Alan kleber 17/07/2024
"Que horror! Que horror!
?'Voltando para a civilização, eu me sentia como um homem que retorna de entre os mortos. Eu olhava para as pessoas em volta, para as construções sólidas, para as ruas bem pavimentadas e pensava na fragilidade dessa ordem. Tudo parecia um espetáculo frívolo, uma pretensão absurda. Eu havia visto o horror no coração da escuridão e sabia que ele podia surgir em qualquer lugar, mesmo aqui, onde as aparências eram mantidas com tanto zelo.?'
Esse trecho é significativo porque revela a desilusão profunda de Marlow com a civilização europeia. Antes de sua viagem, ele via a civilização como um símbolo de progresso e ordem. No entanto, após testemunhar a brutalidade e a ganância no Congo, Marlow percebe que a civilização é apenas uma camada superficial que esconde a mesma escuridão que ele encontrou na selva.
Resenha:
"Que horror! Que horror!" Estas palavras finais de Kurtz, sussurradas em um delírio agonizante, ecoam como um grito de desespero contra a brutalidade da condição humana. Em "Coração das Trevas", Joseph Conrad nos leva a uma jornada ao âmago da escuridão ? uma escuridão que não se encontra apenas na selva africana, mas nas profundezas da alma humana. Este livro explora a natureza dessa escuridão, a crueldade do colonialismo e a complexidade moral revelada no confronto entre civilização e barbárie.
Conrad desenha um retrato perturbador da natureza humana através da descida de Marlow pelo rio Congo, que simboliza uma jornada introspectiva ao coração da própria humanidade. Kurtz, inicialmente um homem de ideais elevados e aspirações altruístas, torna-se o epítome da degradação moral. Sua transformação de um idealista em um tirano despótico revela a fragilidade das virtudes humanas diante da ausência de limites civilizatórios.
A frase "Que horror! Que horror!" encapsula a realização final de Kurtz sobre a essência do mal, não como uma força externa, mas como uma parte intrínseca de seu ser. Ao viver isolado da sociedade, livre das normas e restrições morais, Kurtz descobre que a verdadeira escuridão reside dentro de si. Sua revelação é uma condenação não apenas de suas ações, mas da potencialidade para a maldade que habita em todos os seres humanos.
O colonialismo, retratado por Conrad, é uma manifestação externa dessa escuridão interna. A exploração brutal e desumanizadora dos povos africanos pela Europa colonial é uma extensão da depravação moral que Kurtz encontra em si mesmo. Os colonizadores, sob o pretexto de levar a civilização, cometem atrocidades inimagináveis, revelando que a barbárie não é uma característica dos colonizados, mas dos colonizadores.
No entanto, ao refletirmos sobre a crítica ao colonialismo em "Coração das Trevas", surge a necessidade de abordar a ideologia decolonial que emergiu nos círculos acadêmicos contemporâneos. A decolonialidade, com sua ênfase na desconstrução das narrativas coloniais e na valorização das vozes marginalizadas, busca retificar os danos históricos causados pelo imperialismo. No entanto, essa ideologia, embora bem-intencionada, frequentemente cai em armadilhas problemáticas.
A crítica decolonial, ao focar excessivamente na vitimização e na culpa histórica, corre o risco de perpetuar um ciclo de ressentimento e polarização. Em vez de promover uma compreensão mútua e uma reconciliação genuína, muitas vezes reforça divisões e cria novas formas de antagonismo. Além disso, a ideologia decolonial pode inadvertidamente simplificar a complexidade histórica e cultural, reduzindo indivíduos a meras representações de opressores e oprimidos, desconsiderando a agência e a diversidade de experiências.
Assim, enquanto "Coração das Trevas" de Joseph Conrad nos oferece uma reflexão profunda sobre a condição humana e a monstruosidade do colonialismo, também nos lembra da necessidade de abordar essas questões com um olhar crítico e equilibrado. A escuridão que Kurtz encontra é uma advertência sobre os perigos da desumanização e da perda de valores morais ? uma advertência que devemos levar em conta ao navegar pelas complexidades do passado e do presente. E ao fazê-lo, devemos evitar as simplificações e os dogmatismos que podem surgir nas ideologias decoloniais, buscando sempre um entendimento mais profundo e inclusivo da condição humana.