Zeka.Sixx 07/12/2020
Um duro choque de realidade: o homem por trás do mito
Lançado em 1962, este livro tem como inspiração um breve período em que Kerouac esteve hospedado, dois anos antes, na cabana de seu amigo Lawrence Ferlinghetti, na belíssima região do Big Sur, na Califórnia (lugar onde, durante muitos anos, Henry Miller também morou).
O romance começa em um ritmo um pouco monótono, a princípio dando a entender que será apenas uma descrição da estadia de Kerouac (aqui representado pelo alter-ego "Jack Duluoz") no meio do mato: passeios pela floresta, longas caminhadas, jantares solitários à luz de um lampião, tentativas de escrever um poema inspirado no som das ondas...
De repente, a história ganha outro ritmo, quando o narrador resolve dar um pulo em São Francisco para rever os velhos amigos, e tudo começa a sair espetacularmente fora dos trilhos. A partir daí, e até o final do romance, Kerouac se desnuda para o leitor de maneira impressionante. Somos apresentados ao "homem por trás do mito": àquela altura, três anos após o lançamento de "On the Road", ele já ostentava um status de celebridade literária, e era visto como um verdadeiro super-herói beat. E, claramente, já sentia a pressão de ter de fazer jus à lenda: estar 24 horas em farras homéricas, noitadas homéricas, bebedeiras homéricas.
O que o leitor encontra em "Big Sur", contudo, é um homem seriamente atormentado, derrotado pelo alcoolismo, sofrendo severas crises de abstinência, com delírios paranoicos, dividido entre a repulsa pela "persona" que criou e a imensa dificuldade em abandonar tal estilo de vida. É um livro pesadíssimo, depressivo, mas um brilhante retrato de um homem à beira do precipício. Escrito em um estilo de certa maneira mais contido para os padrões de Kerouac, arrisco dizer que ombreia com seus trabalhos mais célebres, como o já citado "On the Road" ou "Os Subterrâneos".