Nu e As 1001 Nuccias 11/05/2018Resenha do blog As 1001 NucciasPOR NUCCIA DE CICCO
Existe beleza na loucura.
Em O Lago Negro, conhecemos Verônica, uma jovem conturbada, que vive a base de remédios controlados, por conta de um passado marcado por perdas e sofrimentos. Recém-ingressa na Universidade de Lagoana, se muda para a cidade no interior de São Paulo junto com seu namorado Enzo, que cuida dela sempre que suas crises são fortes. O povo de Lagoana não é hospitaleiro e a cidade está sempre sob uma névoa úmida e sufocante.
"Ambas, loucura e sanidade, são fatores que nos fogem do controle, por isso precisam de representações.Seres humanos costumam criar símbolos para dizer a si mesmos que não perderam o controle sobre algo, quando na verdade nunca o tiveram."
Lá, tentando se adaptar à nova rotina escolar e à fazer amizades, coisa que nunca foi boa e sempre se absteve, Verônica consegue finalmente escrever o livro "O Lago Negro", cuja história está em sua cabeça há muitos anos e em que conta a história de Liriel, a humana que não sabia ser nefilim, de cabelos roxos que mudavam de cor, em sua luta contra nefilins e vampiros.
Nesse meio tempo, explorando a cidade a fim de achar um bom local para sua escrita, Verônica encontra o mesmo Lago Negro de seus sonhos nos fundos do terreno da mansão mais sombria da cidade. Aparentemente abandonada, a mansão é ocupada pela Família Caprini, dona da famosa indústria de água Purificat.
"Há algo de errado com meu cérebro. Ele tem tudo para conseguir o que quiser, mas está sempre estancado no mesmo lugar. Ele me faz avaliar demais as pessoas antes de me relacionar com elas; me faz sombria, taciturna, estranha demais para ter amizade com qualquer um. Ele me fez sofrer bullying severo nos primeiros anos de escola. E ainda tem aquela história que me persegue."
E aqui as coisas começam a se descontrolar.
Verônica não apenas conhece a família moradora dali, como começa a trabalhar como babá da pequena Lizandra, um bebê estranho que é incapaz de chorar. Um novo forasteiro chega à cidade, com sua própria pesquisa e busca, com um lindo sorriso cafajeste, e que acaba esbarrando na garota. Velásquez, professor e autor consagrado, amigo de seu pai, recusa seu livro. Estranhos animais a perseguem. Sonhos intensos. E o Lago, sempre ele, saindo da esfera imaginária para invadir sua realidade sem pedir licença.
Não vou me alongar mais nos detalhes, vai que mando spoiler sem querer.
Todos os personagens foram bem desenvolvidos, criados e embasados. Suas personalidades distintas quase os colocam em extremos opostos que se interligam e entrelaçam de forma espetacular. Verônica, particularmente, me surpreendeu mais para o final desse volume. Ela, que começa como um coelho perseguido por um grande dinossauro, temerosa, encolhida, dependente, termina cheia de coragem e garra. Enfrenta seus demônios, os reais e os imaginários, de cabeça erguida.
Senti vontade de esganar Enzo. Mas é porque vivi uma situação muito parecida, então sei exatamente como Verônica se sentiu. Mas também vivi, e ainda vivo, sou meio atraída por eles, a outra situação de encontrar um cafajeste charmoso que, além de se esconder atrás dessa caricatura de pessoa, faz de tudo por você. Liam é o meu mais novo queridinho literário.
A maior parte da narrativa é feita pela própria Verônica, mas lá pro final temos alguns capítulos narrados pelo Liam, nosso 'forajeste' preferido. E essa mudança de foco narrativo é essencial para entendermos como e por quê Liam veio parar em Lagoana. Também nos impele a gamar mais no cara, é claro.
"Enquanto ele falava, sentia suas palavras entrando pelos meus ouvidos, derretendo meus sentidos, pouco a pouco, até eu perder meu precioso controle sobre eles.Seus olhos prescrutavam os meus e não desviavam como costumavam fazer. Se havia alguma defesa em mim contra sua influência, contra os sentimentos que despertava, elas caíram por terra naquele momento."
Tudo é importante na leitura. Desde o sorriso mais sombrio até a traição mais corriqueira. E, já dizia Antoine de Saint-Exupéry, "o essencial é invisível aos olhos". As respostas estão todas presas na mente de Verônica e ninguém sabe ao certo o que são, para que servem. Contudo, todos concordam que são importantes o suficientes para mantê-las longe da memória consciente de Verônica.
O mais fascinante é passear pela mente, devaneios, lembranças, pensamentos, criação de Verônica. Mergulhar na sua escuridão interna e descobrir que não somos tao diferentes assim. A escrita da Jubs enlaça o leitor e nos deixa intrigados o suficiente para abrir o segundo livro na exata hora em que fecha o primeiro.
Essa edição ficou bacana, com poucos erros de digitação/revisão. Cada capítulo tem uma imagem representando o logotipo da Purificat. O restante da diagramação também está ótimo. No quesito visual, a editora não chegava a pecar. A capa combina com as duas histórias que fazem parte desse livro.
Outra coisa bacana foi podermos ler o romance e os personagens criados pela personagem. Um estilo que cheguei a ver primeiramente em livros do Stephen King. Apesar de não ser um romance fantástico em si, tem a fantasia d'O Lago Negro escrito por Verônica, com vários toques de dark fantasy.
Mistério tem sobrando, intrigas e reviravoltas também. É uma leitura que mexe com a gente. Vocês precisam conhecer!
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