Henrique Fendrich 05/09/2019
Fabrício Corsaletti e a nova crônica paulista
Houve um tempo em que se associava o melhor da crônica brasileira à cidade do Rio de Janeiro. Embora hoje o gênero já esteja muito bem representado por todo o Brasil, parece que boa parte dos melhores cronistas da nova geração se concentra em São Paulo. É de lá que escrevem nomes como Antonio Prata (37 anos), Vanessa Barbara (32 anos) e Fabrício Corsaletti (36 anos). Este último, aliás, está apresentando suas credenciais só agora, quando lançou o primeiro livro de crônicas – o consistente “Ela me dá capim e eu zurro” (Editora 34).
Escrever em São Paulo também é, muitas vezes, escrever sobre São Paulo, seus cenários e seu comportamento urbano. No caso de Corsaletti, também há uma certa predileção pelos temas culinários (ele faz uma bonita defesa do Mercado de Pinheiros, enaltece as padarias de São Paulo, teoriza sobre o cuscuz paulistano e contempla churrasqueiras que encontra pela rua). Também os bares e a tavernas se fazem presentes enquanto o cronista se desloca pela cidade, observando, aqui e ali, tipos curiosos da vida paulistana, como a professora de jazz na Augusta, o sujeito vestido de Elvis que encontra na rua, ou o homem que queria trocar o seu olho de vidro por um melhor.
Mas nem sempre esta foi a São Paulo na qual o cronista circulou com naturalidade. Ele veio do interior e por alguns anos morou com os primos em uma república na Vila Mariana. Nela levava um vida inconsequente, rememorada em diversas crônicas à medida em que o cronista tenta, sem sucesso, se convencer de que agora vive uma vida melhor. Carrega consigo a lembrança daquele tempo, como também vem cumprindo a promessa de não esquecer o que viveu sonhou no sítio de seus pais.
Corsaletti consegue reunir em suas crônicas um pouco de tudo o que se costuma valorizar no gênero. Assim, além da memória, também se fazem presentes ironias leves, a tradicional metalinguagem, o diálogo rápido e certeiro, o tom melancólico de quem notadamente admira Rubem Braga. Como no caso do cronista capixaba, as suas crônicas, em geral, não são fechadas, isto é, não são argumentações lógicas e coerentes conduzindo a um desfecho programado. O cronista escreve sobre o que se lembra de escrever, e no espaço que lhe coube para isso – nem que isso signifique deixar a crônica “pela metade”, como chegou a brincar.
Também são muitos os textos em que pouco acontece – característica fundamental da crônica braguiana. É especialmente bonito o texto em que faz a descrição de uma manhã e o seu momento de lucidez, ou quando fala do seu fascínio pelas janelas acesas, ou ainda a esperança diante do céu do final de um outono – Corsaletti cronista ainda é o poeta.
São características que fazem deste livro de estreia um postulante à lista de melhores do gênero em 2014 e que merecem fazer com que seja mais conhecido fora de São Paulo.
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