Anna. 06/07/2012
Qual é a fonte da desigualdade entre os homens? Tal desigualdade é autorizada pela lei natural?
A pergunta acima nada mais foi do que um desafio lançado pela Academia de Dijon em 1753, a qual se comprometia a premiar aquele que melhor a respondesse. Impressionado com a magnitude da questão, Rousseau tenta – e consegue – respondê-la, o que resultou na publicação do “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”.
Precursor do romantismo, o pensamento rousseauniano muitas vezes é tido por utópico, mas isso não o impede de permanecer intacto ao longo dos anos, vencendo as barreiras do tempo e se mostrando atual, mesmo hoje, séculos depois de sua publicação.
O livro se divide em 2 partes: na primeira, trata-se da descrição do homem no estado de natureza, enquanto ser puro e imaculado; enquanto na segunda parte vê-se o desenvolvimento do progresso humano, o advento da propriedade, do Estado Civil, da sociedade, das leis e principalmente as implacáveis conseqüências da saída do estado natural.
Marcado por sua extrema sensibilidade, subjetividade e emotividade que lhe são características, tal obra em tela traz uma visão inovadora para a época.
Enquanto seus antecessores afirmavam que no estado de natureza o homem era mau por natureza (Hobbes) ou fraco por natureza (Montesquieu) ou mesmo dispunha de vários direitos inalienáveis, sendo o principal deles o direito à propriedade (Locke), o filósofo francês surgiu com a figura do bom selvagem: no seu estado de inocência original, o homem era bom, manso, feliz, puro e imaculado, vivendo isolado de seus semelhantes, sendo guiado segundo suas necessidades, seu instinto e sua razão, tendo por máximas a liberdade e igualdade.
Sob o risco de parecer demasiadamente utópico, Rousseau admitiu que esse ideal do “estado de natureza (...) talvez nunca houvesse existido, e provavelmente nunca existiria”. Assim, apresentava-o não como um fato histórico, mas como um parâmetro de comprovação, “um raciocínio condicional e hipotético”.
Mas, se no estado de natureza o homem gozava da suprema felicidade, desfrutava da mais pura e sublime paz e se deliciava com sua inexorável liberdade, o que o fez sair de tal magnânimo estado para se aventurar nas trevas do estado civil?
Respondendo ao questionamento lançado pela Academia, para Rousseau a origem do Estado Civil e a gênese de todas as desigualdades repousa na instituição da propriedade privada.
O homem, como ser instintivo e racional, tem a capacidade de evoluir. Com o decorrer dos milênios, o homem vai desenvolvendo seu espírito, adaptando seu corpo e, principalmente, aperfeiçoando a sua razão. Aos poucos o homem vai ampliando suas faculdades racionais, psíquicas e físicas, afastando-se de seu magno estado. Entretanto, é somente quando cerca um pedaço de terra e diz “isto é meu” é que o homem quebra eternamente seu vínculo com seu estado natural, institui e funda a sociedade civil, selando para sempre seu fatídico destino. A partir daí, surge a desigualdade econômica, política e social, assim como a maior parte dos males da vida moderna.
A fim de proteger e consolidar a propriedade privada, impõe-se a força, forma-se o Estado, instituem-se as leis e legaliza-se a injustiça, resultando nos principais males da civilização: separação de classes, escravidão, servidão, inveja, ódio, guerra, leis injustas, corrupção, etc. O bom selvagem se transforma no mau civilizado, agrilhoado pelas determinações e imposições da sociedade.
Diante do caos reinante, resta ao homem a indagação: devemos voltar à selvageria, na tentativa de retornar ao nosso estado original? Infelizmente, isso não é mais possível. A natureza humana já foi irremediavelmente envenenada e corrompida pela maldade e perversão da civilização. Acabar com a propriedade, com o Estado e suas instituições seria mergulhar a população em um caos pior que a civilização. Diante disso, como afastar o homem do contexto nefasto no qual está inserido? Uma vez que nos é impossível retornar à inocência original, resta-nos refrear a animalidade e ressaltar a racionalidade, pautando nossas instituições na moralidade e legalidade. Mas como? Através do pacto social, assunto este tratado em sua outra obra “O contrato social”.
Finalizando,(isso já está se transformando em um testamento!), devo dizer que a obra tem uma escrita apaixonada e reflexiva. A leitura pode ser um pouco penosa no início, mas depois que se começa a entender o pensamento de Rousseau, o percurso se torna límpido e claro, com leitura fluida e interessante, de fácil entendimento e compreensão.