


Kira 08/06/2021minha estante
Que resenha maravilhosa ???


Clau Melo 08/08/2021minha estante
Sensacional sua resenha!


letAcia101 03/10/2021minha estante
nossa que resenha maravilhosa , queria ter esse dom da escrita .Parabéns!!


Jessica1248 08/07/2022minha estante
Resenha maravilhosa... Medo de o livro não ter tão bom quanto a resenha (estou no começo do livro)




spoiler visualizar
Flávia Menezes 02/10/2023minha estante
Resenha mais do que perfeita, especialmente pela forma como consegue passar sua visão sobre cada momento dessa obra. Foi maravilhoso ler sua resenha e relembrar esses personagens que me encantaram tanto, por mostrarem um lado real de qualidades e defeitos.
Parabéns! Uma exemplar resenha para uma obra tão magnífica como essa! ????????


Regis 02/10/2023minha estante
Obrigada, Flávia! Seu comentário foi encantador. ??


Carolina.Gomes 02/10/2023minha estante
Amo esse livro! Muito boa resenha, Regis ?


Regis 02/10/2023minha estante
Obrigada, Carolina! ??


Núbia Cortinhas 02/10/2023minha estante
Regis, que resenha maravilhosa!!! Parabéns!! ?? ?? ??


Aryana 02/10/2023minha estante
????


Alex 02/10/2023minha estante
Excelente!


Regis 03/10/2023minha estante
Obrigada, Núbia! ?


Regis 03/10/2023minha estante
Valeu, Aryana! ?


Regis 03/10/2023minha estante
Obrigada, Alex! ?


CPF1964 05/10/2023minha estante
Régis..... Que resenha sensacional !!! ????


HenryClerval 05/10/2023minha estante
É incrível o quão estimulantes são suas resenhas, Régis! Enquanto não tenho tempo de fazer certas leituras, me contento apenas em conhecê-las um pouco através de suas impressões maravilhosamente bem descritas. ????


Regis 11/10/2023minha estante
Obrigada, Cassius! ?


Regis 11/10/2023minha estante
Muito lisonjeiro seu comentário, Leandro. Agradeço e fico contente por te estimular. Adoro nossas conversas sobre os livros! ??


HenryClerval 12/10/2023minha estante
Eu também adoro, Régis, você fala com muita paixão de suas leituras e isso encanta o ouvinte.




Flávia Menezes 25/06/2022

NÃO VOU PENSAR NISSO AGORA. PENSAREI NISSO SÓ AMANHÃ!
?E o Vento Levou?, de Margaret Mitchell, lançado em 1936, é um clássico que foi escrito pela autora durante um período em que esteve doente, e que levou anos para ser trabalhado, até chegar a sua publicação. E como resultado, temos uma quantidade grande de páginas, porém que não são suficientes para que, ao terminar, não queiramos ainda mais dessa história que nos conquista de forma arrebatadora.

Muito embora esse seja um clássico cuja questões raciais estejam bem-marcadas, e que chegaram a levar grandes redes de streaming a banirem sua adaptação para o cinema, eu penso que é uma questão que faz parte de uma época, e que infelizmente não pode ser apagada. E embora seja realmente doloroso, eu penso que existem tantas mensagens contidas neste livro, que se pudermos enfrentar todo o desconforto, poderemos nos beneficiar em tirar todas as suas boas lições.

Scarlett O´Hara é uma das personagens mais icônicas de todos os tempos, e junto com Holly Golightly (Bonequinha de Luxo), sua personalidade é tão marcante a ponto de ficar gravada na nossa memória para sempre.

Scarlett começa a história como uma menina jovem, cheia de sonhos, mimada e cheia de vontades, nutrindo uma paixão por um homem que apesar de também ter sentimentos por ela, não a escolhe. Ao contrário, sua escolha para esposa é uma mulher bem mais simples em atributos físicos, porém bondosa ao extremo, e que ao longo da história vai ganhando nossos corações de um jeito que nem sequer esperávamos.

Melanie, a Melly, é a única personagem boa e ingênua de que me lembro ter gostado tanto em toda a minha vida. E a autora foi tão brilhante em construí-la, de forma a mostrar porque, mesmo na simplicidade, pode haver tamanha beleza em um personagem, sem que isso diga respeito ao aspecto físico. Aliás, uma das maiores habilidades dessa autora, são as oposições. Assim como Melly é praticamente o oposto de Scarlett, Ashley é o oposto de Rhett.

Ashley é o amor da adolescência de Scarlett, e esse clima de amor impossível é algo que nos faz questionar o porquê de Scarlett amar tanto um homem que tem tão pouco a oferecer. Mas quando analisamos bem de perto, a personalidade forte de Scarlett, sua força que vai se manifestando conforme os obstáculos vão surgindo, é o que a faz, no fundo, desejar um homem que não está acima dela. Scarlett quer brilhar, quer ser a força, e um homem para ela é aquele que vai adorá-la, colocando-a em um altar.

O que também nos conta o motivo pelo qual Ashley sempre a afasta. Como um homem pode permanecer ao lado de uma mulher que o enfraquece tanto? Por mais tolo que Ashley pareça, a verdade é que ele é corajoso o suficiente para dizer não a esse amor que o reduz, mesmo que a princípio pareça tão cheio de devoção. E é aí que entendemos a grande mulher que Melly é. Porque com sua delicadeza, sua humildade, ela é quem fortalece Ashley. Não Scarlett.

Sobre Rhett... ah, o que dizer de Rhett? Sabe aquele personagem que vai te ganhando aos poucos, só para depois te deixar caidinha por ele? Esse é o Rhett. No começo, ele pode até ser visto como um vilão, um homem ruim que faz coisas piores ainda para Scarlett, quando na verdade, é um homem que esconde um amor enorme, atrás de uma inteligência muito sagaz.

