Extinção

Extinção Thomas Bernhard




Resenhas - Extinção


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Camila Polonio 21/01/2024

Minucioso e profundo
Que livro! Essa história me prendeu do início ao fim. Apesar de ser detalhado, cada frase escrita por Thomas Bernhard faz o fio condutor ser preciso, necessário e chocante. Ele entra na alma de uma família tradicional austríaca e revela o peso que é se diferenciar. Sensacional. De todos os livros que li de Thomas Bernhard, Extinção me cativou e ganhou o meu coração.
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EduardoCDias 13/07/2023

Obrigações
Vivendo e trabalhando em Roma, o filho de uma família tradicional e proprietaria de uma fazenda centenária na Áustria é surpreendido por um telegrama notificando a morte de seus pais e irmão num acidente automobilístico. Recém chegado do casamento de sua irmã nessa mesma propriedade é obrigado a retornar. Mas ele odeia e despreza sua família e a propriedade onde cresceu com todas suas forças. Nunca aceitou o comportamento, as tradições e o status dessa família. Mas, de repente, se vê obrigado a assumir as rédeas da propriedade e da vida das irmãs e a lutar contra tudo que despreza.
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dieipi 26/07/2022

MELHOR DO ANO (de novo um do bernhard)
quanto mais me ocupo com os escritos dessa gente, dissera a Gambetti, mais me torno eu impotente, só num acesso de megalomania posso dizer ter compreendido a mim mesmo, quando de fato nunca compreendi a mim mesmo até o dia de hoje, quanto mais me ocupo de mim, mais me afasto daquilo que sou de fato, mais se turva tudo quanto me diga respeito

pelo amor de deus como é possivel que alguem como ele tenha existido
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arthur966 22/04/2022

todos nós carregamos uma Wolfsegg conosco e temos vontade fe extingui-la para nossa salvação, ao querermos pô-la por escrito, queremos aniquilá-la, extingui-la, mas a maior parte do tempo não temos força para uma tal extinção.
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none 06/02/2022

Leitura recomendada
Thomas Bernhard foi bastante ousado nesse romance, dividido em duas partes. Longas frases do protagonista Franz Josef Murau, mencionado logo no início e depois dialogando com amigos no passado e no passado remoto, com um aluno italiano (com quem troca experiências culturais, Franz ensina literatura e cultura alemã e Gambetti a cultura italiana). Os temas dessas partes tratam da decadência da aristocracia interiorana austríaca, o enfrentamento do narrador, protagonista diante de sua família, uma vez que Franz, educado pelo tio vê os pais, irmãs e irmão como pessoas desprovidas de interesse, baixas, adeptas do fascismo e do catolicismo, e que só se interessam por suas vidinhas medíocres interioranas e reclusas em sua propriedade de Wolfsegg. A família inclusive tem passado (e presente) nazista, o pai atuou no exército e a propriedade abrigou integrantes da SS durante o pós-guerra. A contradição entre a vida social de Franz em Roma e nos grandes centros do mundo, entre literatos e a vida social da sua família é gritante: o irmão mais velho, filho predileto, adora caçar, foi treinado para ser cópia do pai, não possui opinião própria, a mãe dominadora viaja para a Itália com o amante usando a desculpa de visitar o filho mais novo, as irmãs vestidas a caráter como tirolesas, moças envelhecidas, cópias da mãe e uma da outra rivalizam-se quando uma delas se casa com um fabricante de rolhas de garrafas de vinho, assim o marido dela será nomeado, cada vez que aparecer no romance, um sujeito igualmente medíocre que entrou na família por cair nas graças de uma tia distante, porém influente.
O livro pode inicialmente assustar por não ter uma divisão em capítulos ou espaços, mas a leitura pode ser interrompida facilmente quando o narrador muda de tema mesmo nos longos parágrafos.
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Valéria 02/09/2020

Ler Bernhard é a coisa mais extraordinária desde Dostoievski e Schopenhauer. Cada linha transborda intensidade e é visceralmente real. Ao mesmo tempo, para àqueles que desconhecem o prazer da solitude, que não está habituado com o valor da integridade, quem nunca se viu ocupado com a questao da dignidade humana, digo-lhes que fique longe de Bernhard. Não o leia se ficas ofendido por pouca coisa, ele provoca e faz pensar.

