Wellington 20/03/2021
E o Vento Levou: 9,75
A sinopse começa com uma verdade: a obra é conhecida por prender o leitor do começo ao fim. Assim foi comigo. A escrita é fantástica; pode ser uma equivocada impressão pessoal, mas Margaret Mitchell me lembrou Tolstoi. O tempo, os fatos, os personagens – tudo flui com naturalidade. Se escrita por um prolixo, E o Vento Levou teria facilmente mais de duas mil páginas, tamanha a quantidade e profundidade dos eventos relatados na obra.
Tirando da frente o necessário: a edição contém erros de ortografia e concordância (“eu a adeio”, “para as aquelas”, etc.); insignificantes para a compreensão, mas presentes. Não sei por quê, mas achei que seria capa dura; é capa comum. A arte é bela, assim como a fonte, a separação dos capítulos e tudo mais. Não é uma edição perfeita, mas me agradou; a divisão em dois tomos foi feita de forma feliz. Os erros são facilmente perdoados se nos lembrarmos de que é uma obra gigantesca.
Trata da trajetória de Scarlett O’Hara – figura controversa, em muitos pontos à frente de seu tempo e em outros presa a velhos costumes. Há momentos em que a repudio, e há momentos em que possui minha extrema admiração. É uma personagem riquíssima, extremamente complexa e, mesmo não sendo minha favorita (meu apreço é por Melanie e Mammy), reconheço sua importância. Ter contato com o livro, sem saber nada do filme, me foi positivo: Scarlett é uma das mulheres mais marcantes já criadas pela arte.
É um livro histórico que não se perde no historicismo; o que importa aqui é a relação dos eventos com os personagens. É possível ver inúmeras coisas: o nascimento e crescimento da cidade de Atlanta, na Geórgia; os efeitos da Guerra Civil estadunidense; as impressões e consequências da libertação dos escravos; o contexto de nascimento da Ku Klux Klan. Uma coisa me fica clara: a “libertação” (foi mesmo? Olhemos ao presente...) dos escravos pode ter tido vozes de fato sinceras e bem intencionadas, mas a motivação prevalente foi política. Isso é visível em várias passagens e deixo para os leitores tirarem as próprias conclusões.
Escrito pela perspectiva do lado que perdeu – o Sul escravagista, reis do algodão e de pensamento aristocrático –, torna-se natural o que fora apontado já no excelente prefácio: para a autora, provavelmente seria justificada a posterior segregação racial nos EUA; a escravidão era parte central da cultura sulista. Ao mesmo tempo, temos uma fonte riquíssima para a compreensão do pensamento da época. Que o contexto social não diminua a importância dessa obra, mas a enriqueça como uma chance de olhar profundamente.
Voltando ao romance em si, é difícil elogiá-lo sem entrar em terreno de spoilers. O único motivo de não receber de mim a nota dez é Scarlett O’Hara – justamente ela, grande como é. Scarlett não é perfeita; nem mesmo Melanie, descrita por Rhett como “a única pessoa verdadeiramente boa que conheci”, é perfeita. São personagens humanos, cheios de qualidades e defeitos, jogados no meio de uma existência cruel em que guerra, fome, frio e morte se tornam comuns. São pessoas de um velho tempo tentando se adaptar a um novo tempo; alguns com mais sucesso que outros, mas sempre com contratempos.
É a única obra de Margaret Mitchell. O que levo comigo com grande carinho é a obstinação de Scarlett, a devoção de Melanie e a bondade de Mammy, assim como um vislumbre do que foi a sociedade da época.