Só ele sabe como domar a indomável Scarlett. E quer saber? Essa relação deles é tão divertida, que você acaba passando pano para tudo o que ele faz. Eu confesso que passei e até o fim! Até mesmo porque no final, quando esse personagem abre o seu coração e escancara tudo o que sente, ele acaba nos levando às lágrimas.

Sabe aquela vontade de que exista na vida real um homem capaz de nos dizer todas as coisas que ele dizia sentir pela Scarlett, e fazer tudo o que ele fazia por ela? Foi exatamente o que senti pelo Rhett. E tenho que dizer que essa autora fez meu coração ficar em inúmeros pedacinhos, só de lembrar que ele é apenas um personagem, e não existe na vida real. Os sentimentos e ações de Rhett o colocam no patamar do homem mais incrível que já vi em toda a minha vida. Mesmo sendo apenas um personagem.

Se Gustave Flaubert despertou as mulheres para as delícias da paixão e do amor romântico, ao invés das uniões frias por conveniência, Margaret Mitchell nos faz perceber o quanto a paixão nos cega, e nem sempre o homem real é o mesmo daquele que vive em nossa fantasia. É a típica lição para levar para a vida toda e passar para todos os que amamos.

Nada do que eu escreva sobre esse livro vai poder demonstrar 1% da sua grandiosidade. A narrativa é poética, e flui de uma forma que você nem sente as páginas passando. E por mais que seja um livro longo, sua trama é tão perfeitamente desenvolvida, que te prende do início ao fim. Nas partes boas e nas partes tristes. E no final, eu queria mais uns 3 calhamaços desses de continuação. Até porque não há um único erro que eu consiga apontar. Essa história é simplesmente perfeita!

De fato, depois de uma leitura como essa, eu me pergunto como superá-la. E honestamente, acho que nunca irei superar não ter mais nenhuma história sobre a audaciosa e corajosa Scarlett para ler. E sabe o que é pior? Eu já não sei mais o que fazer sem o Rhett e suas provocações, e seu jeito de cuidar da Scarlett à moda antiga, como só um homem do passado sabia cuidar. Não sei como superar a partida de todos esses personagens incríveis. Não sei como uma nova leitura poderá me distrair de tamanho impacto.

E como resposta a todo sentimento que essa leitura me despertou, e também para conseguir encerrar essa resenha, eu preciso pegar por empréstimo o bordão de Scarlett O´Hara: ?Não vou pensar nisso agora. Pensarei nisso amanhã, porque amanhã será outro dia!?
Gleidson 25/06/2022minha estante
Magnífica! Vc conseguiu expressar seus sentimentos em relação ao livro. Depois disso, só me resta ler o livro. Rs


Flávia Menezes 25/06/2022minha estante
Ah, Gleidson, obrigada ?. E olha?eu super te incentivo a fazer essa leitura, porque essa autora é simplesmente perfeita! ??


skuser02844 25/06/2022minha estante
Que resenha maravilhosa, agora estou morrendo de vontade de ler!


Flávia Menezes 25/06/2022minha estante
Xará!!! Você precisa ler!! Te garanto que o tamanho até pode assustar, mas a leitura?você não se arrependerá ????


Fabio 25/06/2022minha estante
Que resenha é está! Desta vez se superou!! Perfeita!


Michelle.Gandolfi 25/06/2022minha estante
Uau, sem palavras. Meus parabéns!!??
Com certeza entrou na minha lista.


Lu @gentequeamalivros 25/06/2022minha estante
Eu só quero morar nessa perfeição de resenha ??.


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Fábio, muito obrigada!! ????


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Michelli, obrigada pelas palavras!! Nossa. Vou ficar de olho esperando você começar esse, só pra acompanhar o que você vai achar! ??


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Ah, Lu!! Muito obrigada!! ? E obrigada pela companhia durante a leitura!! Foi ótimo poder trocar impressões sobre essa história tão incrível! ???


Reader.. 26/06/2022minha estante
Comprei esse box ano passado, no meu aniversário, nem tirei ele do plástico ainda, espero ler esse ano.


MaywormIsa 26/06/2022minha estante
MARAVILHOSA resenha! Obrigada por compartilhar com a gente seus sentimentos e suas impressões de forma tão agradável e bem estruturada. O livro é muito complexo, o filme deixa menos pesado porque, como muitos sabem, foi tirado o aspecto racial o máximo possível. O filme é o favorito da minha vida, e tô pra ler o livro esse ano. Obrigada novamente pela resenha e em breve posso entrar no clube das apaixonadas pelo Rhett ????


Maygeek7 26/06/2022minha estante
Que resenha maravilhosa!!!!
Eu voto em Flávia para presidente ?
Eu já disse que amo as suas resenhas?! Amo!!!


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Jura, Sig? Eu admiro quem consegue deixar o livro no plástico até ler. E esse é um calhamaço de respeito. Romântico, uma narrativa bem feminina, mas muito bonito. Espero que você também possa ter uma boa experiência com ele. ??


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Isa, nossa, estou imensamente lisonjeada com as suas palavras! Obrigada de coração! Eu assisti ao filme, mas por sorte nem me lembrava tanto, e foi uma grande experiência. Mas logo logo vou assisti-lo de novo, até porque acho que vai ser bem diferente dessa vez. Impossível não amar essa história não é? E Isa, te aguardo no Clube das Apaixonadas pelo Rhett! ???


Flávia Menezes 26/06/2022minha estante
Mayra, minha linda!! Obrigada! Que gostoso ler isso! Não sabe como me deixa feliz saber que a minha paixão por esses livros consegue ser transmitida na forma como escrevo. Agradeço suas palavras. Entraram aqui no meu coração e ele ficou mais quentinho! ????




