Rub.88 08/10/2019Correio EleganteCorreio Elegante
Desde a utilização mais pratica e menos experimental do motor a vapor, essa tecnologia impulsionou a humanidade, num relativo curto período de tempo, a uma qualidade de vida significativamente melhor. A revolução industrial teve seus grandes problemas humanísticos e ambientais, mas sem ela a fome e as doenças seriam insuperáveis e não teríamos ferramentas para combatê-las. E houve também a expansão cultural com a possibilidade de viagem mais longas e mais rápidas usando barcos e a locomotiva. O Steampunk, subgênero da ficção cientifica, trabalha basicamente na utilização diversificada de maquinários movidos pela força do vapor e a transformação subsequente dessas “facilidades” na sociedade. E o papel imaginativo do autor e de ignorar alguns problemas técnicos como a impossibilidade de muita miniaturização dos apetrechos que logicamente não aguentariam a pressão da agua em constante ebulição. Se faltar praticabilidade, a fantasia cobre a falha. E eu fico mais com a fantasia em casos assim.
O livro A Lição de Anatomia do Temível DR. Louison de Enéias Tavares, me desculpe ou não, mas não é uma estória Steampunk. Os pré-requisitos não são respeitados. O maquinário cheio de engrenagens, barulhento e que solta fumaça é muito subutilizado. Praticamente nada de importante ou relevante acontece devido à tecnologia rudimentar. Parece que escritor se lembra, em alguns mínimos momentos, que tem que colocar esses elementos para enquadrar o enredo nesse gênero rico. Quando vejo isso, em qualquer mídia ficcional, uma passagem sendo inserida sem mais nem menos, traduzo como sinal de má qualidade. Se for gratuito fique esperto, pois tem defeitos.
O romance é construído em missivas, que não são missões, e sim cartas, recados, telegramas, depoimentos gravados em áudio e depois transcrevidos, diários e laudas processos. Isso significa que cada capítulo tem uma voz diferente? Não! Tudo é escrito escorado no romantismo, estilo literário do século 18 e 19. Os personagens, tirando talvez dois, falam, ou melhor, escrevem empoladamente. Trocam elogios infinitos, promessas de amor eterno, maldições e vitupérios difíceis de compreender. Prolixos, afetados e convencidos.
O enredo é sobre os crimes do doutor Louison, que nome, e suas motivações. Não há investigação em nenhum nível. O responsável pelo caso policial, em uma única conversa sente que o suspeito é o executor dos desaparecimentos de figuras notórias da fictícia cidade de Porto Alegre, ano 1911. O prende e depois busca a provas. Não a corpos, mas desenhos de partes que o bom doutor iria expor para apreciação pública. Incrivelmente as pinturas podiam identificar um braço ou um coração dos sumidos. E isso é pobremente descrito no livro.
Os personagens são estranhos e deslocados. Um jornalista impressionável. Um trio de jovens mulheres que comandam um lupanar, eu tive que usar essa palavra, ao estilo francês. Integrantes de uma sociedade tão secreta que todos falam dela nas suas correspondências. Um médico alienista, que cuida de um hospício e não de ETs, que é racista e tem conhecimentos científicos baseados em coisas de ponta com frenologia. Uma mulher negra que nasceu livre, mas com pais ainda escravos que passou por trauma enorme. E as vitimas do doutor que são sádicos e depravados, porém tem pouco espaço nestas paginas. Duas coisas marcam bem esse livro; o anacronismo e a eufonia.
A estória não seria tão ruim se não fosse tão sacrificada pelo estilo estético e linguístico. No capítulo derradeiro o escritor ainda faz uma mea culpa sobre a confusão que a construção da narrativa é.
Para me deixar ainda mais feliz tem um poema no final. Um Poema. Pelo seu madruga...
Isaac Asimov escreveu uma vez numa coletânea dele, onde havia contos e depois uma breve analise e comentários sobre a época que foi escrito, que se tem que tomar cuidado com títulos longos. Que isso pode parecer uma síntese absoluta da estória e como uma armadilha se mostrar falsa. Não a lição de anatomia em A Lição de Anatomia do Temível DR. Louison.
Eu já li livro piores, mas nenhum tem a capa mais mentirosa que essa...