Gabriel.Maia 30/08/2022
Uma análise imparcial da idade média
Hoje em dia é muito fácil dizer que sonhamos em voltar no tempo e passar uns dias na idade média, já que a cultura pop, inspirada no romantismo, nos trouxe uma concepção muito deturpada dessa época. Tão errada quanto, é a visão renascentista de que a idade média foi a idade das trevas, uma era que só teve atrasos científicos e ideológicos e que todos os cidadãos eram muito infelizes com suas vidas simples. Hilário Franco nos traz uma visão bem mais imparcial sobre essa época tão contraditória da nossa história. Historiador especializado no período medieval, o autor nos leva em uma viagem aos tempos feudo-clericais e feudo-burgueses, passando por todas as fases da idade média e nos mostrando com detalhes como era a sociedade da época, dividindo o livro por temas: economia, religião, cultura, sociedade, entre outros.
A idade média com certeza foi uma época difícil para se viver, e, ao contrário do que pensamos, não era difícil apenas para os pobres camponeses, mas para todos que viviam naquele tempo. Era uma sociedade totalmente desinformada, lenta, descentralizada e fechada, o que fazia com que as informações demorassem muito para serem propagadas, e a igreja católica soube aproveitar muito bem o vácuo que o extinto império romano ocidental deixou na Europa pós século IV, sendo a maior protagonista nesses mais de mil anos de história. A igreja foi muito esperta ao monopolizar o conhecimento da época, permitindo que apenas os eclesiásticos tivessem acessos aos livros e às artes em geral, fazendo com que todos os camponeses, que eram a imensa maioria, ficassem dependentes deles e os admirassem como seres superiores dotados de uma inteligência inalcançável.
O livro nos situa muito bem, mostrando como os medievais pensavam, como se comportavam e como se relacionavam, deixando claro que não adianta tentar estudar a idade média (ou qualquer outro período) com uma mentalidade contemporânea, já que é muito fácil julgar as pessoas da época por atitudes que eram normais para eles mas que, para nós, são impensáveis. As sociedades medievais, em geral, eram estratificadas e não permitiam a mobilidade social, o que gerava um sentimento de aceitação por parte dos camponeses que só queriam trabalhar para poderem ir para o céu e viver suas vidas em paz, o que hoje podemos encarar como sendo ignorância total, mas para eles esse era o modo certo de se viver e precisamos saber analisar isso imparcialmente.
As diferenças de pensamento entre os humanos medievais e os humanos modernos/contemporâneos são notáveis, mas uma das que mais me chamou a atenção foi em relação à morte. Os medievais tinham uma relação amigável com a morte, sabiam que naqueles tempos difíceis ela espreitava em todo canto e com várias formas, mas mesmo assim eles eram tranquilos com relação a isso. Devido à forte religiosidade da época, eles acreditavam piamente que iriam para os braços de Deus após a morte e isso os acalmava, acabavam pensando na morte não como um castigo, mas como um descanso eterno em um paraíso cristão. Pensamento esse que mudou muito com a ascensão da burguesia e dos ideais renascentistas, que colocaram em cheque vários dos dogmas católicos e acabaram despertando mais curiosidade na população, além de aumentarem o poder de compra da população e consequentemente a qualidade de vida, fazendo com que os medievos quisessem viver mais e passassem a temer a morte. O século XIV também contribuiu muito para essa mudança de pensamento acerca da morte, em razão do alto número de mortes nesse período, devido à peste negra e às várias catástrofes climáticas, a população foi criando uma noção de morbidez, sensação que era desconhecida até então.
A história não acontece do dia para a noite. Uma mudança, se iniciada hoje, pode levar décadas, até séculos para ser vista efetivamente no cotidiano das pessoas, e esse livro nos mostra isso muito bem. São várias as heranças culturais, econômicas e políticas que nossa era tem da idade média, e apesar de tão contraditória, continua sendo uma das fases mais interessantes e curiosas da história humana.