Fabio451 03/06/2023
Agradavelmente surpreendente
Uma de minhas leituras mais agradavelmente surpreendentes de 2022 foi este livro chamado “18 dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush”, que trata, obviamente, do período de transição entre o final do governo FHC e o início do primeiro governo Lula, e os naturais desafios da mudança de um governo de centro direita para um governo de centro-esquerda, mas mais do que isso, faz um apanhado histórico do posicionamento diplomático brasileiro nos últimos 50 anos.
O principal objetivo com essa aliança durante o período de transição governamental entre dois partidos historicamente adversários, como o próprio subtítulo deixa explícito, consistia no objetivo de convencer os EUA – à época o maior parceiro comercial brasileiro e maior superpotência global inconteste – em acreditar e apoiar o Brasil, deixando de lado o seu tradicional posicionamento aversivo a qualquer governo de orientação política de esquerda surgido na América Latina. Não era uma tarefa fácil, alias. A história americana está repleta de exemplos em que os EUA utilizaram de sua posição econômico-militar e sua peculiar visão de observar a América Latina como um quintal de seus interesses para sistematicamente saquear, desestabilizar, intimidar, sabotar e derrubar qualquer governo minimamente resistente aos interesses imperialistas estadunidenses.
Mas digo que o livro foi agradavelmente surpreendente por trazer muito mais que somente isso. O livro faz um resumo dos anos anteriores ao governo FHC e traz bastante elementos referentes às suas políticas e posicionamentos durante os 8 anos de duração de seu mandato, os sucessos e insucessos, especialmente destacando o viés diplomático e o desgaste natural do governo ao término do período, tanto com a população, a imprensa e demais países e parceiros. O texto do autor aborda também – ainda que de maneira mais breve e sem tanto aprofundamento – as relações diplomáticas brasileiras com outros países relevantes, como a China (que ainda não era a superpotência atual, mas já se encontrava em vias de vir a se tornar), a Argentina, que (apesar do que acham algumas pessoas) é um grande parceiro comercial do Brasil, e também com nações do Bloco Econômico Europeu.
Existem dois pontos principais interessantíssimos a ressaltar: o primeiro é que – como já mencionei anteriormente – o livro aborda muito a questão diplomática e para quem se interessar pelo assunto, essa obra é um prato cheio, abordando a diplomacia brasileira desde meados da década de 50, passando pelo final do período Vargas, a ditadura militar e chegando à redemocratização e os desafios para o futuro pensados naquele já longínquo ano de 2002. Trata de momentos importantes da diplomacia mundial, períodos de crise e desafios enormes, especialmente ao se considerar todo o intrincado e complexo pano de fundo da guerra fria acontecendo, apresentando técnicas e abordagens dos governos e diplomatas brasileiros nesse período. Trata-se de um relato impressionante e cheio de detalhes que cativa com uma escrita profissional e nem um pouco cansativa.
O segundo e mais importante ponto, especialmente ao olhar para o Brasil agora, 20 anos depois, é o quanto impressiona a colaboração existentes entre dois partidos fundamentalmente rivais. PT e PSDB haviam disputado até aquele momento 4 eleições presidenciais e eram vistos como posicionados em lados diametralmente opostos no espectro político brasileiro. Ainda assim, porém colaboraram mutuamente, com o governo tucano abrindo as portas para todos os líderes petistas e os apresentando todos os aspectos do governo, contribuindo ativamente para que o país continuasse progredindo, incluindo aí o período de preparação e aproximação com os EUA que constituem os 18 dias que serviram de base para o título do livro, no qual os ministros e o próprio FHC não somente convidaram como trabalharam próximos aos principais integrantes do futuro governo petista durante essa aproximação e abordagem junto aos americanos . Parece uma atitude inexplicavelmente desapegada ou pouco preocupada em expor a um grupo adversário os meandros do tortuoso rio que é a governança de um país grande e complexo como o Brasil, mas, na realidade é o mínimo que se espera em um momento de transição governamental. Nós, com os olhos de 2023 enxergamos com estranheza devido a radicalização da polarização atual, e vendo como foi o processo de transição governamental no final do ano passado (ainda que muito menos dramático e atravancado como se imaginava anteriormente às eleições), é de se admirar a civilidade e a seriedade com que os envolvidos abordaram esse processo em 2002. Aqueles personagens – todos eles – foram verdadeiros patriotas que pensaram no bem do país. Deixaram as diferenças partidárias e ideológicas de lado para se portarem como democratas que visam somente servir de forma correta e produtiva a seu país. Li em uma resenha sobre esse livro que este foi o melhor período da democracia brasileira, e tendo a concordar fortemente, ainda que fosse à época um adolescente com hormônios em ebulição. Foi um período muito especial da política brasileira, em que se olhava para o futuro do país de forma conjunta e todos os lados políticos almejavam somente o desenvolvimento do Brasil. Um exemplo a ser resgatado. Pena que o PSDB da época, tão necessário e relevante para o bom funcionamento da democracia brasileira foi corroído por vaidades e intrigas pessoais internas e hoje encontra-se moribundo, se apegando ao extremismo golpista para tentar sobreviver.
Uma frase em especial, presente no livro, merece ser destacada ao final dessa resenha, por resumir bem o sentimento que o livro – e o período vivido à época:
“Quando Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial a Lula, foi a primeira vez que um presidente eleito pelo povo empossou um sucessor de oposição, também escolhido nas urnas, e este, por sua vez, completou o mandato sem morrer, renunciar ou ser derrubado por um golpe”.
Triste é pensar que, passados 20 anos desse momento, este ainda continua sendo o exemplo único dessa civilidade democrática tão necessária para o crescimento e desenvolvimento da nação. Nota 4,5/5.
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