Márcia 13/07/2023
Estação Onze - Emily St. John Mandel
Estação Onze é o quarto livro de Emily St. John Mandel e o único traduzido para o português. A obra ganhou o Arthur C. Clarke Award em 2015, e foi finalista de outros prêmios, como o National Book Award, Pen/Faulkner e Bayleys Womens’s Prize. Foi indicada como um dos dez melhores livros do ano pelo The Washington Post, TIME Magazine, TimeOut New York, entre outros, tendo figurado oito semanas na lista dos mais vendidos do New York Times. Seus direitos para adaptação ao cinema foram comprados por Scott Steindorff.
Em um mundo pós-apocalíptico devastado por uma gripe, a Sinfonia Itinerante viaja constantemente na tentativa de levar música e Shakespeare para os sobreviventes, mas nem sempre o que eles encontram no caminho são aplausos e pedidos de bis. Quando o extinto de sobrevivência do ser humano é colocado à prova sua essência é revelada de várias formas e nem sempre o que é revelado são provas de nossa civilidade.
Com um cenário pós-apocalíptico muito perto de um futuro real, conhecemos três personagens que vão guiar os acontecimentos da história: Arthur Leander, Jeevan Chaudhary e Kirsten Raymond. Através da vida dessas três personagens, Emily guia nossos passos e nos situa, antes, durante e depois do surto de Gripe da Geórgia. Usando três linhas temporais diferentes para nos apresentar os eventos que antecederam e sucederam a calamidade, a autora nos apresenta um futuro em que a humanidade parece, na verdade, ter "regredido". Toda a tecnologia que tínhamos alcançado e de quem dependíamos tanto deu lugar a um mundo selvagem e rústico.
Estamos no Ano Vinte (os anos são contados a partir da epidemia) depois de a humanidade ser praticamente extinta. A gasolina estragou por volta do Ano Três. Não há energia elétrica, antibióticos, ar-condicionado, analgésicos ou outros confortos que sequer percebemos, até deixarem de existir.
A construção da narrativa, em terceira pessoa, tem múltiplos focos. Ela acompanha personagens que viveram integralmente nos mundos antes ou depois do Ano Zero, assim como aqueles que, já adultos, participaram da transição.
Arthur Leander, um famoso ator, é o eixo central de todos os personagens. Ele tem um ataque do coração e morre no palco logo na abertura do livro, às vésperas da disseminação da Gripe da Geórgia. Por meio dele, temos a perspectiva crítica do mundo como era. É o típico homem em crise de meia-idade, que questiona seus valores e atravessa o processo de tentar descobrir aquilo que realmente importa em sua vida.
Jeevan Chaudhary, um ex-fotógrafo paparazzi que largou a profissão para se tornar socorrista, assistia à peça e prestou os primeiros (e últimos) socorros ainda no palco. Por meio do relato da sua vida, vemos a transformação entre a antigo e o novo mundo. É um personagem que igualmente serve como pretexto para uma avaliação sobre valores e como eles, e não os objetos no nosso entorno, definem o ser humano.
Kirsten Raymonde é uma menina de oito anos que está em cena quando Arthur sofre o seu ataque do coração. Ela sobrevive sem os pais, mas com a assistência do irmão mais velho, aos primeiros anos depois da epidemia. Nesse período, sofre traumas que lhe bloqueiam a memória. Depois do falecimento do seu irmão, ela se junta à Sinfonia Itinerante. Kirsten nos dá a perspectiva daqueles que não guardam lembranças do mundo como ele foi.
Além desses três, outros personagens, em tempos narrativos diversos, compõem um rico e bem construído mural de personalidades. Alguns, como Miranda, primeira mulher de Arthur, e Clark Thompson, melhor amigo do ator, são construídos com tanta sensibilidade e empatia que deixam um amargo gosto de separação quando o livro termina. Emily conduz a narrativa de forma hábil, estabelecendo ligações entre todos, assim como entre eventos no passado e no presente (do livro).
O livro, em conclusão, é ambicioso, poético e muito bem escrito. Equilibra um consistente desenvolvimento dos personagens, das suas histórias entrelaçadas e de algum drama.