-Koraline 14/05/2023

E o Vento Levou é o melhor clássico que li até agora, por vários motivos. Primeiramente, é tanto uma história de amor quanto um relato da Guerra Civil Americana, e nesse sentido se asemelha bastante ao livro Os Quatro Ventos. A história narra a vida de Scarlett, uma garota mimada, egoísta e detestável, e ainda assim é impossível não se afeiçoar a ela e aos personagens que a rodeiam. Como relato de guerra, o livro aborda muito bem as cueldades da sociedade, as dificuldades, especialmente no que se diz à busca por alimentos, e as injustiças. Apesar de discordar de muitas coisas, é sim uma história emocionante e muito bem escrita, e por ter mais de 1300 páginas, é muito detalhada, mas o que mais gostei foi do final, por ser cru, realista e nada idealizado. É um ótimo clássico, com uma linguagem bem tranquila, com fatos bastante bem explicados, e recomendo para quem gosta de relatos de guerra.
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Kira 09/06/2021

"Nosso sistema sulista de vida é tão antiquado quanto o sistema feudal da Idade Média. O incrível é ter durado tanto tempo. Tinha que acabar, e está acabando agora."

Nada melhor do que começar com uma frase de Rhett, isso descreve bem toda essa sensação de saudosismo pífio que o livro tenta passar. Era um período antiquado e antiético e muita das vezes inclusive patético. Patético? Sim, aqueles cortejos no começo da trama com vários homens em cima de Scarlett me fizeram gargalhar horrores hahaha

Enfim, a narrativa trata de muitas questões a cerca de classe e desigualdade social, racismo e machismo.

No início além de ser mostrado toda a parte desumana do sistema escravagista (mesmo com uma tentativa medonha de romantização quanto a isso), tem também os brancos ordinários(que eu fui pesquisar e é a tradução do que até hoje em dia eles chamam de White trash nos EUA) que no contexto da época era os brancos pobres, visto como uma casta inferior semelhante aos negros com a diferença de serem livres.

Nas questões raciais dá pra entender, um pouco que superficialmente como o racismo se seguiu na sociedade americana; afinal após o período da Reconstrução veio a segregação racial e a lei antimiscigenação.
Acho muito interessante também mostrar essa visão que além dos Confederados serem explicitamente e intrinsecamente racistas, os Ianques também o eram; (Assim como no caso do Brasil a dona Isabel não assinou a Lei Áurea porque era boazinha)
Tanto que a libertação aconteceu e não teve uma inserção de verdade na sociedade americana, um apoio de verdade, foi basicamente um "olha te virem".
Vou deixar um pequeno artigo aqui sobre:

"Quando o Congresso proibiu oficialmente a importação de escravos em 1808, ninguém imaginava que as divergências entre o Norte industrializado e o Sul agrícola fossem se agravar tanto, a ponto de culminar numa guerra civil. A escravidão foi o estopim do conflito, mas suas causas foram um complexo emaranhado de fatores socioeconômicos e político-culturais.

Na primeira fase do conflito, o Norte lutou pela unidade da nação e não pela abolição da escravatura. Tanto que o presidente Abraham Lincoln escreveu a um jornalista: "Se eu pudesse salvar a união sem libertar um único escravo, eu o faria".

Ao ver que os nortistas não conquistavam vitórias decisivas, Lincoln aderiu às reivindicações dos republicanos radicais e abolicionistas, e transformou a guerra contra os "Estados rebeldes" numa luta contra a escravidão.

Os Estados do Norte vincularam ao Ato de Emancipação de 1° de janeiro de 1863 uma reestruturação do sistema social do Sul. Os negros passaram a ser recrutados pelo exército nortista, mas a proclamação de Lincoln não significou uma abolição institucionalizada da escravatura.

Os 4 milhões de negros ainda tiveram de esperar até dezembro de 1865, quando o Congresso proibiu oficialmente a escravidão nos Estados Unidos através da 13ª Emenda Constitucional.

Pelo artigo suplementar 14, os negros obtiveram direitos iguais aos brancos em 1868. Dois anos mais tarde, o artigo 15 garantiu-lhes a igualdade de direito eleitoral. Estados como Carolina do Sul, Mississippi e Louisiana, porém, deram um jeito de burlar os direitos dos escravos libertados, mantendo restrições legais, os chamados black codes.

A Declaração de Emancipação de Lincoln não conseguiu acabar, de repente, com a humilhação da raça negra. Ela também não impediu a violência contra os negros. Ao contrário, motivou até mesmo a criação de sociedades secretas, como a Ku Klux Klan, que estabeleceram como objetivo manter a hegemonia branca no Sul do país. Uma prova do êxito desse tipo de organização é que somente em 1967 foram anuladas as últimas leis de proibição de casamentos mistos."

Fonte: https://www.dw.com/pt-br/1863-estados-unidos-abolem-a-escravid%C3%A3o/a-372001

Acerca do sistema machista tem diversas passagens, como a que Ellen fala sobre a administração das fazendas ou quando Scarlett começa a trabalhar com a loja e a serraria.

"O mundo pertencia aos homens, e ela o aceitava como tal. O homem possuía a propriedade, e a mulher a administrava. O homem levava o crédito pela administração, e a mulher elogiava sua esperteza. O homem berrava como um touro se tivesse um espinho cravado no dedo, e a mulher sufocava os gemidos do parto para não perturbá-lo. Os homens costumavam ter a fala áspera e se embriagar. As mulheres ignoravam os lapsos da linguagem e botavam os bêbados na cama. Os homens eram grosseiros e francos, as mulheres, sempre gentis, graciosas e magnânimas."

"Uma ideia surpreendente essa, que uma mulher podia tratar de negócios tão bem, ou melhor, que um homem, uma ideia revolucionária para Scarlett, que fora criada na tradição de que os homens eram oniscientes, e as mulheres, não muito inteligentes."

A narrativa vai e volta assim, ora progressista, ora conservadora e até se confunde, mas considerando o contexto histórico do período em que foi escrito é uma obra bem a frente do seu tempo e imagino que deva inclusive ter escandalizado a sociedade da época.

