Thales.Santos 11/01/2024
Infelizmente eu vim descobrir tarde as maravilhas do gênero livro reportagem, principalmente os mais ligados a área investigativa na segurança pública. De lá pra cá, vim consumindo alguns e sinceramente é uma surpresa atrás da outra.
Eu venho de um curso das ciências sociais aplicadas e já cansei de ouvir comentários (tanto de graduandos, quanto de figurões da academia) depreciando o trabalho de jornalistas. Lembro de uma vez ouvir "essa pesquisa até que está bem boa para um jornalista".
Em geral, os grandes jornalistas não buscam se firmar dentro da academia, especialmente nas áreas de antropologia e sociologia, e são poucos que tentam de fato criar uma base forte de conhecimento nas áreas das ciências sociais ou humanas. Claro, na área do jornalismo político vemos bastante jornalistas bebendo mais da ciência política, há algumas exceções. Mas nesse caso, estou falando mais daqueles que se aventuram mais nessas dinâmicas de investigação na segurança pública.
Enfim, o que quero dizer com isso tudo é que durante um tempo cheguei a ver com certa hostilidade certos trabalhos assim, mas, felizmente minha visão mudou. O Caco Barcellos, por exemplo, em nenhum momento de seu livro tenta fazer análises sociais concretamente, no máximo recorre a períodos históricos, como faria qualquer bom biógrafo, para situar o leitor naquele contexto específico. Mesmo sendo um gaúcho, Caco mostra que fez o seu dever de casa ao descrever as terras fluminenses, especialmente as favelas, uma tarefa nem tão fácil assim.
Outra questão que o seu trabalho investigativo e apuração é uma coisa que claramente se destaca. Na verdade, esse trabalho se assemelha em muito a ida de um antropólogo ao seu "campo" para a realização de uma etnografia. E sendo honesto, esse livro foi muito mais interessante do que muitos relatos etnográficos que li por ai... Falo com toda certeza que muitos sociólogos e antropólogos matariam para conseguir estabelecer interlocutores como o Caco faz e os campos que ele consegue se introduzir. Isso só demonstra a experiência de anos de profissão.
Outro ponto que eu curti muito na leitura é como ele vai mostrando as falhas de Juliano. Dificilmente ao pensar em um traficante dono de um morro você consiga imaginar alguém que consiga se meter em tanta trapalhada e fazer tanta besteira como ele. O início do livro ele fazendo aquela incursão pela mata e a cada passo que dava ligando para uma mulher diferente; ele deixando o carro morrer toda hora; ele esquecendo a bíblia no meio do mato; ou mesmo posteriormente ele explodindo a granada pois tentava limpá-la; somado aos seus modismos como comer um prato de feijão, arroz, macarrão e ovo toda manhã deram um toque a mais na criação da personalidade do Juliano, deixando-o mais complexo e instigante. De fato o Caco acerta em muito e não é um trabalho fácil, pois o Marcinho VP era conhecido pelas suas excentricidade e personalidade única e retratar características assim é bem complicado.
Por fim, voltando ao que estava dizendo no início, digo com tranquilidade que essa hostilidade em relação ao jornalista deve ser repensada entre nós que aspiramos ser ou somos cientistas sociais.