Daiane251 27/03/2015
Humor ácido e relações humanas desnudas de sua perfeição. Um tapa na cara de uma mão enluvada.
O que me chamou a atenção para ler Tua foi sua premissa simples. Uma traição, uma mulher convicta de que às vezes isso pode ser normal, e que vive sob as aparências de uma família perfeita. Em nenhum momento é prometido uma reviravolta de tirar o fôlego, e nem precisaria, pois quer surpresa melhor do que lidar com os sentimentos humanos inatos dentro de uma trama que os expõem tão claramente?
Inés é quase uma personagem cômica, não por ser engraçada, mas por ser tão ingênua (ou não) e maquiar um mundo de fantasia próprio. Porém essa faixa de comicidade cai aos poucos, dando vasão a uma mulher inteligente, e capaz de tudo para blindar sua família e apagar as possíveis manchas que queriam aparecer sobre essa superfície de perfeição que ela mantém tão bem. A filha adolescente também enfrenta certo drama, uma morte inesperada, o marido com jeitinho inocente, ou simplesmente manipulador? E a Tua...
Definitivamente Piñeiro compôs seus personagens com muitas faces, e mesmo que suas atitudes algumas vezes nos surpreendam, essa sensação logo passa, como se pudéssemos esperar isso, entendem? Como no dia a dia em que às vezes nos surpreendemos com algumas ações, mas de certa já a esperávamos. Muitas vezes humanos podem ser totalmente previsíveis mesmo em suas imprevisibilidades.
Aos poucos o jogo vai virando, a emoção e a razão em pequenos detalhes se conflitando. É um suspense psicológico tão envolvente, que não há como não sentir certo medo ou ficar apreensivo sobre qual seria o próximo passo de cada personagem. Como em um jogo a autora os conduz em seu tabuleiro de vidro, com cada movimento calculado, e cada mente com um objetivo, enquanto aos poucos o chão se racha.
Tua é como uma saliva que se acumula na gargante e não desce, é aquela tosse presa, um fiapo no lugar errado, é a realidade que incomoda. Um suspense com um toque feminino, em que as emoções humanas lançam suas cartas em um enredo bem estruturado, regado a um humor que arrepia pela sua acidez, mesmo que este se apresente como uma camada delicada.
O desfecho foi real, nada muito fora do normal, porém são nas últimas linhas que o suspense se encerra com chave de ouro, e a meu ver em duas ou três palavras conseguem definir implicitamente tudo que este livro quis passar. Para quem gosta de livros que conseguem traspor a alma humana em histórias amargas e desnuda uma sociedade baseada em aparências, Tua é perfeito. Um suspense mais que recomendado, pois envolve e deixa o gostinho de um tapa na cara dado por uma mão enluvada.
Resenha publicada no blog No Universo da Literatura
site: http://www.nouniversodaliteratura.com.br/2015/03/resenha-tua.html