Adoro esses reencontros. A releitura 18 anos depois me mostra para além dos nossos amores comuns, Sartre, Kafka, Kieekegaard, Wittgenstein, Goethe e os russos... ah os russos ?, uma conexão inexplicada de pensamento.
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João Lucas Dusi 13/07/2020

A arte de odiar
“Primeiro temi a vida, depois a odiei”, registra o personagem Franz-Joseph Murau no romance Extinção (1986), de Thomas Bernhard. Percebo agora que desde que comecei a ler a sério, por volta dos meus 16 anos, talvez eu estivesse buscando esse exercício retórico absolutamente repulsivo contra a existência. É um livro no qual se exerce a plena liberdade de odiar o próximo e também a si mesmo – com escândalo, espumando pela boca.
Algo semelhante foi executado por Emil Cioran em Breviário de decomposição (1949), outro tratado histérico contra a vida. “Odiar tudo e odiar-se em uma fúria de raiva canibal; ter piedade de todo o mundo e apiedar-se de si mesmo: movimentos aparentemente contraditórios, mas originariamente idênticos: pois só se pode ter pena daquilo que se gostaria de fazer desaparecer, daquilo que não merece existir”, aconselha o filósofo romeno, o que jamais deixei de achar algo cômico.
Nas quase 500 páginas do livro de Bernhard, porém, essa “fúria de raiva canibal” se mostra para além de apenas um esboço: é efetivamente colocada em prática por meio do professor de origem austríaca Franz-Joseph Murau, cuja vida – em Roma, onde mora – parece girar em torno de seu único aluno, Gambetti, que também serve de plateia para seus comentários coléricos. “Nenhum professor, tal como nenhum juiz, é digno de confiança, por capricho torpe e pura sede de vingar sua triste vida arruinada eles aniquilam diariamente, sem escrúpulos nem remorsos, muitas das existências que lhes são confiadas, e ainda por cima são pagos para tanto”, é o que Murau tem a dizer sobre seu próprio ofício, exercendo uma autoconsciência que o espicaça durante toda a obra.
Além do jovem aprendiz, ele parece tolerar – se é que é essa a palavra – somente mais uma pessoa, a poeta Maria, considerada a salvadora da literatura alemã no século 20 e a quem ele recorre quando precisa mostrar um novo escrito – sempre rechaçado. É essa mesma leitora, aliás, que uma vez o definiu como “alguém que extingue” e fez com que essa sugestão martelasse sua cabeça por tempos. Para encerrar essa obsessão, Murau escreve o livro Extinção. Assim, ao ler o romance de Bernhard, lemos também o trabalho de seu personagem, em um exercício metaliterário que salta da página, materializa-se.
Não é algo difícil de se fazer em termos técnicos, pois bastou a Bernhard registrar: Franz-Joseph Murau escreveu Extinção – e pronto, daí surge toda a “mágica”. Mas descontruir essa manobra gera reflexões interessantes: por mais que o “pacto ficcional” seja quebrado no momento em que o leitor é informado de que está lendo um trabalho de ficção, ou seja, não existe a intenção do autor de emular um mundo paralelo à realidade e fazer com que o leitor seja fisgado cegamente por ele, este pacto é, na verdade, elevado à última potência – o leitor está lidando com ficção e está ciente disso, sim, é Thomas Bernhard quem colocou seu personagem para escrever um livro que leva mesmo o nome do que ele, Bernhard, está escrevendo, mas, mesmo sabendo disso, tem-se em mãos de fato esse produto ficcional. É algo concreto, uma espécie de ultraficção implantada na realidade, capaz de modificá-la através de sua materialidade – Extinção é obra do romancista austríaco Thomas Bernhard, correto, mas também é do personagem Murau, e dessa coautoria forjada surge realmente um produto concreto, para além da imaginação: a ficção só é possível devido à materialidade real das páginas, mas a existência material das páginas é reivindicada pela ficção. Efeito semelhante de interferência factual no mundo por meio da ficção foi buscado por David Foster Wallace com as centenas de notas de rodapé do romance Graça infinita (1996) – ao adicioná-las histericamente, tornando-as parte essencial desse jogo ficcional de mais de mil páginas, o escritor norte-americano obriga o leitor a praticar uma ginástica literária: o livro se torna interativo. O ritmo de leitura é constantemente quebrado quando se é necessário trocar do texto principal para uma nota, sente-se constantemente a materialidade da obra, e esse aparente incômodo se torna, ele mesmo, parte crucial do processo de absorção do conteúdo.
