Aléh 02/11/2023
Maravilhoso!
Gostaria de começar esta resenha dizendo que para mim é muito importante ler autores brasileiros, principalmente mulheres e é um plus a mais quando a autora é do mesmo meu estado, como é o caso de Stefani. E, também, que este não é meu primeiro contato com a história, visto que eu havia lido outra versão deste mesmo livro quando a autora disponibilizara-o no wattpad, há alguns anos. E, com felicidade, hoje tenho a versão física dele, autografado!
A história se passa em Tazur, único país existente após uma doença se alastrar pelo mundo inteiro e extinguir boa parte da população, o que conta muito bem o prólogo. Tazur se localiza em parte da Floresta Amazônica, pegando parte do que hoje é o Brasil. Uma grande qualidade deste universo, a meu ver, é que a autora criou a localidade ocupada por Tazur em relação ao que conhecemos atualmente, assim como a estrutura da principal edificação da história, e nos disponibiliza ambas nas primeiras páginas do livro. Nesta distopia, o país é governado por três pessoas, que estão mais preocupadas com seus próprios luxos do que com a população em geral, e elas detém todo o poder por tempo ilimitado, de acordo com suas próprias vontades. Nós temos acesso aos acontecimentos diante a narrativa de dois militares, Júlio guarda de confiança de uma das governantes - e Liss a recém chegada guarda pessoal da mesma governante. Além dos diários feitos por Thomas guarda de confiança de outro dos governantes -, amigo pessoal de Júlio. Como guardas de confiança, Júlio e Thomas conhecem muito bem a maldade dos governantes, e depois de tanto tempo obedecendo às suas ordens, sentem que precisam mudar essa realidade através de um golpe de estado. Júlio e Thomas possuem um outro grande amigo, Andrew, que, como jornalista, é dono de um jornal de oposição ao governo, onde denuncia várias atrocidades cometidas e está ao lado dos amigos na vontade de modificar o governo.
Ao longo do livro, os três amigos planejam formas de dar o golpe, pensando em cada detalhe. Assim como seguem obedecendo às ordens dos governantes, a fim de não levantar qualquer desconfiança deles. Também, Júlio se encarrega de analisar Liss e a possibilidade de trazê-la para o lado deles. Além de recrutarem outras pessoas de confiança que possam ajudá-los no plano e colocá-lo em prática. Com isto, passam por vários momentos críticos onde correm risco de segurança e, inclusive, de morte e situações embaraçosas e inesperadas.
Acho incrível a descrição detalhada que a autora faz, o cuidado com cada detalhe e a forma como coloca o leitor a par de cada movimento dos personagens, encaixando cada motivação e atitude, de forma a dar sentido à narrativa.
ATENÇÃO: Spoilers sobre mortes e/ou situações fortes:
Existe a menção e descrição de miséria e desigualdades graves. Ameaças com arma de fogo. Além da descrição de situações humanas degradantes, de torturas e violências extremas. E de sequestro/abandono de criança.
ATENÇÃO: Demais spoilers a partir daqui:
Vou começar falando de Andrew, personagem que rapidamente se tornou o meu preferido. Seu humor diferenciado, sua visão idealista das coisas, seu ímpeto revolucionário. Talvez por não fazer parte do exército, e por ser jornalista, eu tenha me identificado bastante com ele. E, achei muito importante para a história ter um personagem bastante marcante e decisivo de fora do quartel, com uma visão diferenciada, trazendo o contraponto de opinião aos amigos militares. Gostei muito da tirada de fingirem que ele havia morrido para conseguir fugir dos governantes que o seguiam. Amei a Deise. Acho que combinou muito com o humor do personagem e a necessidade do disfarce, realmente foi incrível. E, também, confesso que em uma parte da história, torci muito para que ele e Liss virassem um par romântico, mas com o desenrolar da história, a forma como foi contada a aproximação de Liss com Júlio, antes mesmo do beijo, eu já estava shippando o casal.
Liss é uma personagem que demorou a ganhar minha admiração. Inicialmente bem desconfiada, e se mostrando bastante resistente a ter uma postura ativa de luta contra todas as atrocidades cometidas e ordenadas pelos governantes, inclusive ameaçando denunciar Júlio quando ele lhe contou sobre fazer parte do grupo da Missão. Apesar de ter interferido rapidamente na ocasião da tentativa de estupro no beco e se sentir bastante afetada pelas desigualdades a que é apresentada por Júlio, demorou bastante a perceber suas potencialidades de luta contra o sistema e entender suas prioridades frente ao juramento de sempre defender os governantes. Acredito que a partir do momento em que ela foi convidada a participar do grupo secreto, as coisas dentro de si começaram a mudar. E, ao final, fiquei muito feliz em ela ter assumido o controle do golpe. Tanto por ela ser mulher, como porque acredito que ela conduziu tudo muito bem e sua visão humanitária foi o melhor para aquele momento, apesar de os outros grupos na ação do golpe tenham sido mais violentos.
Júlio, para mim é um personagem que não me despertou grandes emoções, com exceção dos momentos em que foi torturado, sua invasão ao laboratório de experimentos e, também, nas noites que passou com Margareth. Na primeira, fiquei bastante triste, pois ele não merecia passar por aquilo, e também fiquei muito irritada, por ser difícil existirem pessoas tão obstinadas e dedicadas a causas ideológicas, e as torturas eram justamente para ele deixar de ser assim. Na segunda, senti identificação, me conectei com ele na vontade de libertar as pessoas e querer vida digna para todo mundo. E, na terceira, eu o odiei com força. Eu entendi que ele fazia tudo para não levantar desconfianças, mas ao mesmo tempo ele se sentia muito atraído pela governante, visto que ela era jovem e bonita fisicamente. Me aborrece profundamente em personagens, pois em pessoas reais eu não tenho nada a ver com a vida de ninguém - essa falta de profundidade que a aparência física conta muito mais do que os ideais e valores das pessoas.
Thomas, por último, foi um personagem que me irritou significativamente por dois motivos. Primeiro, por não ser tão humano e não se importar tanto com possíveis vidas perdidas, por ser mais frio. E, em segundo, pela sua implicância com Andrew, por descredibilizar tudo que ele falava e acreditar que ele fazia tudo com más intenções. As torturas que ele passou não me impactaram significativamente por não ter uma narrativa com a visão dele. Gostei da representatividade LGBT, mas acredito que tenha ficado bastante escondida por a escrita não focar em sua visão nenhuma vez. E, para mim, os diários deste personagem muitas vezes se tornaram repetitivos, dizendo coisas que já haviam sido ditas durante o capítulo.
Para finalizar, gostei bastante do final do livro. Deixou claro que os sargentos bastante torturados não morreriam, mas ficou no ar a grande possibilidade de as torturas terem modificado de forma quase permanente a visão e jeito de ambos. Deixou bastante curiosidade para a leitura continuar.