Aione 18/05/2016Conheci Dexter por meio da série de TV – uma das minhas favoritas, sem dúvida alguma -, e, dessa maneira, nutri o desejo de ler os livros que a inspiraram. Acabei começando, de maneira incomum, por Dexter está morto, oitavo e último livro da série de Jeff Lindsay, e consegui estabelecer algumas percepções sobre a leitura, ao mesmo tempo em que fiz a inevitável comparação com o seriado, protagonizado por Michael C. Hall.
Para quem não conhece os livros ou a série de TV, uma rápida contextualização: Dexter é perito forense da polícia de Miami, e um funcionário exemplar – um verdadeiro nerd de laboratório. Contudo, por trás de sua aparência de bom moço, ele esconde sua verdadeira face. Ele é, também, um serial killer. Adotado ainda criança pela família Morgan, foi instruído por Harry, seu pai adotivo e também policial, a somente matar assassinos e a jamais ser pego, escondendo toda e qualquer evidência, após Harry ter percebido que Dexter tinha em si esse lado sombrio, que jamais o deixaria
O livro começa com Dexter preso, já que foi injustamente condenado por um crime que, dessa vez, ele não cometeu. Contudo, sua inocência é a única coisa que depõe a seu favor, uma vez que todas as evidências apontam para ele ter sido o culpado. É quando ele se vê contando com a última pessoa que imaginou um dia poder ajudá-lo, sem saber que, com a ajuda, muitos outros problemas estariam prestes a surgir.
O que chamou minha atenção desde o início foi a narrativa em primeira pessoa, pela voz de Dexter. Não apenas a escrita de Jeff Lindsay é extremamente fluida, envolvente e bem construída, com passagens que, inclusive, beiram o poético, como também há uma carga gigantesca de ironia, própria de Dexter, a qual se aproxima até mesmo do humor. Assim, a leitura diversas vezes assume um ar mais leve e divertido, mesmo que a contextualização do livro esteja distante disso.
O Dexter da série de TV se vê por diversas vezes em meio a crises existenciais, sem entender sua própria essência. É acompanhado por seu Passageiro Sombrio, mas, em mais de um momento, é capaz de se enxergar como alguém mais próximo de um lado bom do que perverso. Ele é a síntese da dualidade, incapaz de sentir e, ao mesmo tempo, tomado por inesperados momentos de sensações. Pude perceber um pouco dessa complexidade e ambiguidade no Dexter de Jeff Lindsay, mas em menores proporções. É como se esse, dos livros, assumisse com mais propriedade sua condição de psicopata, mesmo que pautado dentro do rigorosíssimo código de conduta de Harry e fosse pouco afetado por quaisquer indícios de consciência, empatia ou demais sentimentos, típicos de pessoas normais. Porém, vale lembrar que essa foi a minha percepção do Dexter de Dexter está morto, e que perdi toda a evolução do personagem trabalhada pelo autor ao longo dos livros.
Um dos principais motivos para eu adorar a série, além da complexidade existente em seu protagonista, é o fato dela trazer casos policiais, investigados pela polícia de Miami – e paralelamente por Dexter, já que ele não resiste a uma justiça feita com as próprias mãos -, e, nesse ponto, acabei me decepcionando com essa leitura. Embora tenha sido ótimo embarcar na mente do personagem e ver como o autor construiu seus muitos fluxos de pensamentos, não há, na realidade, muito acontecendo na história. Há sim uma situação que precisa ser compreendida e resolvida, mas nada que ponha em prática, de fato, os dotes investigativos de Dexter. Diria que há mais cenas de ação no livro do que de suspense, e eu sempre prefiro a segunda à primeira.
Por fim, o próprio final foi, também, bastante decepcionante, ainda mais por ter sido o final da série. Senti que pontas ficaram soltas e que a emoção e o sentimento de conclusão estiveram muito aquém do esperado para o fim de uma saga. Inclusive, o final foi bem mais decepcionante do que o da própria série de TV (que me deixou pensando nele por dias e, até hoje, me causa um aperto no peito ao pensar no desenrolar dos fatos. Sério!).
Dessa maneira, ainda que eu não tenha lido os volumes anteriores, consegui ler Dexter está morto por estar bastante familiarizada com a série adaptada dos livros. Há sim, pelo que pude perceber, diferenças significativas entre ambas, tanto no que se refere à presença ou ausência de personagens, quanto no desenvolvimento das tramas em si, mas Jeff Lindsay trouxe, nesse livro, os elementos necessários para que a situação atual do personagem seja compreendida – o que possibilitou minha leitura. Acho bom ressaltar, entretanto, que a quem não leu os livros e também não assistiu aos episódios é recomendado seguir a ordem correta de leitura, ao invés de fazer como eu fiz.
De modo geral, gostei extremamente da narrativa e me sinto impelida a, ao menos, ler Dexter: A Mão Esquerda de Deus, livro de estreia da saga, tanto para conhecer melhor a construção do personagem quanto para encontrar os elementos dos quais senti falta no último livro – até porque sei que a primeira temporada é mais próxima dos acontecimentos do primeiro, e ela é uma das minhas favoritas da série. Ainda assim, por mais que eu decida por ler todos os volumes, sinto que farei a leitura de forma mais desprendida e com menores expectativas, considerando-se que já sei como tudo terminará. E, mesmo sem nunca ter gostado de spoilers, sinto que aqui isso será positivo, porque não terei a mesma expectativa que eu criaria se lesse todos em ordem – e que seria certamente frustrada, considerando-se que mesmo agora já achei o final, infelizmente, decepcionante. De qualquer maneira, recomendo os livros e a série de TV aos fãs de thrillers policiais principalmente pela brilhante construção do personagem e do requinte presente na escrita de Jeff Lindsay, elementos, no mínimo, completamente favoráveis a qualquer obra.
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http://minhavidaliteraria.com.br/2016/05/18/resenha-dexter-esta-morto-jeff-lindsay/