Esse recurso “ultraficcional” observado em Bernhard também foi utilizado pelo húngaro Imre Kertész em Liquidação (2003) – que, aliás, radicaliza ainda mais essa experiência ao adicionar várias camadas metaficcionais, criando um verdadeiro labirinto imaginativo que é ora quebrado pela informação de que Liquidação se trata tanto do produto que temos em mãos quanto da obra de um personagem. Há outros exemplos de livros que se afirmam como trabalhos ficcionais, que não buscam “enfeitiçar” o leitor com a criação de um simulacro da realidade, apesar de também fazê-lo (através da negação), como o Se um viajante numa noite de inverno (1979) de Italo Calvino, mas é Kertész – sobrevivente de Auschwitz – que me vem primeiro à mente por também carregar um ódio primal em suas palavras. Me marcou um poema escrito pelo personagem B., no qual ele propõe a continuação da vida como um ato de revolta, uma vez que o suicídio seria a coisa mais óbvia a se fazer.
Agora, o que mais me impressionou em Extinção é como ele repele o leitor, transborda estranhamento. Ao mesmo tempo, a repetição alucinada e o incômodo ritmo sincopado, convulsivo, com vários espasmos que buscam a destruição, geram um efeito hipnótico. Por mais desconfortável que seja a leitura, é difícil abandoná-la – toma-se gosto pela representação caótica. Gosto de imaginar quantos dias inteiros Bernhard gastou para chegar a esse calhamaço, para atingir um ritmo quase insuportável. A dedicação me parece quase demencial, exercida por alguém que encontrou na simbolização literária do mundo, em fazer com que a experiência de se estar vivo soe como um suplício inigualável, uma espécie de conforto. Tem gente, afinal, que só se sente à vontade em meio ao caos – imagem aparentemente contraditória que, me parece, explica um pouco da postura histérica, repulsiva e hipócrita de Franz-Joseph Murau, que se enxerga como um arauto da alta cultura, um sábio inatingível, e, na mesma proporção, parece prestes a se matar a qualquer segundo por não tolerar a si mesmo e muito menos a maioria de seus semelhantes.
Esse mesmo ritmo de escrita eu já conhecia d’O náufrago (1983), outro livro de Bernhard – que agora me soa quase um esboço, um estudo, do que viria a ser o Extinção. Em ambos não é permitido ao leitor mergulhar na obra, pois ele é repelido constantemente por esse trabalho de ourives macabro do autor, que deseja antes transformar a joia em um pedaço podre de latão – uma maneira de reproduzir a angústia da qual sofre o próprio personagem, talvez, uma angústia perpétua. “Com muita facilidade e muita rapidez nos habituamos a odiar, a condenar, sem perguntar se o nosso ódio e nossa condenação têm com o tempo a menor justificativa”, anota Murau, imerso em uma cólera cuja origem ele tenta demonstrar no decorrer do livro.
As investidas do personagem vão desde contra potes de compota até a igreja católica, responsável por destruir a vida das crianças com seus pressupostos inatingíveis, passando pela gente cristã e nacional-socialista do município de Wolsegg, onde nasceu, até chegar em toda sua família – o pai, um homem embrutecido que encontra conforto entre os caçadores e ao lidar com a papelada referente à enorme e rica propriedade familiar, onde abrigou generais nazistas após a Segunda Guerra Mundial; a mãe, uma “destruidora” afeita às futilidades da vida e que traiu seu pai por décadas com Spadolini, a quem Murau idolatra e repugna na mesma medida; o irmão Johannes, uma cópia do pai e filho preferido, o qual sempre teve vantagens na infância; e as irmãs Amalia e Caecilia, figuras que, de tão apagadas, merecem somente o desprezo de Murau, sendo a segunda casada com um homem a quem o narrador se refere exclusivamente como o “fabricante de rolhas para garrafa de vinho” e do qual Murau não consegue ficar perto por mais que alguns momentos sem se enojar.
O telegrama que Franz-Joseph recebe em Roma, avisando-o que pai, mãe e irmão morreram em um acidente de carro, não faz com que a situação se amenize – pelo contrário, é justamente o que desencadeia todos os raciocínios do personagem e, em última instância, dá corpo à obra. Sua maior preocupação está no fato de que vai precisar retornar à Áustria, país que lhe causa nojo, para participar do funeral dos seus, sendo que há uma semana já tinha feito o sacrifício de ir ao casamento da irmã – do qual nada trouxe de bom, a não ser comentários maldosos compartilhados com Gambetti. E não é preciso que lhe avisem de todo esse comportamento histérico, pois ele reconhece bem a posição em que se encontra: “Se você pensa nos seus, sente engulhos, se pensa nos outros, sente os mesmos engulhos. Naturalmente quem pensa assim está doente, disse comigo, e no mesmo instante me dei conta do quanto era perigoso meu estado de ânimo”. Esse lampejo de autoconsciência positiva, em prol da vida, não impede que ele continue a odiar e odiar cada vez mais, em reflexões que puxam umas às outras e vão sempre em direção do abismo, jamais em busca de qualquer solução.
