Filipe 17/02/2018
Cabelo, cabeleira minha
Nunca fui um exímio poeta, nem tão pouco um leitor voraz de poesias. Entretanto, não me sinto incapaz de apreciá-las. Talvez, assim desenvolvo outras áreas do meu eu, que a prosa não atinge. A poesia de Cristiane Sobral me pegou pelo pé, ou melhor, pela raiz dos cabelos. “SÓ POR HOJE VOU DEIXAR O MEU CABELO EM PAZ”.
O leitor desavisado e preconceituoso deverá tomar cuidado. O livro, de título potente, retrata encontros. Retrata o encontro do leitor com o eu negro, com o eu humano e negro. O poema que intitula o livro faz um convite. Despe tu de todo o preconceito e reconheça a si como um alguém, sem medo do julgo dos outros. O cabelo é nossa força, impacta em nossa autoestima, por isso, penso o quanto a autora foi feliz ao escolher esse título.
Cristiane Sobral caminha muito além do discurso racial. Sua obra, uma literatura humanizada que aborda temas universais. A existência, o amor, o eu poético, a sociedade, a emancipação da mulher, a ancestralidade.
“Apenas uma gota de sangue” questiona nosso desejo de pertença, nosso desejo de ocupar lugares que nos são negados. “Reflexo” destaca nossa capacidade e importância de nos reconhecermos no outro, em nossos pares, em nossos ídolos.
Ah, o sofrimento e a ausência expressos em “Quando a mãe morre muito cedo”. Sofrimento esse que, sem escrúpulos rouba a infância de uma criança. Com essas dores, “A Menina” que mora em mim esconde-se, deixando-nos sós nessa difícil vida de adulto.
“Amor de mãe e o princípio da eternidade” nos faz refletir o quanto continuamos em nossos filhos e filhas. O quanto somos continuação de nossos pais, de nossos ancestrais.
“Amei”, “Tente me amar”, “Com gosto de neve”, sem remorso e com desejo. O amor está aqui, nessas estrofes, versos que derramam nosso desejo de ser amado, sem medo, sem hora de partir. Nesse mundo, tão gélido de sentimentos, o amor-sobraliana grita: - AME – e sejamos eróticos, sejamos sensuais como “Orquídea deitada”.
Como rainha da justiça, Sobral nos apresenta questões sociais. Da hipocrisia de nossos representantes políticos - “Cidade Playmobil -; passa pela meritocracia em “Animalia”; e chega ao direito e a força da mulher “Inoxidável” em “Vôo Livre”.
Arrisco-me a falar de metalinguagem. A poesia de “Suplemento para a alma”, “A mão e a luva”, Nascituro fala dela própria, da poesia e da poetiza.
Cristiane Sobral, sem pedantismo ou superficialidade, nos entrega em “SÓ POR HOJE VOU DEIXAR O MEU CABELO EM PAZ” uma obra completa, profunda e humana.
site: http://filipeldias.blogspot.com.br/2017/11/cabelo-cabeleira-minha.html