Higor 07/07/2016
Lidando (ou não) com as consequências do passado
A até então mais antiga coletânea de contos de Alice Munro publicada no Brasil - é a quarta que ela escreveu - já mostra o potencial da autora que seria reconhecida mundialmente apenas na sua terceira idade.
Antes de tudo, devo deixar bem claro que falar sobre contos é algo difícil, afinal, temos histórias curtas, que nos apegamos facilmente aos personagens e damos adeus mais rápido ainda. Acompanhar um conto é como interagir um dia com uma pessoa que você nunca viu e provavelmente nunca mais vai ver, e daí o preconceito em ler tal gênero, mas é um trabalho bem complicado o de contar muitas histórias pequenas e fazer com que o leitor não se esqueça dela, e nossa laureada consegue tal feito com muita competência.
Todos os contos apresentados nesta coletânea são bons, é preciso deixar bem claro, mas, no decorrer da leitura, eu sentia falta de algo, um detalhe inexplicável que poderia abrilhantar ainda mais a história, como se, embora fosse abordado o mesmo assunto em maneiras totalmente diferentes, alguns contos se encaixariam melhor em outra coletânea – embora este seja o meu primeiro contato com Munro.
Aqui a autora aborda mulheres que vivem consequências de um passado quase sempre ruim, em que uma área da vida foi afetada, seja o relacionamento com o marido, com os filhos, ou até mesmo a amizade do título.
O melhor conto, disparado, é 'Amiga de juventude', em que a narradora conta a história de sua mãe, que teve a vida mudada ao morar junto com as irmãs Grieves. A história aparenta ser boba, apesar de elementos interessantes, mas o desenrolar é surpreendente.
Aliás, toda a coletânea é surpreendente em um contexto geral, pois percebemos que Munro pega um fato e um sentimento e trabalha de maneira magnífica, mostrando como ele permanece numa pessoa por anos, e como lidamos em guardar estes sentimentos bons ou ruins, ou quando eles, adormecidos, são subitamente despertados. Imprevisibilidade. Uma delicia de se acompanhar.
Histórias como 'Aperte-me forte, não me deixe ir' e 'Ah, de que serve'', embora não sejam necessariamente ruins, não têm o brilho, a vontade louca de se acompanhar o desfecho. São histórias, sim, com conteúdo, mas que no decorrer do caminho cansam ou não despertam tanto a curiosidade.
De maneira geral, a coletânea é sim, muito boa, e já estou me preparando para ler Falsos Segredos. A autora, em 10 histórias, mostrou suas intenções incríveis, e que com certeza mexerá com o leitor ao abordar outros assuntos - igualmente, ou até mais interessantes.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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