A impressão que Murau deseja causar é a de estar sozinho contra todos, e para isso seu esforço é hercúleo e autoconsciente: “Aprimorei a tal ponto minha arte do exagero que posso me definir sem rodeios o maior artista do exagero de que tenho notícia”. Havia apenas uma pessoa que parecia lhe agradar de verdade, o finado tio Georg, responsável por lhe direcionar no caminho da anarquia, por assim dizer, e ensiná-lo a maneira correta de se ler livros, apreciar quadros e, por fim, se posicionar no mundo como um todo – de maneira combativa, sem descanso e sem ter piedade de seus adversários, que são todos os que não se dedicam aos “produtos do espírito”, como ele define as artes, mas vivem estagnados por um tempo cada vez mais bestializado. “Meu único conselho às pessoas que pensam é suicidarem-se antes da virada do século”, diz o narrador a Gambetti.
É transbordando nojo que Murau comparece ao enterro de seus familiares e reencontra as pessoas que fizeram parte de sua infância. Ele parece demonstrar um pouco de apreço – se é que é essa a palavra – apenas pelos jardineiros, um pessoal pelo qual sempre teve consideração por se tratar de gente simples, nas palavras do próprio Murau, que o acolheu na infância, quando os demais pareciam odiá-lo, tratavam-no mal e acusavam-no de coisas que ele não fez. A narrativa, vale lembrar, como todo exercício em primeira pessoa, fornece somente o ponto de vista do próprio narrador, ou seja, meio que acredite no que quiser.
Esses traumas de infância perpassam todo o livro, e há uma passagem significativa, quando ele já está no funeral em Wolfsegg, para ilustrar como o personagem está não só preso à infância como, devido a esse cárcere mental, parece ter alcançado as portas da insanidade: “Havia trinta anos eu não mostrava minha língua a minha irmã Amalia, agora o fizera de novo pela primeira vez, e isso me divertiu. [...] Ensaboei meu rosto com o pincel e me olhei no espelho com feições de palhaço, que logo mostrou a língua para si mesmo e que se divertiu tanto de mostrar a língua que repetiu esse gesto várias vezes, por assim dizer para sua própria diversão”. Aqui, o personagem expõe a autoimagem que criou de si mesmo, e ela é assustadora.
Outro ponto significativo é quando ele, por várias vezes, tenta abrir a tampa do caixão da mãe, que está lacrado devido às mutilações que ela sofreu no acidente de carro. A curiosidade do personagem é mórbida, deseja ver como está aquela figura que – literalmente – perdeu a cabeça. Acho possível encarar de duas formas: o desejo resvala na crueldade, no que Murau quer triunfar ao ver sua genitora naquele estado e purgar, por fim, todo o mal que ela lhe causou, ou existe a vontade de ver sua mãe pela última vez, isto é, a figura que lhe deu à luz e o criou – para além de todos os impasses e traumas. Tendo a acreditar mais na primeira opção.
Toda construção do personagem me faz pensar no caso de Hamlet: agir deliberadamente como um louco é, por si só, uma forma de loucura. As imagens criadas para si próprio, inicialmente de caráter artificial, adquirem um peso definitivo quando cultivadas ao longo da vida. Se Franz-Joseph começou destilando ódio contra Deus e o mundo por mera influência de seu tio Georg e porque se sentia injustiçado na infância, com o passar dos anos esse sentimento realmente se apossou de seu imaginário com violência, forneceu-lhe uma identidade no mundo – sua posição é a de quem odeia, e sua existência só tem significado através da crítica e da repulsa. Como o próprio explica: “Usamos a soberba como escudo para poder nos afirmar, essa é a verdade, sou soberbo para sobreviver, eis uma frase coerente. Logo não sabemos mais, claro, se nossa soberba é simulada ou efetiva, mas não é necessário nos fazer constantemente essa pergunta, isso nos deixaria malucos e por fim dementes”. Reconhecendo essa condição, é na chave do ódio quase gratuito que ele segue em frente, em uma posição tão animalesca como a de seus iguais, criticados por serem máquinas que não se importam com os “produtos do espírito”.
De maneira inversamente proporcional, me parece que Murau cai na mesma laia daqueles que ele condena. É apenas mais um personagem dentro de um mundo artificial, como ele mesmo reconhece, que se sente superior por ter condecorado a si mesmo como juiz do que seriam bons costumes – claro, sem em nenhum momento deixar de lembrar o quanto ele mesmo é ridículo e dado a extremos. É essa a parte mais triste, penso, o reinado de Franz-Joseph acontece somente em sua mente, e a partir do que ele compartilha com Gambetti, a quem sempre tenta impressionar e acaba se envergonhando. Me parece um homem triste, muito triste, plenamente ciente tanto da própria miséria quanto da miséria do mundo, sem nenhuma vontade de modificar a situação que lhe causa tanto desconforto – o fato de existir. O que deseja é se extinguir através das palavras, carregando junto de si mesmo os seus semelhantes e tudo que lhe é significativo. “Os escritores como um todo”, afinal, “são a gente mais repulsiva que existe”.

