Alane.Sthefany 24/04/2022
Ego Transformado - Timothy Keller
No entanto, pouco me importa se sou julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; de fato, nem eu julgo a mim mesmo. Pois, embora eu esteja consciente de que não há nada contra mim, nem por isso me justifico, pois quem me julga é o Senhor.
Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os motivos dos corações.
Paulo mostra que a causa da divisão é o orgulho e a vanglória. Esse é o motivo dos desentendimentos, da falta de paz no mundo e das inimizades entre as pessoas.
Até o século 20, as culturas tradicionais (assim como a maioria das culturas do mundo) sempre acreditaram que a autoestima elevada demais era a causa de todos os males da sociedade.
Hubris: palavra de origem grega que significa soberba ou autoestima elevada demais.
Há alguns anos, o New York Times publicou um artigo da psicóloga Lauren Slater chamado ?The trouble with self-esteem? [O problema da autoestima].
Lauren simplesmente relatou o que os especialistas sabiam há muito tempo. O importante, ela afirma, é que nada comprova que a autoestima negativa seja um grande problema na sociedade. Lauren cita três pesquisas recentes sobre a autoestima, e todas chegam a essa conclusão. Como ela mesma disse, ?? as pessoas com autoestima elevada são mais perigosas àqueles que as rodeiam do que as pessoas com baixa autoestima, e estar incomodado consigo mesmo não é a fonte dos maiores e mais dispendiosos problemas sociais de nosso país?.
Em 1Coríntios 4.6, Paulo exorta os cristãos de Corinto a não se orgulharem de uma pessoa em detrimento de outra.
Paulo não emprega hubris, o termo mais comum para ?orgulho?, mas physio?, uma palavra incomum.
A palavra que ele emprega para orgulho tem o sentido literal de superinflado, inchado, distendido além do tamanho normal. Está relacionada ao termo ?fole?. É uma palavra bastante sugestiva. Lembra a imagem dolorosa de um órgão humano distendido após receber uma enorme quantidade de ar. Foi-lhe bombeado tanto ar, que o órgão está superinflado e prestes a explodir. Está inchado, inflamado e expandido além de seu tamanho normal. Paulo afirma que essa é a condição natural do ego humano.
O ego vive chamando a atenção para si mesmo ? e isso todos os dias. O tempo inteiro, o ego exige que avaliemos nossa aparência e a maneira em que somos tratados.
É comum reclamarmos que alguém feriu nossos sentimentos. Mas os sentimentos não podem ser feridos! É o ego que se sente machucado ? nosso eu, nossa identidade.
Dificilmente atravessamos um dia sem nos sentirmos esnobados ou ignorados, sem achar que somos idiotas ou sem atormentar a nós mesmos. Isso acontece porque existe algo muito errado com o ego. Algo errado com minha identidade, com a percepção que tenho do meu eu. O ego nunca se sente feliz. Vive chamando a atenção para si.
"Nenhum de vós se encha de orgulho em favor de um contra o outro?.
Na tentativa de preencher o vazio e lidar com seu desconforto, o ego vive se comparando com outras pessoas. E faz isso o tempo todo.
Lewis ressalta que o orgulho é competitivo por definição. Competitividade é o que se acha no âmago do orgulho.
"O orgulho não se satisfaz em ter uma coisa, mas em tê-la em quantidade maior do que os outros. Dizemos que as pessoas se orgulham de ser ricas, espertas ou bonitas, mas isso não é verdade.
Elas têm orgulho de ser mais ricas, mais espertas ou mais bonitas que os outros. Se todos fossem igualmente ricos, ou inteligentes, ou bonitos, não existiria motivo de orgulho."
Em outras palavras, temos orgulho apenas de ser mais bem-sucedidos, mais inteligentes ou mais bonitos do que os outros e, quando encontramos alguém mais bem-sucedido, mais inteligente e mais bonito do que nós, o que tínhamos perde a graça. Isso acontece porque não tínhamos alegria verdadeira nessas coisas.
Como Lewis afirma, orgulho é o prazer de ter mais do que os outros. Orgulho é o prazer de se sentir melhor do que os outros.
É isso o que o ego faz o tempo inteiro. Trabalhamos em coisas de que não gostamos, fazemos dietas que detestamos. Realizamos todo tipo de coisas, não pelo prazer de realizá-las, mas apenas para construir um currículo que impressione.
Complexo de superioridade e complexo de inferioridade são basicamente a mesma coisa.
