Prisão Preventiva

Prisão Preventiva Isaac Sabbá Guimarães




Resenhas - Prisão Preventiva


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Paulo Silas 08/01/2018

O livro traz uma análise crítica não somente do tema constante no título, mas também sobre a abordagem metodológica e dogmática de base, a fim de melhor poder ser construído o argumento do autor que sustenta ao final da obra. O posicionamento adotado por Isaac Sabbá Guimarães é próprio, com características que são sustentadas pelo abordagem do tema proposta. Isso porque entende não ser possível discorrer sobre o assunto sem que antes se tenha um chão estabelecido, e esse chão é a base dogmática que é construída previamente à sua exposição.

Logo na introdução da obra, o autor lança críticas às vertentes doutrinárias e jurisprudenciais que não consideram o todo em sua formação (dogmática, metodológica, acadêmica...), levando ao surgimento de inúmeras correntes sem bases estruturais sólidas. Diante disso, o primeiro passo dado é justamente o de estabelecer os critérios de base adotados pelo autor, de modo que passa a expor o que entende como o fim do processo penal, fazendo algumas aproximações à sua conceitologia. Para o autor, "o Direito Processual Penal, apesar de sua função prático-jurídica que objetiva a concretização do Direito Penal, não pode ser aplicado por meio do raciocínio lógico-formal", ou seja, cumpriria ao direito processual penal disciplinar as regras aplicáveis à realização do Direito Penal, concretizando conjuntamente "os direitos jusfundamentais, as regras e os princípios consagrados na Constituição", podendo se falar, portanto, num "Direito Processual Penal Constitucional".
Ao elencar a necessidade de observância de todos os ramos do direito que dizem respeito à ciência penal (direito processual penal, direito penal, direto internacional dos direitos humanos, direitos constitucional, criminologia...), o autor aduz não ver razão para tratar da área processual isoladamente, como se estabelecendo sua finalidade sem que todas as demais sejam consideradas, pelo que propõe a definição de "Direito Penal Total" - que seria a integração de todos esses ramos do direito, a fim de que assim possa ocorrer a "necessária univocidade de seus objetivos".
Por assim considerar, Isaac Sabbá vai situar, dentro de tal perspectiva, que dentre as finalidades do processo penal estariam o resguardo dos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, incluindo aí a ideia das finalidades da pena (prevenção geral e especial - negativa e positiva), construindo assim uma "concordância prática entre o processo penal e a realização dos fins da pena". Com isso, justificaria também por esta ótica as medidas cautelares restritivas de liberdade.

O autor aponta ainda para o que entende como erro metodológico nas abordagens garantistas, uma vez que, como já pontuado, defende não poder existir dissenso entre a finalidade do direito penal e a do processo penal, e isso incluiria não apenas a concretização de direitos e garantias individuais de ordem individuais, mas também deveriam dizer respeito ao ser social. Assim, com base em seu constructo, Isaac vai expor e refutar criticamente ideias de grandes processualistas nesse ponto, dentre eles Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa e Eugênio Pacelli, uma vez entender que "o discurso do garantismo ao modo como é proferido por nossos juristas, tem seduzido o mundo acadêmico e juízes que, no entanto, não se dão conta dos (graves) erros metodológicos", pois "nem identificam uma matéria plausivelmente refutável, nem encontram apoios sólidos para prescreverem sua conclusão". Dentre as críticas feitas pelo autor, também pode ser citado o "exagerado recurso ao princípio da dignidade da pessoa humana [...] na medida em que sua absolutização implica a própria anulação de seu conteúdo ideológico".

Quanto às finalidades das medidas coercitivas, o autor vai tecer algumas considerações sobre a realidade brasileira, refutando a ideia da midiatização do processo penal (defendendo que a mídia não inventa ou dramatiza o fenômeno da criminalidade) e outros mitos (assim por ele entendidos), argumentando que as medidas cautelares coercitivas possuem seu devido reflexo na ideia de segurança pública. Assim, os termos "segurança pública" e "ordem pública" encontram respaldo enquanto fundamentos idôneos na instrumentalização do processo, sendo possível, dentro de sua ideia de Direito Penal Total, o uso das medicas cautelares visando resguardar tais conceitos que encontrariam suporte constitucional.