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Resenha publicada originalmente no site abaixo.

site: https://www.madamepsicose.com/2020/07/a-arte-de-odiar.html
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Eduardo 22/11/2016

Pobre Gambetti
Eu me senti um tanto obrigado a dar uma nota 4 (alta) após a leitura dessa obra, pois sem dúvidas trata-se do resultado de muito esforço por parte de Thomas Bernhard; esforço literário de um lado, pois o livro é escrito de forma tecnicamente impecável, e esforço de espírito, pois ele realmente disseca e força a dimensão psicológica de seu narrador de forma incansável. O porém, é que nós, leitores, ficamos essas 476 páginas na companhia de um personagem perfeito, porém, pedante em muitos e muitos momentos.
Sua fala é redundante, extenuante, mas acrescenta muito à quem lê, provocando diversas reflexões. Não é um livro muito prazeroso, mas enriquecedor e muito bem executado, sem dúvidas. Thomas Bernhard foi um grande escritor, e um grande espírito, mas eu, particularmente, prefiro ler obras mais expansivas; mesmo deprimentes, gosto dos que preservam um pouco mais o caráter alegórico da literatura.
Fica a recomendação de "O Mal Obscuro", que tem semelhanças com esse Extinção, mas sem dúvida me tocou muito mais.
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Renato 23/11/2015

