Desde que li o outro livro da autora que estava ansiosa por mais uma história dela e quando saiu O Conto da Deusa fiquei extremamente feliz porque era uma história que fugia do padrão thriller policial da autora e ainda trazia a rica mitologia japonesa para o foco. A história apresentada pela premiada autora Natsuo Kirino mais uma vez surpreende pelo tom vertiginoso e pelo clima sombrio, não se encaixa na fantasia como eu imaginei, e sim em um triste conto de amor, perda e dor, é mais uma tragédia do que qualquer outra coisa. Conheçam.
A história começa na pequena ilha em forma de gota de lágrima, na voz na Namina, uma pequena garota que cresceu agarrada a sua irmã. Na ilha as tradições eram tudo, e com seu pequeno território todos respeitavam o Oráculo. A avó de Namina e Kamiku é a atual Oráculo, e em Kyoido a leste é onde ela realiza os ritos e ninguém mais pode entrar. No oeste está o Amiido, a região dos mortos onde ninguém pisa. Namina era feliz, mesmo com a pobreza, até o dia que Kamiku foi levada por sua avó. Ela se tornaria a próximo Oráculo e para piorar todos na ilha insistiam em chamá-la de impura, a partir daquele dia ela jamais deveria olhar para sua irmã, jamais dirigir a palavra a Kamiku. Namina nunca entendeu, e quando sua mãe a incumbiu de levar o almoço de Kamiku a cabana de sua avó ela ficou feliz de poder ver a irmã, mas nem assim conseguiu. Namina não entedia como o povo da ilha passava fome enquanto tamanha iguarias eram levadas para Kamiku, muitas vezes ela não comia e tudo era jogado para o mar intocado. Namina nunca pensou em desrespeitar a regra, mas quando anos depois Mahito, um rapaz de uma família em dificuldade pediu para levar os restos de Kamiku para sua mãe doente, Namina não resistiu em ajudar. Namina e Mahito começam a se ver, mesmo sabendo que o caso deles é proibido. Quando sua avó morre subitamente e Kamiku se torna a Oráculo um destino cruel aguarda Namina. Arrastada de sua vida ela finalmente entende o que disseram sua vida inteira sobre ela ser o oposto de sua irmã. Destruída com seu destino, mal sabe Namina que o pior ainda está por vir. Uma traição que arrasará com o resto de sua vida, lhe enviando para um caminho sem volta e eterno.
É a partir dessa premissa que a história se desenvolve e devo dizer que diversas vezes fiquei chocada com a crueldade na vida de Namina. É atordoante acompanhar o desenrolar de sua história, a cada capítulo uma nova surpresa chocante, e a narrativa em primeira pessoa só trouxe mais angústia ao leitor que acompanha tudo com a sensação de mãos atadas. A mitologia é riquíssima, e a lenda das duas irmãs é perfeita para o estilo de Natsuo Kirino. Da total inocência ao pior sentimento expressável. Natsuo Kirino com sua escrita mordaz mais uma vez leva o leitor através de uma trama nua e crua, uma história reimaginada com destreza e que fascina apesar da dureza.
A ambientação é belíssima, com descrições cuidadosas a autora consegue a vividez necessária, sem deixar o lado feio da ilha de fora, a pobreza, o preconceito e a rigidez dos costumes que ditam vidas. Um contraste forte que enriquece ainda mais a história. O rumo da história não é o que eu esperava, e desde o começo do livro é uma sucessão de acontecimentos fortes, traiçoeiros e que dói o coração do leitor. A história é belíssima, mas dura, mostra o lado difícil da vida. Lembrando que o Japão viveu muitos séculos sob a tradição dos deuses, e pequenas comunidades seguiam de forma tão dura quanto a ilha de Namina os costumes. Só de imaginar algo semelhante na realidade já arrepio. Isso é apenas a primeira parte da história, porque o destino de Namina é mais surpreendente ainda depois dessa parte. É ai que conhecemos os segredos da vida de Izanami, a deusa do mundo subterrâneo. Entrelaçando as duas pontas de forma única a história nos surpreende e emociona, com um fim inesperado e que faz jus a toda a história. Sem ilusões ou perdões.
Leitura que flui em um ritmo próprio, que instiga pelo inimaginável, interessante e marcante, a história apresentada por Natsuo Kirino é um ponto refrescante no meio de tantas histórias comuns. O modo como ela reconstrói a lenda da mitologia japonesa é respeitoso, e sua veia realista e sombria serviu bem a história. A edição da (...)
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