Samantha @degraudeletras 22/02/2020ZWEING. Stefan. Êxtase da transformação. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.Christine (sobre)vive na Áustria entre guerras, mora com a mãe e trabalha numa agência dos correios. O dinheiro mal dá para chegar ao final do mês se não for pelo racionamento constante de alimento e itens de necessidades básicas. Sua vida é posta de ponta cabeça com o convite de sua tia para viajar durante alguns dias com ela.
O contraste entre a vida miserável de Christine e a bonança em que a tia e seus amigos vivem é dilacerador para a jovem, ela constata que em apenas algumas poucas horas o tio ganha o que a ela levaria meses a fio de uma labuta massacrante. Os bailes e conversas bobas a enfeitiçam, fazem com que esqueça sua real origem e chegue a acreditar que ela faz mesmo parte daquele meio.
O regresso antecipado da moça desembaça sua visão para a real e dura vida que leva, passa a odiar cada detalhe que torna a sua vida pesada. O desfecho disso é surpreendente e o final em aberto deixa para o leitor a escolha entre catarse ou punição.
Ao longo de todo o romance me identifiquei demais com a vida de Christine, não que eu viva num cenário de pós guerra, mas o massacre cotidiano do trabalho é muito semelhante, como a eterna preocupação de acordar cedo para não se atrasar, a rotina esmagadora e as vontades tolhidas.
"E, ao sentar-se de manhã, às oito horas, Christine está cansada - cansada não por ter completado e realizado alguma coisa, mas cansada de antemão de tudo aquilo que virá, sempre os mesmo rostos, as mesmas perguntas, os mesmo gestos, o mesmo dinheiro." P. 161
Uma das passagens que melhor representa esse meu sentimento de pertencimento é a seguinte:
"Todas as manhãs, quando vou ao trabalho, vejo os outros saindo dos portões de suas casas, maldormidos, sem alegria e com rostos inexpressivos, dirigindo-se a um trabalho que eles não escolheram e não apreciam, e que nada lhes importa, e vejo-os novamente à noite nos trens, quando voltam, com chumbo nos olhares e nos pés, todos esfalfados sem objetivo, ou com um objetivo que não entendem." P. 197
Há um trecho que em Êxtase da transformação me lembrou um outro livro, que é o 24/7 capitalismo tardio e os fins do sono, pois ele fala que o sono ainda é a única coisa possível que proporciona certo distanciamento da rotina, que recebe corpos exaustos e os faz esquecer de tudo.
A narrativa de Zweig é encantadora, a construção da ida à sociedade burguesa e regresso ao massacrante cotidiano do operário é de causar revolta e reflexão. Gosto MUITO de livros que abordam a temática trabalho e sociedade, pois me mostra o quanto ainda temos a progredir nesse sentido. O autor traz análises da exploração do Capital que ainda são atuais e nos faz pensar no quanto ainda temos que progredir para alcançar o bem estar social.
É cada vez mais comum encontrar essa exploração dentro das empresas disfarçadas de nomes bonitos com Coach ou qualquer coisa que o valha, chamam de motivação e dão míseros trocados de recompensa para desempenhos que adoecem os indivíduos com stresse, ansiedade e depressão. As vezes os objetivos que colocam em nossas cabeças, como ganhar um pouco mais ou ter um cargo X não vale todo o adoecimento mental que isso pode causar.
Stefan Zweig nasceu em 1881 e matou-se em 1942, no Brasil, por não acreditar que haveria um fim a todo o terror nazista que se instaurava durante a Segunda Guerra Mundial. Zweig se refugiou no Brasil e chegou a publicar o livro Brasil, país do futuro enquanto esteve por aqui.
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