Extinção do otimismo
​Escrever sobre "Extinção" é quase como ter que reescrever o livro. De tão repleto de conteúdo e de uma ação que não se resume em atos. Mais do que um romance, é uma ficção repleta de ensaios, impossível de ser resumida num comentário de cunho pessoal. Sendo então pessoal, não quero falar da íntegra do livro, muito menos repetir o que é óbvio e já dito uma centena de vezes. Eu me tornaria mais uma vítima de Bernhard, pós-morte. Sua crítica Nietzscheana ao intelecto acomodado e muito quieto. Seria mais um medíocre dizendo o óbvio para me parecer um burguês culto. Dizer que ele disseca, ou desconstroi com ódio à mentalidade pequeno-burguesa é confirmar o que já na orelha do livro é evidente. Aliás, este foi um dos motes de sua geração, que se apoiou no pós-guerra ao medo do fascismo para apegar-se de forma às vezes autêntica, às vezes de forma autopromocional, a uma ideologia às vezes democrática, às vezes totalitária no extremo oposto, usando uma linguagem muitas vezes hiperssimplificada para as grandes massas, às vezes hermética para desvincular-se da tirania da indústria cultural e seu exibicionismo pseudocultural. Não sei se Bernhard toleraria a cultura gastrofílica tão em voga hoje. Ele a destruiria como tentou minar todas as hipocriosias que conseguia alcançar. Mas nada disto é novidade. Nesta leitura, somente interessa o que mais me incomodou, que é o que sinto de novo.
Durante todo a leitura intrigou-me a associação que Bernhard fazia entre nazismo e catolicismo, dava a impressão de que o nacional-socialismo seria mais próximo a Viena que a Berlim. Jamais tinha pensado desta forma, associava o nazismo muito mais a um extremismo, ou à mentalidade germano-luterana. Bernhard vai além, ele planta uma semente de entendimento do catolicismo. A associação, no fundo, parece lógica.
Não sem razão, não é difícil enxergar que o jogo de aparências e dominação totalitária que marcam o grande estado católico é diferente do individualismo calvinista. O nazismo nasce, pela ótica de Bernhard, do totalitarismo católico, de sua intolerância à ideia em oposto, particularmente reforçada pela disciplina e pela fidelidade do espírito germânico.
Mas não é este ainda o ponto. Só compreendi um dos incômodos mais críticos do livro refletindo acerca de sua escolha pela Itália, seu amor por Roma. O personagem Murau reconhece que a Itália é tão ou mais católica que a Áustria. Mas ele afirma algo que não podemos extrapolar tão irrefletidamente para o modo brasileiro de construir sua sociedade: ele sugere que o latino, o europeu do sul por mais fervoroso e dedicado que pareça, não tem o senso de obrigação, obediência e sociedade que o europeu do norte. Esta avacalhação, de fazer uma coisa pela frente e outra pelas costas deixa o indivíduo mais livre. Sua devoção mais falsa, a ideia totalitária mais frágil, engolida pela hipocrisia do indivíduo, mais ligado ou ao seu prazer ou à sua família do que ao estado. O totalitarismo católico é mais resolvido quando se torna uma noção de coletivo, de estado. Às vezes expresso por violência, outras por um falso amor, ambas exigindo submissão e uma intolerância ao contrário. Para Bernhard, o nazismo foi substituído por um falso socialismo hipócrita, igualmente baseado em submissão e apagamento do indivíduo.
Vejamos. A Escandinávia e a Alemanha de hoje possuem um senso de "justiça", der "igualdade" e de "sociedade" que nos faz inveja. Para os brasileiros que assistem à desagregação da sua sociedade, à perda de referências e de esperança, muito mais. Se tomarmos em conta o espírito de "Extinção", a justiça e a igualdade do norte se parecerão mais com a inveja e a violência do que com uma real aproximação. O justo olha para o outro controlando-o, reparando em cada ato, odiando para que ele não se torne um diferente. Não é à toa que este senso de controle tragam esta justiça e ao mesmo tempo a força de movimentos totalitários que estão sempre navegando abaixo da superfície destes países. Este me parece ser o ódio maior de Bernhard, esta falsa liberdade, a falsa sensação de inclusão, uma hipocrisia bem divulgada como bondade. Uma propaganda nazista, fantasiada de democracia. Amor possessivo, intolerante. Sinônimo de ódio. Em nenhum momento Murau parece ser amado, todas as suas relações são de crítica e reprovação.
Indo além do que está explícito no texto, "Extinção" me levou a uma reflexão que se distancia ainda mais da escrita: então qual é a saída, se Bernhard e sua geração niilista se juntaram a Schopenhauer e Nietzsche para falar da hipocrisia da humanidade como um cuidado de paciente com cancer terminal? Extinguir seu passado seria uma forma de criar um Novo Homem? Uma cura?
Murau parece ser um homem destruído. Um homem que quer apagar seu passado para ser o que ele realmente é. A natureza é cruel: Murau, como todos nós, é seu passado, e a superação se parece mais com uma utopia do que com um ato de legitimidade. Não há otimismo em sua prosa, há o caminho do abismo, e, quando muito, de reparação. Seríamos nós tão cristalizados, impassíveis de transformação? Vejamos por outro lado. Murau precisa de personagens e interlocutores em sua narração. Gambetti. Maria. Ele está o tempo todo falando para um outro ausente, que existe, mas que o acompanha somente em imaginação.
Afinal, quem é este Gambetti? Durante todo o livro, o narrado r está se referindo a um certo Gambetti, seu aluno que jamais aparece. Sem ação ou diálogo. Ele conversa com Gambetti, mas somente com uma narração dirigida a ele. São 473 páginas divididas em quase que um só parágrafo, sem experimentalismo ou hermetismo. Há densidade, mas não hermetismo. A leitura é fácil, desde que você esteja disposto a criar seus próprios limites. Dentro desta imensidão de reflexões e ideias, de odio à falsa objetividade da memória pela fotografia, Gambetti está presente como uma testemunha, ou alguém o qual Murau parece pedir a compreensão ou somente um julgamento. Gambetti parece ser somente um pretexto. Alguém que existia no universo de Murau, mas que era somente um pretexto. Sem pretensão à uma filosofia mais definitiva da existência, Bernard parece nos dizer que todo diálogo no fundo é um monólogo. É uma expiação e um caminho de saída pela palavra.É aí que tive a impressão que "Extinção" potencialmente não vive só de pessimismo. Se Bernahard não pensou, pelo menos eu tive a impressão de que em seu livro ele apontou a saída pela palavra, pela reflexão, intermediada pelo outro. Ele precisa de Gambetti mesmo ausente como confessor e como ponte, como uma transposição para a mudança. Para destruir, não precisaria da palavra. Nem da compreensão ou da narrativa. O outro, no caso Gambetti, seria o ponto de apoio para o mundoapós a extinção. Murau parecia se importar com a opinião de Gambetti, e se havia a preocupação, ele não poderia se extinguir por completo. Se não fosse assim, o pessimismo seria extremo, e somente sobraria para a humanidade, e seus contínuos erros imperdoáveis, uma contínua extinção.
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jota 21/04/2015