Os dois resultam do fato de que a pessoa estava superinflada. A pessoa com complexo de superioridade está superinflada e corre o risco de ser desinflada; a pessoa com complexo de inferioridade já está desinflada. A pessoa com complexo de inferioridade declara aos outros que se odeia e declara isso também a si mesma.
Um trecho da entrevista que a Vogue fez com Madonna há algum tempo, em que a cantora fala de sua carreira, exemplifica perfeitamente o que estou dizendo:
"O que me impulsiona na vida é o medo de ser medíocre. Esse medo é o que sempre me impele. Venço um de seus ataques e descubro-me como um ser humano especial, mas logo continuo me sentindo medíocre e desinteressante, a menos que faça outra coisa espetacular. Apesar de ter me tornado alguém, ainda tenho de provar que sou alguém. Minha luta não terminou, e acho que nunca terminará."
Temos de admitir uma coisa: Madonna conhece a si mesma mais do que nós nos conhecemos. Sempre que realiza algo, ela pensa algo assim: ?Agora tenho a confirmação de que sou alguém. Mas no dia seguinte, percebo que, se não continuar avançando, não sou ninguém. Meu ego nunca fica satisfeito. Minha autoestima, meu amor próprio, minha necessidade de saber que sou mesmo alguém ? nada disso é preenchido. Quando as pessoas falam bem de mim, e as revistas e os jornais me elogiam, acho que cheguei lá. Mas, no dia seguinte, tenho de procurar essa aprovação de novo em outras coisas. Por quê? Porque meu ego é insaciável. É um buraco negro.
Por mais que eu abasteça a despensa, ela está sempre vazia.
Todas as manhãs, reponho vários itens, mas à noite ela está vazia.
Eu me tornei alguém ? mas ainda preciso ser alguém?.
A Visão Transformada do EU
Paulo diz. Em 1Coríntios 4.1,2, o apóstolo lembra os cristãos de Corinto que ele é ministro de Deus e tem um trabalho a realizar. Logo a seguir, porém, explica que, em relação a esse papel, pouco importa se é julgado por eles ou por tribunal humano (v. 3,4). A palavra traduzida por ?julgado? tem o mesmo significado de ?ser alvo de um veredicto?. Como vimos no capítulo anterior, Madonna anseia por um veredicto ou selo de aprovação ilusório. Paulo não busca nos coríntios nem em nenhum tribunal humano o veredicto para que ele sinta que é alguém.
Paulo está dizendo aos coríntios que não se importa com o que pensam dele. Não leva em consideração o que as pessoas, sejam elas quem forem, achem dele. Na verdade, a identidade dele não deve nada ao que as pessoas dizem. É como se dissesse: ?Não me importa o que vocês pensam. Não me interessa a opinião das pessoas?. A autovalorização de Paulo, sua autoconsideração e sua identidade não estão de forma alguma ligadas ao veredicto e à apreciação que as pessoas têm dele.
Como alcançamos esse estágio de não sermos controlados pela opinião dos outros? Muitas pessoas diriam que a resposta é óbvia. Praticamente todos os conselheiros que conheço afirmariam que não devemos levar em consideração o que os outros pensam sobre nós. Diriam que não devemos viver segundo a vontade dos outros. Os padrões das pessoas não devem nos influenciar. Não devemos valorizar demais o que as pessoas pensam a nosso respeito. O que realmente interessa é o que eu penso sobre mim. Não tenho de seguir as normas dos outros.
Em suma, eis o que diriam: ?Decida quem você quer ser e seja, pois o que realmente interessa é como você se enxerga?.
Ao que parece, a sociedade moderna conhece apenas uma forma de lidar com a baixa autoestima. E o remédio é a autoestima elevada. Dizemos à pessoa nessa situação que ela é extraordinária e deve se ver dessa maneira. Incentivamos a pessoa a examinar todas as coisas maravilhosas que realizou na vida. Dizemos a ela que pare de se preocupar com o que os outros pensam. Dizemos que ela precisa estabelecer seus critérios e viver de acordo com eles ? e então fazer a própria avaliação de si mesma.
A abordagem de Paulo não poderia ser mais diferente. Para ele, tanto faz ser julgado pelos coríntios ou por um tribunal humano. E ele vai mais adiante: Paulo nem mesmo julga a si próprio. É como se ele dissesse: ?Não me importo com o que vocês pensam nem mesmo com o que eu penso. Não considero a opinião de vocês a meu respeito, nem mesmo a minha opinião a meu respeito?.