Agora vamos finalmente falar sobre Scarlett.
Ah Scarlett que personagem meus queridos... Brilhante definitivamente!
Uma mulher egocêntrica e destemida, que não pensa muito ou nunca pensa sobre o outro se este estiver em seu caminho.
Scarlett é realmente um sobrevivente e uma lutadora, que usa de todos os artifícios para sobreviver a fome e a morte do seu famigerado mundo.
Impetuosa, voluntariosa, obstinada e sem medo de seguir em frente mas nem tanto.
Pois é, tinha uma pedra no meio do caminho de Scarlett e essa pedra se chamava Ashley! Com certeza nunca poderei entender como uma pessoa tão inescrupulosa e pragmática quanto a Scarlett se deixou ficar tão obsecada por alguém tão sem vida como Ashley e, pior, fazer disso sua ruína.
Mas enfim, Scarlet não parece aprender sobre a obsessão com Ashley no final e aparenta seguir o mesmo caminho com Rhett.
Dito isto Scarlet é fascinante pois não é uma vilã e também não é uma mocinha, ela ultrapassa essa barreira maniqueísta de ver às coisas.


"Nada em todo este mundo pode nos derrotar, mas podemos derrotar a nós mesmos ao procurar com demasiado afinco por coisas que já não temos... e por relembrar demais."
Carolina.Gomes 10/06/2021minha estante
Obsessões arruinam a vida do ser humano. Scarlet ficou apegada a uma pedra durante a vida toda e se afundou c ela.


Kira 10/06/2021minha estante
Scarlett era muito inteligente com números, mas uma negação pra relações interpessoais né? Hahaha


Carolina.Gomes 10/06/2021minha estante
Geralmente é assim kkkk


Almeida 04/07/2021minha estante
???




Michela Wakami 06/04/2020

Perfeito
Scarlett e Rhett, o que dizer desses protagonistas?
Uma história envolvente, cheia de surpresas.
Um livro muito bem escrito, que desnuda o caráter, dos nossos protagonistas e nos faz refletirmos sobre a capacidade de algumas pessoas a fazerem qualquer coisa para terem o que querem.
Nos mostra a cegueira, que acomete essas pessoas, sobre verdades, que só elas não conseguem enxergar.
Livro maravilhoso, que traz momentos históricos, muito importante, que não devem ser esquecidos.
kiwtty_z 03/11/2021minha estante
aaa, eu quero muito ler esse livro, e está tendo uma LC, tô pensando em ler junto


kiwtty_z 03/11/2021minha estante
muito obrigada!!


Michela Wakami 03/11/2021minha estante
Ema, esse livro é maravilhoso! Lê-lo em uma LC, deve ser delicioso, caso decida participar dessa LC, te desejo uma ótima leitura.


Michela Wakami 03/11/2021minha estante
Por nada!???




Maiára Mirapalhete 21/06/2021

Como a sinopse já apresenta, a história gira em torno da mimada Scarlett O'Hara e se passa em um contexto de guerra, a da Secessão, guerra civil entre o norte e sul (escravista) dos Estados Unidos. Muitos leitores se horrorizaram, para não dizer se enojaram, da índole racista do livro. Eu também me escandalizei. Mas aí lembro que, infelizmente era justamente assim que os sulistas pensavam, o que deixa o livro mais realista e faz com que a gente mergulhe de cabeça no ambiente da narrativa. Fora esses desconfortos, achei o livro espetacular. Ele é curioso e rico em detalhes históricos, não é à toa que é um clássico.
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Alex 10/09/2023

Imperdível
E o vento levou, aquele livro que eu nunca leria, sequer estava em meu radar e, não, não é por ser um calhamaço de 1600 páginas, mas porque eu imaginava que seria um romance meloso e chato.

Senhoras e senhores, E o vento levou, é tudo, menos chato. Uma epopeia sobre uma mulher obstinada, que enfrenta medos, dificuldades, tristezas, amores e desamores, com a resiliência e persistência só vista em pessoas que passaram fome.

Esse livro, também é, o relato de um tempo, um tempo pré e pós escravidão. Um tempo durante e pós Guerra Civil Americana. Um tempo de transições, rompimentos culturais e mudanças impossíveis de acompanhar.

E o Vento Levou, é, ainda, um retrato de convenções sociais, das hipocrisias humanas, da gentileza falsa e, em contraponto, das almas sinceras, daqueles que não se deixam levar pelo brilho falso, pela bajulação vazia e pelos galanteios interesseiros. É uma ode elogiosa ao comportamento reto, sensato e sincero. Mellanie, uma das personagens, é o expoente nesse sentido, Rhett Buttler, ao contrário, luta para o ser, mas anda sobre uma corda, vez ou outra cai de um ou outro lado.

Ao mesmo tempo, o livro é um retrato, deturpado, deformado e parcial, sobre o "sul" americano, sobre os confederados e sua envergadura moral superior, sobre suas "ótimas relações" com os negros escravos.

Esse é o único ponto negativo da obra, o fato de ser parcial, quase um folhetim em defesa do modo de vida sulista. "Os confederados são superiores", "os ianques são oportunistas", "os negros devem ser tratados como crianças" tratados, inclusive, com o mesmo carinho e cuidado, etc. Essa marca é indelével, porém, não diminui a obra, só necessita de uma visão crítica para o leitor não sair com uma impressão completamente equivocada sobre aquela época.

Ainda assim, com esse parêntese, o Vento Levou é uma obra prima de Margareth Mitchel. Leitura que escorre de tão fácil e envolvente. Os dramas são críveis e bem entrelaçados, os personagens são deveras complexos, a psicologia por trás de cada ato, cada decisão, são fiéis ao enredo como um todo. Não há pontas soltas, não há deus ex machina, não há falhas. E em alguns trechos, o fluxo de pensamentos de Scarlertt encantam ou te enojam, a depender do humor da personagem

Sai dessa leitura completamente envolvido, ganhou meu voto de melhor leitura do ano, entrou para o top 5 melhores livros da vida. E recomendo a leitura.