A ovelha negra de Wolfsegg
Professor de literatura alemã, culto, viajado, quarentão e solteiro, Franz-Josef Murau vive em Roma. Raramente visita Wolfsegg, o latifúndio paterno na Alta Áustria, onde nasceu e seus familiares permanecem aferrados às tradições. A região é, como ele mesmo diz, um reduto católico e nacional-socialista; seus pais abrigaram nazistas logo depois da guerra enquanto eram caçados em outras partes do mundo.

Franz-Josef Murau tem motivos de sobra para detestar a Áustria e os austríacos. Acima de tudo ele ama Roma e a Itália. Acha o alemão uma língua grosseira, vulgar mesmo, e muita coisa mais é assim também em seu país de origem, ele pensa. Pois bem: três dias após voltar da casa paterna, do casamento de uma de suas irmãs, ele recebe na capital italiana um telegrama comunicando que seus pais e o irmão faleceram num acidente de automóvel.

Esse fato desencadeia em Murau um fluxo de pensamentos e lembranças extremamente negativos que vai crescendo a cada página, de modo exasperante. Entende-se: ele tem de deixar sua amada Roma, voltar ao lugar que renega com suas mais profundas forças, reencontrar suas irmãs e o cunhado, sabendo ainda que várias personalidades locais e nacionais, todas detestáveis, estarão lá para as cerimônias fúnebres. Finalmente, terá de decidir o futuro da propriedade da família. E ficamos imaginando que tudo isso será devastador para ele.

Extinção está dividida em duas partes, O telegrama e O testamento. Cada qual contém apenas um imenso parágrafo em que as coisas ditas e pensadas pelo protagonista são repetidas à exaustão, como acontece em vários dos livros de TB, pelo menos naqueles que li. Em ambas as partes, na maior parte do tempo, Murau se dedica a maldizer os pais, os irmãos, outros parentes, a Áustria e quase todos os seus habitantes. Escapam a paisagem alpina, um tanto da arquitetura e um e outro artista do país.

Ele se revela respeitoso ou amoroso para com poucos: o tio Georg, irmão do pai já morto, que morava na França; Alexander, um primo envolvido em causas humanitárias que vive em Bruxelas e Gambetti, seu aplicado aluno romano; nenhum deles residindo na Áustria, portanto. Murau também diz amar fraternalmente alguns empregados da família, pessoas boas, simples, que conhece desde a infância. Com quem se sente mais à vontade do que se estivesse com gente rica, notável; alguns que foram seus colegas de escola e depois adultos se tornaram jardineiros em Wolfsegg.

Prosseguindo, Murau diz que um dia ainda vai escrever um livro ao qual dará o título de Extinção (igual ao do livro que estamos lendo) e nele contará, entre outras coisas, a história sofrida de um trabalhador das vizinhanças de Wolfsegg denunciado por outro vizinho, nazista, por ouvir uma rádio estrangeira durante a guerra, crime que pagará na prisão. Só que toda a história desses homens já nos é contada aqui mesmo, neste Extinção que estamos lendo (e algumas coisas somente serão conhecidas na última página do livro).

Simultaneamente, Franz-Josef Murau é e não é o próprio Thomas Bernhard. Murau é um personagem culto, denso, um tanto estressado, mas quem leu Origem – que não é uma biografia, mas os escritos autobiográficos de TB e que, ao contrário de Murau, era filho único e teve uma infância e juventude sofríveis – vai constatar que personagem e autor têm muito em comum, demais até, mesmo porque no fundo todo livro de um modo ou de outro acaba sendo autobiográfico. São muitas as pontes que se estabelecem entre Extinção (ficção) e Origem (relatos autobiográficos), também com outro grande pequeno livro de TB, O Náufrago. Ou, em outras palavras, esses livros todos dialogam bastante entre si.

Um trecho de Extinção sobre a política na Áustria de Murau: “Que criaturas abomináveis hoje detêm o poder (...). Os mais repulsivos e os mais sórdidos têm tudo nas mãos e estão prestes a destruir tudo o que seja de valia. (...) E tudo em nome do socialismo, com a hipocrisia mais repugnante que se possa imaginar (...). [Agem] sentados em seus traseiros balofos nas milhares e centenas de milhares de repartições em todos os recantos do Estado. (...) [O país está sendo] deliberadamente devastado e desfigurado, vítima de negócios pérfidos, no qual de fato a coisa mais difícil é encontrar um recanto intacto.” Poxa! Parece um retrato do Brasil sob o petismo, não? Murau falava da cena política austríaca dos anos 1980, mas certas desgraças, sob outras denominações, se repetem na história de tempos em tempos...