?Minha consciência está limpa, mas isso não me torna inocente?.
A consciência dele pode estar limpa ? mas Paulo sabe que consciência limpa não faz dele um homem inocente. Hitler talvez tivesse a consciência limpa, mas isso não significa que ele era inocente.
Não consigo viver segundo os critérios de meus pais ? e isso me faz sentir péssimo. Não consigo viver segundo os seus padrões ? e isso me faz sentir péssimo. Não consigo viver segundo os critérios da sociedade ? e isso me faz sentir péssimo. Talvez seja melhor estabelecer meus próprios padrões? Mas também não consigo viver de acordo com eles, a não ser que sejam demasiadamente frouxos.
Paulo foi um homem de estatura impressionante. Acho difícil discordar daqueles que o colocam entre os seis ou sete líderes mais influentes da história humana. Paulo tinha grande estabilidade, profunda influência e uma incrível confiança. O apóstolo seguia adiante e nada o inquietava. Mesmo assim, em 1Timóteo, ele diz: ?Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal? (1.15). Ele não diz eu era o principal, mas eu sou o principal. Resumindo: ?eu sou o pior deles?. Isso foge às nossas categorias. Não estamos acostumados a pessoas tão confiantes que afirmam serem as piores pessoas deste mundo. Não estamos acostumados a pessoas assim tão honestas e tão conscientes de todo tipo de falhas morais ? e ainda assim com equilíbrio e confiança incríveis.
(...) julgarei a mim mesmo. Estabelecemos nossos padrões e depois nos condenamos.
Em Cristianismo puro e simples, C. S. Lewis faz uma observação brilhante sobre humildade segundo o evangelho no final do capítulo sobre orgulho. Depois que encontramos uma pessoa verdadeiramente humilde, Lewis afirma, não saímos da presença dela afirmando que se trata de alguém humilde. Pessoas assim nunca afirmam que são insignificantes (quem vive dizendo isso é, na verdade, obcecado por si próprio).
A Humildade - É a liberdade que vem do autoesquecimento. É o descanso bendito que somente o autoesquecimento nos oferece.
A pessoa que se esquece de si mesma não se sente ferida, não fica mal quando criticada. A crítica não acaba com ela, não lhe tira o sono, não a incomoda. Por quê?
Porque a pessoa que se sente arrasada com as críticas valoriza demais o que os outros pensam, valoriza demais a opinião alheia.
Quando alguém muito sensível fica devastado pelas críticas, o mundo aconselha essa pessoa a reagir dizendo: ?Quem se importa com o que os outros pensam?
Ou as pessoas são arruinadas pelas críticas, ou as críticas não as impactam porque não se importam com elas. Não se importam com as críticas ou não aprendem com elas porque não levam em consideração a opinião alheia. Sabem quem são e o que pensam. Em outras palavras, nossa única solução para a baixa autoestima é o orgulho.
Quem tem o ego satisfeito e não inflado não se deixa abater pelas críticas. A pessoa ouve a crítica e a entende como oportunidade de mudança.
Amigo, você não gostaria de ser alguém que não precisa de elogios ? nem tem medo de recebê-los? Alguém que não tem fome de reconhecimento ? nem morre de medo dele? Você não gostaria de ser o tipo de pessoa que, diante do espelho ou de sua imagem refletida em uma vitrine, não apenas fica admirando o que vê, mas também não sente repulsa? (...)
Não gostaria de se libertar disso tudo? Não gostaria de ser medalha de prata em natação e, mesmo assim, ficar entusiasmado porque o medalha de ouro venceu com mais de um corpo à sua frente? Não gostaria de admirar a conquista do opositor da mesma forma que admira o nascer do sol? Simplesmente encantar-se com a realização do outro? Não importa se o sucesso foi dele ou seu. Não interessa quem alcançou o primeiro lugar no pódio. Você fica tão feliz pela vitória da outra pessoa como se a conquista fosse sua, pois presenciou algo fantástico.
Provavelmente você vai dizer que não conhece ninguém assim.
Mas você e eu podemos ser desse jeito se continuarmos nos passos de Paulo. Posso começar a me alegrar com as coisas que não giram em torno de mim. Meu trabalho não gira em torno de mim, o esporte que pratico não gira em torno de mim, minha vida amorosa não gira em torno de mim, meu namoro não gira em torno de mim. Apreciarei as coisas pelo que são, e nada mais.
