Bruno 29/07/2014Foi um bom jogo!Apesar de ter publicado um clássico como O jogo da amarelinha, o qual ainda estou para ler, Julio Cortázar é bem mais conhecido por sua proficiência como contista. Tendo escrito tanto contos quanto sobre contos (lembro-me de ter lido algo a respeito em Valise de cronópio), pude ver nesse primeiro contato com a prosa do autor que ele sabe a que veio. Um livro já há tempos esgotado no Brasil,
Final do jogo, relançado neste mês pela Civilização Brasileira, é um livro e um joguete: divididos em três níveis temos dezoito contos do autor, ordenados mais ou menos por dificuldade.
“Cada nível é medido pelo esforço de compreensão que se deve fazer para crer em cada um dos contos do autor”, explica a orelha. Assim, começamos pelo ‘fácil’ “Continuidade dos parques”, de apenas três páginas mas que já dá o tom da obra e da coleção de Cortázar, com uma proposta simples, uma linguagem nem tanto mas nada muito complicada, e um desfecho que me deixou, ao final, com um belo sorriso. Fui surpreendido.
Sinto que estou tomando um gosto pela leitura de contos, pouco a pouco, desde que os experimentei a sério com
Dublinenses. Assim como no livro de Joyce, temos as histórias melhores, as não tão boas, as indiferentes; mas o nível se mantém bom durante toda a coleção, apresentando uma coesão que me manteve na expectativa de ler o próximo e me surpreender positivamente.
É natural que tenhamos nossas preferências durante a leitura de múltiplas histórias curtas como contos, e que uns acabem nos conquistando mais. Na minha última resenha,
Geração subzero, isso ficou bem evidente: uns que adorei, outros que desgostei. Não tem problema nenhum que algumas falhem em nos engajar, desde que se mantenha um nível aceitável, uma coesão interna de estilo, trato, nível de história, quiçá gênero. Claramente é mais fácil fazê-lo de maneira convincente em uma coletânea de um autor único, ainda mais quando a seleção e ordem são feitas pelo próprio escritor: quando há um pensamento por trás da obra final.
Seu resultado é visível em
Final do jogo. Cortázar, em seus dezoito contos, apresenta-nos histórias que podem ou não nos envolver, com destaques surpreendentes. Vemos o pensamento, a forma estruturada de se desenvolver um conto que o próprio autor aborda em alguns textos de não ficção. Não esconde acreditar que o que se busca na construção de um bom conto é um efeito no leitor, que deve ser construído sem desperdiçar uma palavra. Se o texto não começa a montar seu palco para a entrega desse efeito a partir da primeira frase, para Cortázar, já falha. Ao mesmo tempo, são todos curtos o bastante para serem lidos em uma assentada. Com extensões variando entre três e vinte páginas, é de bom gosto que se leia o conto todo de apenas uma tacada, para que este efeito buscado já seja desenvolvido e entregue sem perder o “fio da meada”, o que com certeza colabora para a melhor experiência de leitura.
Não cheguei a desgostar ativamente de nenhum conto. No máximo, alguns me passaram com indiferença, com um sentimento de que eu não chegava a me envolver ou sentir um “efeito” desejado. Entretanto, a maioria me atraiu, talvez com sua herança latinoamericana do “mágico” na literatura, que temos em grandes nomes como Gabo mas que não necessariamente seguem o mesmo estilo aqui no escritor argentino. Contos em que o assombroso aparece, mas se mantém na tênue linha entre o natural e o sobrenatural, como já definia o “fantástico” de Todorov, a ambiguidade do inexplicável.
A despeito disso, esperava um pouco mais do “lado B”, do aspecto lúdico da proposta da obra. Os níveis são definidos, e há um pensamento por trás deles, mas senti que alguns de seus contos seriam intercambiáveis entre o fácil, o médio e o difícil, não apresentando necessariamente a dificuldade que deles eu esperava. Como, por exemplo, o conto “As Mênades”, sobre uma sessão de orquestra que sai um pouco do controle em seu êxtase de admiração e animação, ainda inserido no nível fácil quando já poderia se encaixar no médio.
Meus destaques, na coletânea, ficam para o primeiro “Continuidade dos parques”, sobre um homem que termina de ler seu romance; “Ninguém seja culpado”, uma situação aparentemente banal que se desenvolve para algo surreal; “O ídolo das Cíclades”, que até mesmo me lembrou um horror mais clássico como Lovecraft ou Chambers; “Axolotle”, sobre os animais mais esquisitos desse planeta; “A noite de barriga para cima”, em que o onírico e o real parecem se mesclar de maneira intercambiável; e o próprio “Final do jogo”, que encerra a coletânea e é a história de meninas, liberdade e crescimento.
Final do jogo me deu vontade de correr atrás agora da demais obra em contos de Cortázar, e serviu no geral para me incentivar a continuar desbravando esse gênero literário. É gratificante terminar uma leitura em uma assentada e, quando o conto é bem escrito, pode nos deixar com um belo sorriso no rosto; ou, ao contrário, perturbado, olhando para o vazio. Mas, daí, também este é o “efeito” que o autor pode buscar, e no qual, com certeza, Cortázar deve pensar bastante.
site:
http://adlectorem.wordpress.com/2014/07/26/final-do-jogo/