Não é somente a política, a religião, a educação, as artes ou as relações familiares e sociais que vão sendo detonadas por Murau ao longo das 476 páginas do livro. Pouca coisa escapa da mira de sua metralhadora giratória de censuras, críticas e insultos. Mas é bom deixar claro neste (enorme) resumo, para quem não leu a obra, que nada do que ele põe para fora – e repete o tempo todo, incansavelmente – seja produto de uma mente insana ou que venha à tona de forma gratuita. Não é nada disso, evidentemente.

Como destaca a editora brasileira de Extinção, ao ter de refazer a viagem recém-concluída, participar de rituais fúnebres que se repetem há séculos, Murau repete em palavras, extensivamente, a torrente de suas memórias. É o modo de que se vale para apagar qualquer vestígio que continue a ligá-lo à origem odiada. Ele diz a certa altura: "Estou de fato retalhando e dissecando Wolfsegg e os meus, aniquilando-os, extinguindo-os, e retalho e disseco dessa forma a mim mesmo, disseco-me, aniquilo-me, extingo-me". Portanto aqui está se falando de autodestruição. Extinção é basicamente sobre isso: autodestruição.

Depois de O Imitador de Vozes, O Náufrago, Origem e agora Extinção não espanta mais saber que TB não se matou, como imediatamente pensei após ler as pequenas histórias de O Imitador..., quase todas macabras. Ele morreu em decorrência de problemas cardíacos em 1989, aos 58 anos, deixando uma obra que o coloca entre os grandes escritores germanófilos do século XX. Gente do porte do tcheco Franz Kafka, do suíço Robert Walser, do búlgaro Elias Canetti, do austríaco Robert Musil etc.

Se no ano passado descrevi Origem como uma das melhores obras que alguma vez já tive em mãos, agora tenho igualmente de reconhecer o quanto apreciei Extinção - é um livro merecedor de cinco estrelas. Ou de dez estrelas, se essa nota fosse possível aqui no Skoob.

Lido entre 08 e 21/04/2015.
Thiago 21/04/2015minha estante
Ainda consegues respirar depois de toda a densidade dessa leitura?


jota 21/04/2015minha estante
Foi bom terminar, de fato - mas aquele final redentor compensou tudo o que veio antes.


Thiago 22/04/2015minha estante
Eu ri muito com o final, me deixou com um sorriso bobo até agora, de fato você definiu bem, um final redentor.


jota 03/01/2021minha estante
Li em 2015, depois troquei o exemplar e, arrependido, comprei outro para reler daqui a algum tempo (juntamente com Origem e O Náufrago, talvez os três melhores livros de Thomas Bernhard). Estávamos então sob o petismo, mas como o Brasil parece destinado a se perpetuar noTerceiro Mundo, agora estamos sob o bolsonarismo, mergulhados na ignorância, negação da ciência, terraplanismo e outros males. Tão nocivos quanto a roubalheira e a corrupção da esquerda...




Thiago 11/04/2015

Asco

Asco define bem todo o sentimento que Franz-Josef Murau sente pela cultura e sociedade austríaca e por complemento germânica, nada passa pelo crivo arguto e atilado do narrador: sociedade, literatura, religiosidade, língua, hábitos alimentares e claro política, poupando mesmo somente a paisagem, paisagem essa que ele tem como uma das mais belas que ele já viu. O livro é inteiro narrado em primeira pessoa, com parágrafos muito longos e dividido em duas partes, leitura de fôlego, em muitos momentos repetindo várias vezes a mesma frase, mas variando a forma no mesmo parágrafo, mas sem ser maçante, o que prova o grande escritor que é Thomas Bernhard . Com certeza uma das grandes obras do Século XX
Nanci 11/04/2015minha estante
Thiago, tenho esse livro na fila. Sua breve resenha é um incentivo pra ler Extinção logo.


Salomão N. 20/11/2017minha estante
Bernhard é um dos seus preferidos pelo jeito, hihihi.




Leonardo 14/03/2013

mar de palavras
Tome fôlego, respire fundo e submerge nesse mar caudaloso e revolto de palavras. Uma explosão de energia literária.
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