Higor 25/07/2020
'Lendo Nobel': sobre histórias promissoras que não aconteceram
Dentre todos os livros de Herta Müller, o que sempre chamava minha atenção e enchia de vontade de ler era “A raposa já era o caçador”, em partes por conta do título bonito – a maioria dos títulos dela são elegantes – além de uma capa bela e instigante. Por vários motivos, no entanto, ele foi deixado para depois, e outros livros passaram na frente.
Contrariando as expectativas, afinal, depois de já ter lido os ótimos “Fera D’alma” e “Tudo o que tenho levo comigo” e o regular “Depressões”, eu imaginava encontrar algo entre o bom e o espetacular; o receio em não conseguir entender Müller com sua narrativa dura, metafórica, não me incomodava mais. O que surgiu foi algo que beira o monótono e o incompreensivo.
“A raposa já era o caçador”, é bom frisar, nasceu como um roteiro cinematográfico que seria produzido por seu hoje irmão Harry Merkel. O livro foi então publicado em 1992, para ser lido como o livro do filme, logo, o que mais se encontra ao longo das páginas são situações cortadas, fragmentadas, além de cenários que se expandem ou diminuem, a depender das necessidades. Começam falando de uma sala, depois crescem para uma casa, uma rua, a fábrica da cidade, a cidade inteira, ou vice-versa.
São descrições que, embora em um primeiro minuto sejam interessantes de se acompanhar, afinal, mostram como os romenos se comportam, agem diante da ditadura de Nicolae Ceauşescu, por outro lado, causam enfado com o passar das páginas, além da sensação de prolixidade, afinal, das 240 páginas do livro, as coisas ditas na própria sinopse, como o tal tapete de raposa sendo cortado aos poucos, começam a acontecer apenas pelas 150 páginas.
Clara, uma operária e Adina, uma professora, são amigas de longa data, dividindo, inclusive, um apartamento. Acontece que Clara passa a sair com Pavel, um misterioso homem que, aparentemente, é do serviço secreto romeno, o que certamente vai causar um rompimento entre as amizades, ou algo muito pior, caso nada seja feito.
Sim, a denúncia do regime totalitário de Ceauşescu está presente, assim como todas as situações desastrosas que a ditadura impõe na vida de seus habitantes, seja de âmbito social, com uma falsa imagem de perfeição, quando, na verdade, há um gritante contraste de fome, miséria e pompa e riqueza, ou opressivo, mas talvez o incômodo seja na maneira como as intenções foram apresentadas e diluídas ao longo da história, nessa inicial roteirização.
Tido como um livro promissor, “A raposa já era o caçador” acabou não acontecendo. Os fatos apresentados, infelizmente, surgiram um pouco tarde, quando o cansaço e o enfado já dominavam, e o que havia de relevante não se tornou tão importante assim.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel". Mais em:
site: leiturasedesafios.blogspot.com