Obs. Não se baseie pelo filme, assisti depois da leitura e é infinitamente inferior, apesar de todo o frissom sobre ele, há um abismo de distância entre as duas obras, mas não comentarei sobre ele hoje, amanhã eu penso nisso.
Vanessa.Castilhos 10/09/2023minha estante
Resenha excepcional!!! Parabéns, Alexsander!! Só fiquei com mais vontade ainda de ler este clássico! ???


Alex 10/09/2023minha estante
Obrigado, Vanessa. Leia, é imperdível.


Aryana 10/09/2023minha estante
Excelente! ??


Déia 17/09/2023minha estante
Eu já sou apaixonada pelo filme, já sei que na maioria das vzs o livro é sempre melhor, e depois dessa resenha???


Alex 17/09/2023minha estante
Deia, se você gostou do filme (eu não gostei) irá amar o livro.


Núbia Cortinhas 03/10/2023minha estante
Adorei a resenha e confesso que fiquei com vontade de ler.


Alex 03/10/2023minha estante
Nubia, é uma obra imperdível. Esta no meu top 5, melhores livros da vida. E eu sequer pensava nele, antes de iniciar.


Carolina.Gomes 03/10/2023minha estante
Um dos preferidos da vida.


Fernanda.Telles 17/01/2024minha estante
Oiee,tudo bem?vi ali que vc colocou 1600 páginas...poderia me falar qual é esta edição?pq todas que eu procurei mostra m3nos páginas e cada edição um número diferente,vi com 700 outra 950,outra com 1100 mais ou menos. Tenho interesse em ler mas estou na dúvida qto que edição adquirir.




@elvira_leitora 07/12/2022

Tadinha dessa moça
Com a construção do romance, o ódio se iguala ao amor pela Scarlett. Eu não consigo assimilar esse final, precisava de uma continuação.
Torço muito para que ela tenha conquistado Rhett outra vez, porque desde o começo fica claro seu afeto por ele, apesar do costume de amar o outro.

Coração quentinho. Uma meta de leitura realizada ??
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Rachelz 10/12/2021

Vivi uma vida nesse livro
1038 páginas foram poucas para descrever essa incrível história de todos, não só da protagonista. Leitura que não me cansou nem nas partes só sobre a guerra.
Achei que o livro fosse sobre o romance dos protagonistas e estava totalmente errada. A GUERRA é o protagonista, ela é um ponto determinante do livro - ANTES, DURANTE E DEPOIS
Scarlet mimada e chata, mesmo em muitas situações se tornando forte em meio a tempestade, perdeu ou nunca valorizou a essência da vida (ai ai as vezes ficava com uma raiva)
Rhet não tenho nem palavras, não queria julgar o cara como """vilão """"" completamente pois via algo a mais em seu complexo personagem. Me doi só de pensar

Acho que a única personagem que reconheci como preferida foi Melanie que sempre foi UMA VERDADEIRA DAMA


Queria escrever mais, só que estou com um aperto no coração que eu não tive em outros livros, vou ficar pensando até eu ler algo mais chocante que esse livro
Lorena 10/12/2021minha estante
É um dos meus livros preferidos na vida.


Rachelz 10/12/2021minha estante
Agora refletindo, acho que não vou esquecê-lo facilmente. Então provavelmente vai se tornar meus melhores da vida também


Lara 16/01/2022minha estante
Quero coragem p ler esse livro




Carolina.Gomes 26/05/2021

Como eu amei fazer essa leitura! Como foi emocionante conhecer a história que inspirou o filme que foi um dos maiores sucessos do cinema!

Que saga maravilhosa! Uma história de amor, guerra, orgulho, resiliência, paixão, destruição e perdas, ambientada nos EUA no período da guerra de secessão.

Scarlett e Rhett formam, sem dúvida alguma, o casal mais destrutivo e apaixonante da literatura.

Foi uma das leituras mais empolgantes do ano. ??
Thamiris.Treigher 27/05/2021minha estante
Aiii que demais! Quero muito ler também ?


Ellen256 27/07/2021minha estante
Vim procurar sua resenha p saber o que tinha achado.
Já estou acabando.




John 10/02/2011

Jamais se entregue à derrota...
Foi o que aprendi com este grande livro.
Margaret Mitchell, criou um dos mais belos livros do mundo.
... E o vento levou acompanha a vida da aristocracia sulista que vê a decadência de suas vidas durante a Guerra de Secessão. Nele conhecemos vários personagens: O cavalheiro Ashley Wilkes, a meiga e gentil Melanie, o sedutor Reth Butler e a impetuosa Scarlett O'Hara.
Esse é meio que um livro de auto-ajuda sem a aparência de auto-ajuda. Scarlett, através das suas privações e dificuldades sempre nos encoraja a nunca desistir mesmo perante os mais terríveis problemas.
Sempre que posso eu o releio pois me ajuda a me deixar mais forte para enfrentar meus medos.

Trecho preferido: "E reviu o movimento de ombros, quando Sacrlett lhe deu as costas, assim como o altivo erguer da sua cabeça. Todo o seu coração pulava por ela, despedaçado pela impossibilidade de ajudá-la e arrebatado de admiração. Sabia que, no vocabulário dela, não existia a palavra "denodo" e que, se lhe fosse dizer que ela era a alma mais intrépida que já encontrara, arregalaria os olhos sem compreender como nunca desconfiaria das coisas, realmente admiráveis, que ele sintetizaria ao chamar-lhe brava. Sabia que Scarlett aceitaria a vida tal qual se lhe apresentasse, opondo seu espírito obstinado a quaiquer obstáculos. Combatê-los-ia, com uma resolução que não admitia derrotas e, enquanto fosse necessário, continuaria a luta, mesmo sabendo que seria inevitavelmente vencida.
Durante quatro anos, vira homens recusarem-se à derrota inevitável. Homens que cavalgavam para a destruição certa, porque eram denodados e bravos. E foram também vencidos.
Mas, enquanto olhava para Will no vestíbulo mal iluminado, pensou que jamais vira intrepidez comparável à de Scarlett O'Hara, que saía a conquistar o mundo, tendo por armas as cortinas de veludo de sua mãe e as penas da cauda de um galo."
(...e o vento levou, pág.522)
Ana Maria 20/02/2011minha estante
"Scarlett O'Hara, que saía a conquistar o mundo, tendo por armas as cortinas de veludo de sua mãe e as penas da cauda de um galo."
O mundo precisa de Scarletts :)


John 22/02/2011minha estante
Realmente precisa, rsrs :)


Jéssica Santos 25/04/2011minha estante
John,me arrebatou seu trecho favorito,tenho outros,e nunca tinha parado significativamente nesta parte,mas agora lendo-o isolado. Meu deus. Voce tem tooooooda razão,que trecho lindo.....