A crítica final é realizada contra a política criminal estruturada pelo Supremo Tribunal Federal. Para o autor, a Corte se exacerba em suas funções, ensejando num verdadeiro ativismo judicial, uma vez que dada a postura dos "juízes democratas", haveria um indevido alargamento da discricionariedade judicial.Os reflexos estariam nas decisões do STF, de modo que o autor seleciona algumas a título de exemplo, demonstrando em que consiste a equivocada política criminal adotada pelo Supremo que aqui refuta. Questiona, por exemplo, o argumento da incompatibilidade da prisão cautelar com a presunção de inocência, bem como o de que o Estado-Juiz não deveria se subordinar à opinião pública, os quais, dentre outros, desconsiderariam o suporte metodológico, dogmático e estrutural de um necessário Direito Penal Total - proposta esta que quebrantaria a observada política criminal adotada pelo STF.

O autor encerra a obra com algumas propostas para a reformulação dogmática do direito processual penal: (1) "conciliar o aspecto coercitivo dos instrumentos processuais penais, com a assunção gradativamente maior de uma política criminal que valorize o sistema acusatório"; (2) mudar a "lógica de aproveitamento de atos" ao considerar a necessidade da estrita observância da prescrição normativa; (3) "enxergar os problemas processuais penais num horizonte amplo" (envolvendo a Constituição, a criminologia, a política criminal e a execução penal); (4) "o processo penal deve lesar o mínimo possível [...] as liberdades individuais; mas também deve encarnar sua condição instrumental de realização do Direito Penal"; (5) que as decisões dos juízes levem em conta que "as medidas coercitivas restritivas de liberdade impactam, mesmo que de forma indireta, na segurança pública"; (6) a necessidade de observância aos limites impostos pelo direito quando da interpretação.

Por mais que reconheça a seriedade com a qual o autor trata a temática, discordo de muitas das suas pontuações. Por mais que bem intencionado, sua proposta de Direito Penal Total, tal como exposta, leva a instrumentalizar a medida tratada na obra (a prisão preventiva) enquanto forma de se garantir a ordem pública e a segurança pública. Não obstante, entendo inadequada sua crítica contra a impossibilidade de o Estado-Juiz julgar atendendo aos anseios da população pelo fato de assim agindo estaria um "distanciamento da ratio jurídica da moral social". Há todo um esforço para que o ser social, ou seja, a população como um todo, seja levado em conta na instrumentalização do processo, de modo que o anseio da comunidade deveria ser levado em conta no caso penal. Por mais que as críticas do autor se deem contra o garantismo em suas formas mitigadas ou incompreendidas, nesse ponto é possível observar que sua proposta em muito se distancia daquela que o garantismo propõe. Além disso, ao questionar o princípio da presunção de inocência utilizado pelo STF enquanto demonstração de incompatibilidade com a prisão cautelar, o autor chega a refutá-la como o seguinte questionamento: "Se o delinquente é ser com dignidade, merecendo tratamento humano, também não o será o cidadão honesto, que pretende um melhor nível de segurança para sua comunidade e enquanto ser-da-comunidade?" - o que soa um tanto quanto forçoso, pois não vejo uma coisa justificando a outra. Ainda, o autor encara questões problemáticas enfrentadas pelo processo penal como fossem mitos (processo penal midiático e os levantes do feminismo, por exemplo), mas escorrega num verdadeiro quando fala em "Verdade Real". Por fim, não vejo que a exposição do autor retrata de fato a política criminal do STF sobre o tema - pelo menos não da maneira como pode se supor pela leitura, uma vez que argumenta que a Corte possui uma visão que preza demasiadamente pela liberdade (em que pese nesse ponto fosse preciso fazer uma análise mais concreta sobre a questão para se confirmar a hipótese).

Seja como for, é um livro que merece ser lido - mesmo que a título de contraponto de uma visão mais garantista. Isso porque, mesmo com várias discordâncias (algumas aqui expostas), o autor faz um trabalho sério, com base e com fundamentos, tratando com robustez em vários níveis a sua construção e exposição presentes na obra, preocupando-se com o estabelecimento de um processo penal justo e democrático - mesmo que numa perspectiva dissonante da qual me situo. Uma boa contribuição para o debate.
Vale a leitura!
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