z..... 21/12/2018
Pensei que o lobisomem tomasse parte incisiva no livro, como antagonista do coronel e personagem fundamental, atraindo expectativas em terror e suspense. Ele está presente, mas numa proposta de valorização da cultura regional, no imaginário que determina a visão de mundo. Neste, Ponciano é a pessoa mais representativa, mais influente e mais carismática, materializando o poderio do coronelismo de outrora. O lobisomem, em paralelo, é um dos maiores terrores do imaginário, contribuindo assim para a imagem destacada do coronel, que tem histórias de encontro com o bicho.
O sujeito é um tipo folclórico até na aparência diferenciada (barbudo com cabelo de fogo do alto de quase dois metros) e é admirado pela postura justiceira, potencializada por histórias contra injustiça desde a mocidade (como a lição no valentão em um circo de cavalinhos) e pelo imaginário que o cerca (narrativas de encontro com onça braba, sereia, assombração e, obviamente, o lobisomem).
Contribui também para a projeção o texto um tanto narcisista, em que Ponciano é o narrador. A leitura é atrativa no regionalismo, uma diversão à parte, com expressões que lembram a riqueza coloquial do cordel. Gosto muito dessas abordagens, reconhecíveis no contexto onde vivo, e registro algumas delas: "pedir costela", "coxão fornido, capaz de aguentar os repuxos", "toda ensabonetada", "bojudo assento" e uma diversidade de outras visões inusitadas e curiosas na definição de mundo.
Nesse campo linguístico, valeu muito também a descoberta de uma palavra, nova para mim, que o coronel usa em várias ocasiões. Pensei que seria neologismo, mas é um verbo refinado e gostei do significado e sonoridade. Não sei os amigos, mas eu não conhecia obtemperar. Sem obtemperação, se vire nos trinta se quiser saber que raios é isso (que gostaria de ter como virtude).
O cenário de percepções arcaicas e remotas, que remetem a um país de tradicionalismo em superação no avançar do tempo, fica muito evidente no segundo momento em que o coronel vai morar na cidade. Os medos, as ambições, as disposições que permeiam o local valorizam outra realidade, onde sobressaem politicagem, ambição pelo dinheiro, esperteza, materialismo mais evidente na visão de mundo. Coronel Ponciano sobressai por um tempo, até sucumbir em estilo de vida fora de seus ideais. Derrota financeira, em status e até na outrora admirada percepção da realidade. O final, na poesia do que o alavancava, apesar de triste, resgata um pouco de sua sobriedade e imponência.
O livro centra o homem em sua visão de mundo. É interessante, gostei e tinha expectativa de um pouco mais de surrealismo.