Depois que eu ganhei esse livro ,eu não sei voce,mais eu ganhei uma força que eu tenho consciência de que não tinha,apesar de sempre ter sido independente,sagaz e tal,tenho motivos para isso,que não vem ao caso,mas mesmo assim ,ele foi o estopim ,sempre que em acontece alguma coisa eu lembro na Scarlett no Rhett pessoas que lutaram até o fim. Porque apesar de ser uma história de ficção,há pessoas por aí com o mesmo dom de não deixar ser derrotado jamais. E é nisso que a agente tem que se fixar.


John 20/05/2011minha estante
Obrigado Harttley, é um trecho que sintetiza bem a força que Scarlett passa para nós.
Nossa, depois que vi o filme fiquei louco para ler o livro, compri e nem demorei muito pra ler, ele é simplesmente demais, ajudou muito a ter forças de enfrentar o mundo e os problemas. Temos que ser mais vitoriosos e não abaixar a cabeça diante das dificuldades.
bjs




Queria Estar Lendo 20/05/2015

Resenha: E o Vento Levou
Antes de começarmos, quero lembrar que a resenha de E o Vento Levou faz parte do Desafio Literário Rory Gilmore e que eu fiquei mais do que feliz de ter participado, já que me apresentou esta obra.

Hoje em dia lemos muito sobre guerras e não adianta negar, a popularidade das distopias mostra isso. Divergente, Jogos Vorazes, Estilhaça-me entre tantas outras já nos venderam a ideia de guerrear por um mundo melhor e, quando nos mostram o fim do conflito, sempre podemos ver tudo pelos olhos dos vitoriosos.

E o Vento Levou é um livro sobre guerra, mas traz um ponto de vista que não estamos acostumados. Com a obra de Mitchell, nós experimentamos o lado derrotado da guerra através dos olhos de Scarlett O`Hara. Já no começo do livro ele declara que é uma história sobre o fim de uma civilização, um estilo de vida que foi levado pelo vento.

"- Nunca mais haverá homens como eles. - disse Carren, baixinho. - Ninguém conseguirá tomar os seus lugares."

Você deve lembrar de ter estudado qualquer coisa sobre a Guerra Civil Americana (ou a Guerra da Secessão, como preferir) e se lembra, provavelmente vai lembrar também que foi essa guerra que aboliu a escravidão nos EUA, durante os anos de 1860. Claro que a guerra foi muito mais do que Ianques Abolicionistas e Sulistas tradicionalistas, Mitchell também deixa bem claro que, embora os ianques buscassem sim a libertação dos negros, essa parte era um pedaço muito pequeno dos porquês da guerra.

Gosto de dividir E O Vento Levou em três etapas: o pré-guerra, durante a guerra e o pós-guerra. Temos poucos capítulos antes da guerra, já que o livro se inicia na véspera da declaração de guerra, mas Scarlett costuma voltar vez e outra para aqueles tempos, lembrando-se dos bailes, churrascos e flertes com os rapazes.

Aliás, a lembrança desse tempo, dessa sociedade que a guerra varreu, é um tema central para personagens como Ashley Wilkes e tantos outros ainda agarrados ao mundo antigo. Em diversas passagens, após a derrota, podemos ver os personagens falando sobre como aquele mundo morreu e apenas quem for forte o suficiente para entender o novo mundo pode sobreviver a ele.

Scarlett sempre foi uma garota de gênio forte e personalidade marcante, considerada da beldade do condado, ela é orgulhosa de suas posses, nome e beleza, e adorava flertar com os rapazes e atormentar as demais garotas - que sempre viu como concorrentes - ao fisgar seus pretendentes.

"Aos 16 anos, graças a Mammy e Ellen, ela parecia dócil, encantadora e passiva, mas na verdade era voluntariosa, vaidosa e obstinada. Era passional como o pai irlandês e nada possuía além de uma leve camada superficial da natureza magnânima e controlada da mãe."

Seu pai era um imigrante irlandês que chegou aos EUA sem nada, ganhou sua propriedade (Tara) em um jogo de póquer e a partir dai fez a vida como um produtor de algodão e dono de escravos rico e respeitado. Sua mãe, com a metade da idade de seu pai, era uma rica descendente de franceses, nascida e criada em Savannah, extremamente religiosa, com uma moral impecável, uma mulher caridosa e meiga - e a rocha de Scarlett.

No inicio da guerra ela é apenas uma garota de 16 anos, com dezenas de rapazes para flertar, que estão loucos por uma chance de pedi-la em casamento. Mas Scarlett está obcecada com a ideia de ter Ashley Wilkes, filho do fazendeiro vizinho. Um homem culto, sonhador e contentado em ver a vida passar da varanda de Twelve Oaks - sua propriedade. O problema é que Ashley está para se casar com sua prima, Melanie Hamilton, e isso faz com que Scarlett chegue a extremos.

"Não queria saber se qualquer outro daqueles rapazes com quem se criara, flertara e beijara estava naquela lista. Ela queria poder chorar, fazer qualquer coisa que soltasse aqueles dedos de ferro que se fincavam em sua garganta."

Acostumada a ter tudo o que quer, quando quer, ela não vai deixar Ashley lhe escapar entre os dedos e, assim, inicia-se sua saga de coragem, acompanhando caminhos tortuosos para ficar próxima ao homem que pensa amar.

