Portal Caneca 10/11/2014
Nunca fui de ler livros infantis mesmo. Geralmente, os livros que pegava para ler quando criança eram, no mínimo, infanto-juvenis, quando não, lia ficção científica, romances policiais, algo assim. Mas, de uns tempos para cá, acabou que meus hábitos de leitura mudaram, em parte pelas novas parcerias que o Portal Caneca tem conseguido, em parte porque, sei lá, resolvi mudar.
Foi assim que acabei lendo um livro chamado Minha Vez de Brilhar, lançado pela Editora Novo Conceito, sob o selo #Irado e escrito pela linda Erin E. Moulton.
Confesso para vocês que a primeira impressão que tive desse livro não foi das melhores. E isso aconteceu não por achar que ele fosse ruim ou algo do tipo, mas sim porque, num primeiro momento, ele me pareceu o típico livro de menininha. E sim, eu sei que isso soa preconceituoso. E essa foi, justamente, uma das experiências mais legais que tive ao ler o livro da Erin: a da quebra de preconceitos.
Inevitavelmente, sempre que vamos a uma livraria, biblioteca ou algo do gênero, não escolhemos livros por sabermos qual a história contida nele, mas por aquilo que ele, numa primeira análise, nos transmite. Literalmente, julgamos o livro pela capa. E foi isso que fiz com Minha Vez de Brilhar.
O livro, que vem impresso numa brochura com capa dura, tem seu título impresso em letras com efeitos holográficos, aliás, fazendo jus ao título da história. O nome da autora vem impresso em um tom de rosa um tanto quanto extravagante e a imagem de fundo é uma pessoa segurando uma estrela-do-mar em direção ao céu onde, paralelamente, uma estrela brilha. Bom, isso me pareceu mesmo um típico livro de menininha.
Mas não é!
Na verdade, Minha Vez de Brilhar surpreende pela simplicidade com que leva a história. Por ser um livro voltado mais para o público infantil, tem uma linguagem mais solta e fluída, o que permite a boa compreensão e assimilação da história. A narrativa, por sua vez, não é a das mais complexas, mas cumpre bem o papel moral que a história criada por Erin E. Moulton carrega. O livro contém 288 páginas, não sendo um livro grosso demais, nem fino demais. Eu, por exemplo, o li em um dia, mas mais pelo envolvimento com a narrativa, do que pelo tamanho dele.
Não espere uma história fantástica, cheia de mistérios e aventura. Minha Vez de Brilhar é uma história até bem realista (apesar de presa a um universo particular). Ainda assim, temos uma história doce e adorável.
Tudo acontece numa pequena cidade chamada Plumtowm, na qual acompanhamos a vida de Indie Lee Chickory, uma menina prestes a terminar a quinta série (sexto ano, para os brazucas), irmã mais nova de Bibi, a jovem aspirante a atriz.
Indie e Bibi são filhas do Sr e Srª Chickory, ele pescador, ela jardineira. Nas palavras da própria Indie, seu pai é o melhor pescador de toda Plumtown e é quem captura mais lagostas. E aqui entra a Monty Cola, uma lagosta dourada muito rara e que, segundo a própria Indie, só é encontrada uma em cada 30 milhões de lagostas comuns. Por causa disso, os Chickory criam a Monty Cola como um animal de estimação qualquer, afinal, não é todo dia que se acha uma lagosta dourada. No entanto, certo dia, ao ir para a escola, Monty Cola se esconde na bolsa de Indie sem que ela perceba. Ao chegar a escola, a menina percebe a presença de Monty e decide voltar para casa para colocá-la no aquário em segurança. Quando então, a perde no meio do caminho.
A partir daqui, toda a trama se desenvolve, na qual Indie tenta voltar a ser amiga de sua irmã, já que esta anda evitando-a. E, paralelamente a isso, a menina tenta resgatar Monty Cola e, por causa disso, acaba fazendo amizade com Owen, um menino que havia se mudado temporariamente para a cidade e vivia com sua tia, uma aderecista no teatro local.
Indie e Owen se tornam melhores amigos, talvez por acaso do destino, ou simplesmente por afinidade. O fato é que, tanto ele quanto ela são duas crianças, de certo modo, deslocadas do resto da sociedade. Owen é o menino nerd, isolado do mundo e imerso em conhecimento, com o qual, aliás, consegue saber o nome científico da Monty Cola (aurum Homarus Americanus, para quem tenha curiosidade). Indie é a menina peixólatra, como ela mesma diz, que sabe tudo sobre peixes e lagostas e que não se importa em andar com o cabelo bagunçado ou vestindo calças de carpinteiro.
E é assim que ambos se juntam para procurar Monty Cola e formam uma amizade pra vida toda. Mas, como nem tudo são flores, Bibi e suas amigas do teatro (onde Indie passou a trabalhar numa tentativa de se aproximar de sua irmã) começam a pressionar nossa Indie, para saber se ela tem andado com Owen.
Daqui em diante, já não posso falar muito sem dar spoilers importantes da história. Mas, posso dizer que é aqui que Erin E. Moulton conseguiu me chamar a atenção. Quando começamos a leitura, Indie até nos é apresentada como uma garota bem deslocada, mas isso é feito de forma tão natural que você nem se dá conta disso. Até mesmo pelo fato de que a própria Indie parece lidar muito bem com essa estranheza do mundo em relação a sua pessoa. Entretanto, o mesmo não ocorre a partir do momento em que somos apresentados a Owen, o garoto nerd e esquisitão do qual ninguém parece gostar.
E nesse vai e vem de personagens, somos apresentados a outros tão diferentes e únicos (como a Sloth, a punk-vegana pela qual me apaixonei rs) que ilustram tão bem a diversidade da natureza humana.
Penso eu que este foi o maior trunfo da autora em Minha Vez de Brilhar. Apesar de simples, a história nos faz refletir sobre nossa natureza e identidade, aquilo que somos e aquilo que a sociedade quer que sejamos. Indie é a menina que só quer ser aceita por sua irmã, mas isso acaba lhe fazendo com que ela deixe de aceitar a si mesma. E isso gera consequências desagradáveis e até desastrosas. Owen só quer ser aceito por seu pai e isso acaba lhe fazendo ver a si mesmo como um desastre quando, na verdade, não é. Bibi, por sua vez, quer elevar seu status no grupo de teatro, mas isso faz com que ela acabe machucando as pessoas que realmente se importam com ela. E eu poderia citar outros exemplos aqui, mas isso não explicaria toda a beleza da história.
Claro que nenhum livro será perfeito. E esse, como qualquer outro, não escapa a isso. Gostaria que a Erin tivesse desenvolvido um pouquinho mais essa questão do dilema entre imagem pessoal e imagem social. Acho importante histórias que trabalham com isso, ainda mais numa sociedade tão excessivamente exploradora da beleza da imagem. Além disso, gostaria que ela tivesse dado um desfecho mais, digamos, intenso para a história entre Indie e Owen. As brigas entre Indie e Bibi foram tão legais e cheias de dramas, mas quando chegou no dilema com Owen, acho que ela correu demais com eles dois. Owe é um personagem tão lindo e fofo e ela simplesmente suprimiu a beleza dele no fim.
Independentemente disso, o livro é realmente encantador e vale muito a leitura. Para todos que gostam de se surpreender com novas experiências literárias, fica a dica.
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