Lit.em Pauta 08/09/2018
Literatura em Pauta: seu primeiro portal para críticas e notícias literárias!
—> Os exemplos estarão em inglês, por causa da leitura ter sido da versão americana.
"Mares de Sangue, segundo volume da série Nobres Vigaristas, dá continuidade ao desenvolvimento de seus dois personagens principais, Locke Lamora e Jean Tannen, focando em sua conturbada, mas calorosa amizade. No entanto, a mudança de direção temática para pirataria não recebe a mesma atenção, sendo prejudicada por uma estrutura narrativa problemática.
A trama do romance segue os preparativos do próximo grande golpe planejado pela dupla de vigaristas: roubar Requin, o maior mafioso da cidade de Tal Verrar, que organiza com punho de ferro um cassino em uma torre sinistra. No entanto, mais forças da cidade possuem outros planos para Lamora e Tannen, levando-os a partir em uma viagem em alto-mar e engajar com piratas.
A frase que abre o livro já explicita bem seus elementos principais: “Locke Lamora stood on the pier in Tal Verrar with the hot wind of a burning ship at his back and the cold bite of a loaded crossbow’s bolt at his neck.”, situando o protagonista num cenário específico, prevendo a temática de pirataria com o navio em chamas e informando sobre o perigo iminente com a ameaça da besta. Poucas páginas depois, o próprio corpo de Locke é comparado às partes de uma embarcação (“His ribs stood out beneath his pale skin like the hull timbers of an unfinished ship”), tornando a imagem anterior ainda mais agourenta. Para piorar a situação do personagem, o romance também se inicia com uma possível traição de Jean, marcando um terrível golpe para ele.
O tema de Mares de Sangue certamente é a relação entre Lamora e Tannen, desenvolvendo sua união e mostrando seus diversos desentendimentos. No início, por exemplo, quando o protagonista está amargurado devido aos eventos de As Mentiras de Locke Lamora, Jean não mede esforços para conseguir revitalizar seu companheiro e fazê-lo recobrar a vontade de viver. O próprio Locke explicita a importância vital de Jean em sua vida: “Gods help me, I will never be better off without you.” As desavenças entre eles ganham destaque, portanto, por servirem como dicas para a motivação da traição, da mesma forma com que sua amizade continua sendo considerada uma fragilidade num submundo perigoso e inescrupuloso que não hesita em usá-la contra eles: “If either of you causes any trouble, I’m instructed to punish the other one”, os ameaçam em determinado instante. Por outro lado, os laços que os prendem servem como um contraponto positivo, visto que um funciona como âncora para o outro em meio a tanta atrocidade. Já seus insultos divertem pela frequência e pela criatividade: “You might still be a lying, cheating, low-down, greedy, grasping, conniving, pocket-picking son of a bitch”.
Como o título original do romance revela, Lynch continua trabalhando com a simbologia do vermelho como sinalizador de perigo: “Red seas under red skies” aponta não uma, mas duas fontes de perigo, refletindo a estrutura do livro. Pois, assim que os preparativos para o golpe em Requin estão sendo finalizados, a dupla é sequestrada e feita refém por um inescrupuloso político, que representa o segundo obstáculo que precisam superar. A própria cidade de Tal Verrar também trabalha com essa conexão com cores, sendo chamada de A Rosa dos Deuses, enquanto as perigosas vespas que os dois encontram em determinado momento possuem uma coloração avermelhada brilhante e o próprio navio que as transportam para Tal Verrar, e no qual Locke e Jean eventualmente partem para o alto-mar, completa o aviso, chamando-se o Mensageiro Vermelho.
Locke é um personagem curioso. Apesar de roubar e aplicar golpes, ele é gentil, torce sempre para o mais fraco e tem um senso de justiça social aguçado. A narrativa, entretanto, pesa a mão nesse último elemento, inserindo uma cena absurda, digna da série de filmes The Purge, quando o garoto se depara com nobres e comerciantes ricos jogando um jogo de tabuleiro com peças humanas (obviamente composta por pessoas miseráveis, que não ter onde dormir e muito menos dinheiro para comer), que aceitam ser humilhadas e torturadas física e psicologicamente sempre que são sacrificadas no jogo: “At the Amusement War they can do exactly what they want to do to the poor folk and the simple folk. Things forbidden elsewhere. All you’re seeing is what they look like when they stop pretending they give a damn about anything.” Tornando a cena ainda mais exagerada em sua alegoria política, a violência social não somente é tratada de forma mundana, como também comercializada, com leilões entre os privilegiados para decidir quem terá o direito de escolher a punição adequada – leilão em que até crianças participam, estimuladas por seus pais vestidos em tons de vermelho e ouro. Esses mesmos personagens ganham até espaço para se justificar, apoiados em uma noção de meritocracia religiosa, afirmando que aquelas peças estão lá por culpa e inabilidade delas mesmas: “That’s life, under the gods, by the will of the gods. Perhaps if they’d prayed harder, or saved more, or been less thoughtless with what they had, they wouldn’t need to come crawling here for Saljesca’s charity. Seems only fair that she should require most of them to earn it”. Trata-se de um capítulo inspirado, mas graças ao seu exagero, na forma de um sadismo puro e sem controle, ele foge do tom do restante da narrativa."
Participe da discussão, lendo a crítica completa em:
site: http://literaturaempauta.com.br/Livro-detail/mares-de-sangue-critica/