A história de Scarlett é longa e árdua, cheia de obstáculos. Ela passa muito tempo certa de que o exército confederado irá ganhar, sem ideia das consequências de uma guerra ou do que a derrota pode trazer. Na verdade, Scarlett não dá a mínima para guerra, não entende o orgulho sulista que a maioria das mulheres carrega e tudo que sabe é que a guerra levou todos os rapazes que ela tinha enrolados nos dedos, embora. Mas quando as coisas começam a piorar para o lado confederado, quando Scarlett começa a ver todos os antigos pretendentes morrerem em batalha, sua certeza de que a vida poderá voltar a ser o que era é logo abalada.

Ela aprendeu que uma boa dama sulista sempre terá um homem que cuidará dela, mas sem um irmão e longe do pai, Scarlett precisa tomar as rédeas da própria vida para sobreviver ao fim da guerra e a reconstrução do país.

"- Ora vamos, querida. - disse ele baixinho. - Não chore. Você irá para casa, minha menina valente. Você irá para casa. Não chore."

Desde cedo é possível ver que ela não acredita no que sempre falam: mulheres são tolas, mulheres são fracas, tudo pelo estado confederado! Pratica e realista, ela acha burrice morrer de fome só pelo orgulho de ser sulista e não se curvar aos ianques - embora cultive sim sua raiva por eles e por todo o pavor e tristeza que a fizeram passar. Ela não concorda e, no entanto, entende o suficiente sobre sua sociedade para não falar o que deseja, esconder seus pensamento e agir como deveria.

A não ser com Rhett. O escandaloso patife de Charleston, com um passado negro e uma habilidade natural para debochar dos outros - sem contar o prazer soturno em atormentar Scarlett - consegue ve-la pelo que ela é, a garota mimada, egocêntrica e de gênio forte que sempre foi disposta a qualquer coisa para garantir seu conforto e o de sua família. E por alguma razão, isso o atrai mais do que as garotas bobas e sem opinião, tão fáceis de domar, que ele encontra por aí.

A história de Scarlett e Rhett tem inicio em um churrasco em Twelve Oaks e desde aquele dia, seus caminhos cruzam-se com frequência, estabelecendo a fina linha que eu gosto de chamar de eles-nasceram-um-para-o-outro-caramba!

"Ele a fazia brincar e ela tinha quase esquecido de como era. A vida fora séria e amarga. Ele sabia brincar e a levava junto."

Enquanto acompanhamos as dificuldade de Scarlett, da garota despreocupada de Tara até a chefe de família capaz de qualquer coisa para fugir da pobreza e garantir que sua família sempre tenha um teto sobre a cabeça e comida na mesa, podemos ver o desenvolver de Rhett e como ela o influencia - e vice versa.

Apesar de ser um romance sulista, exaltando uma sociedade há muito quebrada - mas não completamente destruída - E o Vento Levou é um refresco e um ponto de vista novo sobre um assunto que pouco estudamos.

Eu quero destacar que o livro da Mitchell é de uma minuciosidade incrível! Os detalhes sobre a guerra, as descrições, os costumes, as localizações, as situações... Ele já seria incrível se fosse um livro atual, com todas as possibilidades de pesquisa histórica da qual disponibilizamos, mas em um livro dos anos 30? Ele está além de incrível. Não tenho palavras, na realidade. Mitchell construiu a história de seu livro a partir de histórias que ouvia de familiares e amigos e é impossível manter o queixo no lugar dada a riqueza de detalhes.

A escrita dela é fácil, descomplicada, fluida. Scarlett é a melhor personagem que eu já li na vida. Seu desenvolvimento é tão real, ela é tão viva que as páginas quase respiram com ela. Ela é consistente, fiel aos seus pensamentos e sentimentos, escrita de uma forma que eu nunca vi igual.

"Ela era sua primogênita e, agora que Gerald se conformara de que não haveria mais filhos em sequência aos três que estavam no cemitério da família, ele criara o hábito de tratá-la de homem para homem, o que a agradava sobremaneira."

Em nenhum momento há a necessidade de transformar Scarlett na pessoa perfeita, que nunca erra ou cujos erros são facilmente perdoados e compreendidos. Em fato, eu não gostaria de conhecer a Scarlett se ela fosse uma pessoa de verdade. Ela é fria, dura, obstinada, egoísta e egocêntrica, um pouco burra, por assim dizer, incapaz de compreender coisas que não lhe dizem respeito diretamente e, como já diz Rhett, é cruel ao ponto de usar o amor que sentem por ela como um chicote para manipulá-los. Ela não se rende, não muda abruptamente e, apesar de ficar mais sábia com o passar do tempo, mantem-se fiel a suas raízes psicológicas, que nos leva a questão de que ninguém muda completamente quem é e por isso, nenhum personagem deveria mudar da água para o vinho também.

"Eles a incendiaram! - pensou ela - e devastaram. Mas não derrotaram. Não poderiam derrotá-la. Vai voltar e ser tão grande e audaciosa como era antes!"

(aliás, preciso acrescentar que eu amo os paralelos entre Scarlett e a cidade de Atlanta. Como no quote, os ianques não conseguiram derrotar Atlanta - e nem Scarlett. E no fim, Atlanta era jovem demais, assim como Scarlett)

E a fim de justiça, a Mitchell deu vida, consistência e desenvolvimento real a todos os seus personagens - mesmo os coadjuvantes ganham uma vida inteira, descrita em poucos diálogos. Ela não precisava por tudo em palavras para que, em um breve comentário, você possa sentir tudo que cada personagem foi, é e vai ser (ou poderia ser). Ela não precisa contar a história de cada soldado morto em batalha, porque conforme o livro caminha, você é capaz de compreender e perceber todo o potencial que eles tinham como pessoa - percebe tão nitidamente que as vezes é impossível lembrar que eles são apenas personagens.

