Alan Martins 05/10/2017
As fábulas ainda podem nos ensinar, e muito
“A fábula mostra que se você quer realmente viver sem perigo, não confie nos inimigos, confie nos amigos e os preserve”. (ESOPO. Os três bois e o leão. In: Fábulas. Martin Claret, 2017 p. 54)
Ao menos uma vez na vida todos nós já ouvimos uma fábula. Aquelas historinhas bem curtinhas, que trazem uma moral ao final. Se lembra? Um dos maiores e mais conhecidos fabulistas foi Esopo, autor grego do século VI a. C. A presente edição traz 358 fábulas, em uma edição muito bacana, traduzida diretamente do grego.
QUEM FOI ESOPO?
Acredita-se que o autor nasceu na região da Trácia, Ásia Menor, e foi um escravo liberto pelo seu último senhor. Porém, sua vida e existência são um mistério, pois há poucas fontes que possam confirmar certas afirmações.
Muitas fábulas são creditadas a ele, todavia isso não é consenso, pois, ao que tudo indica, essa obra creditada foi produzida ao longo de mais de um século. Entretanto, é possível encontrar citações sobre suas fábulas até mesmo em Aristóteles e em Platão, o que confirma sua popularidade na sociedade grega, mesmo que ele não seja o autor de todas elas.
Popularidade essa que persiste até hoje. Muitos já tiveram contato com alguma de suas obras, como as fábulas ‘A raposa e as uvas’, ou ‘A lebre e a tartaruga’, aquela onde a lebre perde a corrida para a tartaruga, por presunção. Lembrou?
“A fábula mostra que os homens prudentes, quando já experimentaram a iniquidade de alguns, não mais são enganados por seus fingimentos”. In: O gato e os ratos, p. 29
MINICONTOS
Podemos, dessa forma, as fábulas classificar, ou também, como ‘microcontos’. Trata-se de pequenos textos, de um único parágrafo, que discorrem sobre algum tema relacionado à uma característica da personalidade humana.
Possuem um tom de ensinamento, pois uma moral pode ser concluída ao final. Funcionam como “conselhos”, sempre dizendo para não agir de tal modo, pois algo ruim pode acontecer.
É de um tipo de texto de leitura rápida, pois, em um livro com 169 páginas, existem 358 desses minicontos. Na época de Esopo, a leitura era feita de forma oral, em público, diferente de hoje, onde lemos em casa, de forma individual. Então, serem histórias curtas contribuía para sua ampla difusão, sendo transmitidas de boca a boca.
Quem deseja conhecer melhor o que é um miniconto, eu indico o Blog do Palhão, um autor que trabalha com esse tipo de texto, e tenho certeza que ele vai gostar de conhecer esse livro (fica a indicação).
“Assim também, entre os homens, alguns se protegem dos inimigos esquecendo-se de que caem nas mãos de amigos muito mais perigoso do que os inimigos”. In: A alcíone e o mar, p. 36
ALEGORIAS
Essa é a característica marcante de uma fábula. As personagens, na grande maioria, são animais com características humanas, construindo uma metáfora, figuras de linguagem. Em sua introdução para essa edição, a Dra. Ana Thereza Basílio Vieira comenta sobre como a domesticação de animais influenciou essas alegorias, transformando-os em seres quase-humanos. Algumas fábulas apresentam também, além de animais, deuses do Olimpo, que significavam muito à sociedade grega.
Diversos animais são recorrentes nas fábulas de Esopo, como raposas, leões, serpentes e asnos, cada um simbolizando uma característica da personalidade humana, que às vezes se modifica, nem sempre o leão é apresentado da mesma forma, por exemplo.
A principal premissa das fábulas é ensinar algo, um ensinamento baseado na moral da época de seu criador, muitas vezes uma visão determinista, mas que pretende tirar o leitor (ou ouvinte) de sua ingenuidade, despertando-o para a realidade, que nunca é um conto de fadas.
“Assim também, entre os homens, há os imprevidentes que, por esperança de coisas maiores, dispensam o que têm em mãos”. In: O rouxinol e o gavião, p. 27
SOBRE A EDIÇÃO
Baseada na edição proposta pelo francês Émile Chambry, historiador e especialista da cultura grega, a presente edição contém 358 fábulas traduzidas do texto original em grego por Clara Crepaldi, doutoranda em Letras Clássicas. Uma tradução muito boa, por sinal, utilizando uma linguagem sofisticada, se mantendo fiel, por ser direta.
Uma edição em capa comum, com orelhas, miolo em papel Pólen Bold (páginas espessas, que deixam o livro “encorpado”), boa diagramação, contendo algumas ilustrações (em preto e branco) de N. Mengden, Arthur Rackham e Randolph Caldecott.
Temos uma edição caprichada, excelente para conhecer as fábulas, com o trunfo de possuir uma tradução direta. A editora está de parabéns por essa iniciativa.
“Aplicar-se-ia esta fábula àqueles homens que negligentemente administram as próprias vidas, mas pensam entender o que em nada lhes diz respeito”. In: O adivinho, p. 122
CONCLUSÃO
Apesar de apresentar uma visão determinista, baseada na moral de um povo, apresentando alguns preconceitos, às vezes; as fábulas fazem-se presentes na sociedade atual, pois ainda representam uma visão recorrente entre nós. E muitas delas apresentam bons ensinamentos, abrindo os olhos do leitor, para que ele não aja de forma juvenil e ingênua, propondo que pensemos antes de agir. Ademais, é uma boa fonte de conhecimento, pois apresenta a visão da sociedade grega de séculos atrás, sendo uma obra de grande valor histórico e cultural, mostrando que aquele povo era muito evoluído e inteligente. Vale a pena adquirir esta edição, leitura prazerosa, rápida e fácil.
“Assim, muitos homens que pelos vizinhos são proclamados bem-aventurados pela aparência exterior, esses, na intimidade, pelos maiores males são afligidos”. In: O doente e o médico, p. 129
Minha nota (de 0 a 5): 4,5
Alan Martins
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