@fabio_entre.livros 13/11/2022
Decepção premiada
Até chegar a este livro, a minha decepção literária do ano havia sido ''A luz entre oceanos", de M.L. Stedman. Mas eis que as forças cósmicas conspiraram para mostrar que o meu tormento com literatura australiana ainda não tinha acabado.
"Onde cantam os pássaros" fez a autora ser comparada a Nabokov e Ian McEwan, além de ser o vencedor do Miles Franklin Award, o prêmio literário mais importante da Austrália. A ambientação tem a atmosfera ideal para uma tremenda história de terror psicológico: uma ilha britânica onde uma protagonista tem de lidar com os demônios de seu passado nebuloso e com uma presença potencialmente real e sanguinária que ronda a fazenda onde ela vive sozinha. A premissa é interessante e os autores a que Evie Wyld é comparada dispensam apresentações; assim sendo, criei expectativas que passaram longe de ser cumpridas.
A principal reclamação que vi, de outros leitores, diz respeito ao fluxo narrativo invertido (mais ou menos como no filme "Irreversível", de Gaspar Noé) adotado pela autora, intercalando os capítulos em dois tempos: o passado e o presente histórico, sendo que a ação do passado é mais recente do que a do presente. Para mim, no entanto, o maior problema do livro é a insipidez da narrativa aliada à preguiça criativa da autora em assumir um caminho definido, ou de se aprofundar naqueles que ela trilha tropegamente, como um bêbado míope andando por uma estrada desconhecida à meia-noite.
A narração em primeira pessoa por uma personagem feminina apática e a ambientação parcialmente rural da trama me fizeram lembrar de "Lugares escuros", da Gillian Flynn. Porém, Flynn consegue a proeza de fazer o leitor se importar com o rumo da história e o destino dos personagens, mesmo que eles sejam insuportáveis. Wyld, por sua vez, não chega a tanto; não creio que seja falta de talento (afinal, o romance foi premiado!): a autora simplesmente não se importa o suficiente com seus personagens para torná-los interessantes.
A princípio cheguei a me empolgar porque a história começa sugerindo uma abordagem sobrenatural (o "monstro" que ronda a fazenda de Jake, a "assombração" que a atormenta à noite), mas é tudo fogo de palha: a autora nem desenvolve essas ideias e nem dá explicações lógicas. Outra bola fora. Em vez disso, ela prefere fazer uma elipse tortuosa (e torturante para quem lê) para, no final, dar uma justificativa absurda para as cicatrizes de Jake. Mas é uma explicação tão estapafúrdia que seria melhor deixar incógnita e desenvolver as outras possibilidades narrativas, inclusive a do sobrenatural.
Em suma, um ótimo livro: para enfeitar estante (créditos à edição da Darkside) e/ou para quem tem interesse em ovinocultura. Para os demais leitores, a recomendação é passar longe.