Tem tantos personagens incríveis nesse livro - poucos tão arrebatadores quanto Scarlett e Rhett, admito. Melanie Hamilton Wilkes rapidamente se tornou uma de minhas personagens preferidas pelos simples fato de ser tão poética e apoiar tanto a Scarlett. Embora muitos gostem de dizer que ela não consegue enxergar a verdadeira Scarlett, eu acho que a Melly sempre viu e, ainda, sempre entendeu a ela e o porque de suas atitudes, acho que as duas são dois lados da mesma moeda e ofereciam uma a outra, aquilo que mais precisam, fosse força, compreensão, amor.

"Ora.. Ora.. Ela é como eu! Ela entende como estou me sentindo. - pensou Scarlett naquele longo momento. - Ela teria feito a mesma coisa!"

Os gêmeos Tarleton, Bret e Stuart, me ganharam já em sua primeira aparição, e suas ousadias estúpidas e corajosas em guerra me deixam com saudades desse livro e com um peso no coração por um momento que eu nunca vive (quase como Culloden em Outlander); Carren, a irmã mais nova de Scarlett, em toda a sua timidez, bondade e amor leal me arrebatou mesmo com sua pouca aparição e, junto de Will, formam o casal que para sempre vai estar protegido no meu coração; A sra. Tarleton e sua presença forte; Gerald O`Hara e sua fanfarrice, srta. Pittypat e sua ingenuidade; Tio Peter e sua lealdade; Mammy e suas quotes maravilhosas; vovó Fontaine e seus paralelos com Scarlett; Wade e sua timidez e o amor que sinto pela relação dele com o Rhett; estou tão apaixonada por todos eles que me dói ter que deixa-los de lado.

"- A gente pode ser... bem... o menino de dois homens? - perguntou Wade, a lealdade pelo pai que nunca conheceu lutando com o amor pelo homem que era tão compreensivo com ele.- Pode. - disse Rhett com firmeza. - Assim como você pode ser o menino da sua mãe e de tia Melly."

É difícil falar sobre ele porque não é o tipo de livro que estamos acostumados a ver, com uma única história completamente amarrada. E o Vento Levou são diversas histórias costuradas uma dentro da outra, como a vida. Você não sabe onde uma termina e a outra começa, você não sabe onde tudo vai parar - além é claro, do inevitável.

Tudo que se pode fazer é sentar e esperar, ler até não ter o que ler mais e depois só imaginar o caminho que eles trilharam, onde o orgulho os fez parar, se o amanhã já chegou.

E mesmo com duas continuações autorizadas - Scarlett e O Clã de Rhett Butler - acho difícil que qualquer coisa que não tenha sido escrita pela Mitchell possa se aproximar da magnitude e da força de E o Vento Levou.

Querida Scarlett, já diria E. E. Cummings: eu levo o seu coração no meu coração e eu nunca estou sem ele. (me repetindo porque sim, personagens e histórias como essa merecem serem carregadas com os leitores para o resto da vida).

E se você chegou até aqui e não viu nada demais na MAIOR HISTÓRIA DE AMOR DO SÉCULO XX, vou pedir para que faça um exercício e pense no seu livro preferido, no melhor livro do mundo (sei que 99% está pensando em Harry Potter). Imagine o sentimento que ele desperta em você, imagine a dor que você sentiu quando um personagem querido morreu, quando você pensa nas famílias e na dor de outros personagens queridos depois da morte dele, imagine a frustração que você sentiu sempre que dava algo errado para o seu personagem preferido, imagine o coração partido sempre que o seu OTP brigava ou não dava certo. Imagine tudo que você sente só de mencionar o nome do livro e dos personagens.

Imaginou? E o Vento Levou me faz sentir exatamente dessa forma e talvez pudesse fazer você sentir tudo isso mais uma vez, por uma história completamente nova, se você lhe der uma chance :)

"Penso nisso amanhã, em Tara. Vou aguentar, então. [...] Afinal, amanhã é outro dia."
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Mel 11/10/2010

Li este livro por indicação da minha mãe, e ele acabou se tornando um dos meus preferidos.

Avaliei com 5 estrelas, pois considero este livro um romance muito único, vivido na época da guerra por uma mulher muito a frente de seu tempo.

A história focaliza a Scarlett, que não é retratada como vítima ou heroína, mas sim como uma mulher cheia de defeitos e manias, que faz questão que as coisas saiam à sua maneira. Conta também com outros personagens maravilhosos, tais como o Rhett Butler e a Mellanie, minha preferida, cuja amizade fiel sobreviveu até o fim.

Recomendo o livro a todos os tipos de leitores, não vejo como não gostar :)
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Fran 06/09/2020

Meu livro preferido da vida
Depois de pouco mais de um ano, decidi fazer uma releitura desse livro que amo tanto. Uma releitura com um olhar mais crítico, mas que me fez emocionar da mesma forma, porque amo os personagens desta história. Scarlett, Rhett, Melanie, Mamy, Ellen, Gerald, todos eles tem um lugarzinho especial no meu coração. Scarlett não é uma heroína perfeita, ao contrário, por muitas vezes ela é mimada, mesquinha, egoísta, mas ainda sim, não tem como não ama-la. Porque Scarlett é muito forte, e mesmo com medo, ela vai e faz. Ela luta por si, pela terra dos seus pais, por sua família. E é uma personagem maravilhosa. Melanie também é incrível. Ela pode ser frágil de aparência e saúde, mas Melly também é muito forte. Rhett Butler também é um personagem inesquecível e as interações que tem com a Scarlett são um dos pontos altos do livro. A escrita da Margaret Mitchell é fluida, cativante e muito emocionante. Apesar de ser uma releitura e de ter assistido ao filme várias vezes (Amo a Vivien Leigh) ainda me vi completamente envolvida e com aquela sensação de querer começar a leitura tudo de novo, assim que li a última frase. Espero reler esse clássico muitas e muitas vezes durante a minha vida.
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