Polly 21/01/2023
O Mercador de Veneza: Shakespeare, ícone da cultura pop (#183)
Comecei O Mercador de Veneza na expectativa de que faria uma releitura, e chego ao seu fim com um dilema a resolver. Só existem duas alternativas possíveis: ou eu li um outro livro e confundi o título - e preciso urgentemente descobrir qual livro que li e amei na adolescência - ou eu simplesmente tenho a pior memória desse mundo.
Do livro que li, não lembro dos detalhes, mas tenho uma vaga ideia geral sobre o que é a história. O livro que estou nas mãos não chega nem perto dessa lembrança. Então, eu acho que é provável que eu tenha uma nova missão na vida: saber qual foi, na verdade, o livro que li anos atrás - e que me fez chorar que nem boba-, pois definitivamente ele não é o que eu acabei de ler (risos).
Mas nem por isso O Mercador de Veneza deixou de ser bom, afinal, um Shakespeare, né? Bem naquele estilo de drama-comédia da Sessão da Tarde, o enredo e os personagens nos envolvem de tal maneira que a gente acaba por ler o livro inteiro de uma única vez. Não sei se a narrativa adaptada para prosa contribui para isso, mas é um texto de uma simplicidade extrema. Shakespeare sempre me parece muito popular. Acessível a todo mundo, sabe? Pois, embora simples, o autor consegue abordar a complexidade humana de modo profundo, como pouca gente é capaz de fazer.
Agora, o que mais me entusiasmou na leitura de O Mercador de Veneza foi me dar conta de que essa obra foi inspiração e referência para duas obras icônicas da cultura brasileira: Ó paí, ó e O Auto da Compadecida. Em Ó paí, ó, Shakespeare se faz presente na tocante cena protagonizada por Roque e Boca, personagens vividos respectivamente por Lázaro Ramos e Wagner Moura. Roque faz um discurso antirracista emocionante, de arrepiar os pelos da nuca, que é simplesmente uma paráfrase de uma fala do personagem judeu Shylock. Já Ariano Suassuna, pegou a ideia do contrato em que se estipula tirar um pedaço de carne do fiador caso a dívida não seja paga. Quando li sobre os termos do contrato, eu já sabia qual seria o desfecho daquilo.
Acho incrível como uma obra que foi feita no século XVI consegue inspirar outras, muitos séculos depois, numa cultura completamente diferente da que pertence. O cara tem que manjar demais da psique humana para fazer uma obra tão universal, uma obra que ultrapasse tempo e cultura. Tem que ser muito fabuloso para conseguir tal proeza.
Bem, nem preciso falar que a leitura vale a pena, né? Uma obra capaz de inspirar O Auto da Compadecida, por si só, já diz a que veio. Muito, muito massa!