gabe 02/05/2024
Olhos D'água de Conceição deveria ser leitura obrigatória em todo Brasil, não apenas porque fala, de forma contundente, das feridas mais profundas do nosso país e do racismo estrutural; mas também por nos conduzir por um mergulho profundo nas realidades cruas (e por vezes cruéis) e muitas vezes invisíveis das comunidades marginalizadas que alguns insistem em esconder. A escrita ímpar de Conceição sobre os retratos das múltiplas realidades despertam, com certa brutalidade, um incômodo reflexivo. Evaristo dá voz aos silenciados, revelando suas lutas diárias, suas cicatrizes emocionais e suas esperanças tênues. Suas histórias são como espelhos que refletem as injustiças estruturais e o racismo enraizado que persistem em nossa sociedade.
Essa obra magistral é um mergulho na complexidade da vida e na experiência humana, em que a escritora retrata a vida de pessoas silenciadas com uma narrativa impactante daqueles que habitam as margens da sociedade. Os contos desse livro transcendem as fronteiras e barreiras do cotidiano, trazendo à tona as vozes que há muito tempo são suprimidas. A escrita é sensível, poética e crua, levando o leitor a mergulhar nas emoções e experiências dos personagens, permitindo que se identifique e conecte profundamente com os relatos.
Cada conto é um fragmento vívido e autêntico da vida de pessoas negras e de suas lutas para encontrar significado e identidade em meio às adversidades. Os contos abordam temas como racismo, pobreza, violência doméstica e desigualdade de gênero, mas também celebram a resiliência, a conexão entre as pessoas e a capacidade de superar obstáculos aparentemente intransponíveis. Todos os contos desafiam os estereótipos e preconceitos da sociedade, ao dar voz aos protagonistas, os apresentando como seres completos e multifacetados, e não apenas como vítimas de suas circunstâncias.
Os contos são curtos e impactantes, como um susto que estoura na noite feito tiroteio. É um livro que traz também muitas sensações e emoções - raiva, medo, dor, doçura, ódio... Sim, ódio da vida narrada, da palavra-verdade escrita e dos sentimentos trazidos à tona. Apresentado a realidades que desconheço em minhas vivências, em muitos momentos me senti incomodado pela leitura; noutros, tenho certeza que sequer alcancei a dimensão de tudo que era exposto ali.
A escrita de Evaristo é poética e visceral, permeada por uma sensibilidade que nos faz sentir a dor de cada personagem de forma tangível. Através de suas narrativas, somos levados a mergulhar nas profundezas da alma negra, a sentir suas alegrias efêmeras, seus sonhos desfeitos e suas lutas incessantes por dignidade e reconhecimento. Este livro é uma luz sobre a invisibilidade e o silenciamento das vozes marginalizadas, revisitando questões fundamentais sobre justiça social, identidade e pertencimento. Recomendo a todos que gostam de leituras humanizadas.