Esse é o bendito autoesquecimento.
É não pensar em mim mesmo como se fosse mais do que sou, nem pensar em mim mesmo como se fosse menos do que sou.
É simplesmente pensar menos em mim mesmo.
Como Alcançar Uma Visão Transformada do EU
Paulo afirma:
?Não me importo com o que vocês pensam, tampouco com o que eu mesmo penso?. Em outras palavras, Paulo não dependia do veredicto dos cristãos de Corinto, nem dependia de seu próprio veredicto. Em seguida, ele afirma: ?? embora eu esteja consciente de que não há nada contra mim, nem por isso me justifico?. A palavra traduzida aqui por ?justifico? está relacionada a uma palavra também traduzida por ?inocente?,
O que todos buscamos é um veredito definitivo que afirme que somos importantes e valiosos. Buscamos esse veredicto definitivo todos os dias, em todas as situações e pessoas ao redor. Isso significa que todos os dias estamos sob julgamento. Todos os dias nos colocamos de novo em um tribunal. Mas você notou que Paulo afirma não se preocupar com o que os coríntios pensam dele ou com o que qualquer tribunal humano pense a seu respeito? É estranho que ele se refira a tribunais ? afinal, os coríntios não formavam um tribunal. No meu entendimento, Paulo está usando uma metáfora. E com isso afirma que o problema da autoestima ? seja ela alta ou baixa ? é que todos os dias voltamos ao tribunal.
Dia após dia, nos vemos de novo sob julgamento.
Paulo afirma que é o Senhor quem o julga. A opinião de Deus é a única que interessa.
Você já notou que é somente no evangelho de Jesus Cristo que o veredicto é dado antes de desempenharmos nossas ações? O ateísta pode dizer que sua autoimagem advém de ele ser uma pessoa correta. Ele é uma pessoa correta e espera um dia receber o veredicto que confirme isso. Seu bom desempenho leva a esse veredicto. Também para o budista, o bom desempenho conduz a esse veredicto. Se você é muçulmano, o bom desempenho leva a esse veredicto. Isso significa que todo dia você se vê no tribunal, todo dia você está sob julgamento. E esse é o problema. Mas Paulo está dizendo que, no cristianismo, o veredicto é que leva ao desempenho. Não é o desempenho que leva ao veredicto.
Em Romanos 8.1, diz: ?Portanto, agora já não há condenação alguma para os que estão em Cristo Jesus?. No cristianismo, assim que cremos, Deus nos imputa as ações perfeitas de Cristo, seu desempenho, como se fossem nossas.
Como Deus me ama e me aceita, não preciso fazer as coisas apenas para melhorar o currículo. Não tenho de fazer as coisas para parecer bom. Faço-as só pela alegria de realizá-las. Ajudo as pessoas porque quero de fato ajudar ? não para me sentir bem (...)
Madonna faz coisas que nem você nem eu jamais faremos ? mas não são suficientes. Madonna é talentosíssima, é ousada.
Mesmo assim, apesar de tudo o que realiza, ela confessa que ainda não encontrou o mais elevado veredicto que procura.
A resposta de Paulo é que ele deixou o tribunal, não está mais sendo julgado. Por quê? Porque Jesus Cristo foi julgado em seu lugar. Jesus esteve diante do tribunal. Esteve sob julgamento.
Foi um julgamento injusto de um tribunal corrupto, mas ele não reclamou. Igual à ovelha perante os tosquiadores, ele ficou calado.
Ele foi golpeado, espancado, morto. Por quê? Para nos substituir.
Ele recebeu a condenação que merecíamos; encarou o julgamento que deveria ser nosso para que não precisássemos enfrentar mais nenhum julgamento.
Como poderemos nos preocupar se formos desprezados? Por que ficar infelizes se formos rejeitados? Por que dar tanta atenção à imagem refletida no espelho?
O autoesquecimento nos retira do tribunal.
Temos que perguntar a nós mesmos por que estamos no tribunal.
Da mesma forma que Paulo, podemos afirmar: ?Não me importo com o que vocês pensam, tampouco com o que eu mesmo penso.
Só me interessa o que o Senhor pensa?.
E o Senhor afirmou:
?Portanto, agora já não há condenação alguma para os que estão em Cristo Jesus? (Romanos 8.1) e ?Tu és o meu Filho amado; em ti me agrado? (Marcos 1.11). Viva com base nessa verdade.
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno (Salmos 139.23,24).