Toni 03/11/2020
Antígona [c. 440 a.C.]
Sófocles (Grécia, c. 496-406 a.C.)
L&PM, 2011. Trad. Donaldo Schüler.
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Meu primeiro contato com Antígona foi inesquecível: 1º semestre do curso de Letras (UFPB), idos de 2005, “Teoria da Literatura 1”, professora sublime-inspiradora Ana Marinho, estudando a Poética de Aristóteles, leitura dramática com a turma. Antígona é uma das filhas de Édipo, irmã de Ismene, Etéocle e Polinice—estes últimos guerreiros que morrem em batalha um pelas mãos do outro. O regente de Tebas, Creonte, determina que aquele que morreu defendendo a cidade, Etéocle, seja enterrado com os ritos e homenagens que acompanham os grandes homens ao mundo dos mortos, enquanto o “traidor” de Tebas, Polinice, deveria permanecer insepulto para que seu corpo fosse profanado por aves e cães. Ao tomar conhecimento do decreto real, Antígona desafia a vontade de Creonte e tenta sepultar o irmão, mas é surpreendida por guardas no momento em que preparava o corpo de Polinice com exéquias e libações. Levada à presença do regente de Tebas, Antígona confessa a transgressão e é condenada à morte.
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Ancorada no imperativo da consciência, Antígona é, possivelmente, o maior símbolo de resistência em culturas ocidentais de ascendência greco-romana, em grande medida porque uma das inovações da obra de Sófocles consistiu em tirar o foco das tragédias maquinadas pelos deuses e reposicioná-lo sobre dramas ocasionados pelo arbítrio humano. O conflito entre Antígona e o Estado é um conflito entre vontades, completamente desprovido de interferência divina: de um lado, o vilipêndio aos inimigos da pólis comandado pelos estratagemas políticos de Creonte, do outro, o direito dos mortos à dignidade e o direito dos vivos ao luto. Em meio a estados de exceção e genocídios histórico-estruturais, a insurgência de Antígona em defesa de ideais abstratos como justiça, piedade e memória ganha força simbólica por conta de sua altivez e resolução inflexíveis. Contrariando as expectativas da mulher na sociedade "clássica", a filha de Édipo é uma figura com peso político real; um lembrete constante de integridade, decência e luta por direitos inalienáveis sempre e diariamente ameaçados.