Ale 15/03/2017
A assassina de Javert
Trata-se da história da filha de Édipo, resoluta em enterrar seu irmão tombado em batalha contra seu outro irmão. Sozinha, portanto, levanta-se contra a tirania do tio, Creonte, desafiando a lei outorgada por este, na tentativa de sepultar o irmão caído.
Creonte edita uma lei que desafia aquilo que chamam de "lei não escrita" e Antígona, grande heroína, levanta-se para fazer valer a lei não escrita, provinda dos deuses, indissociável da justiça. Há dois pontos muitos interessantes na obra, desenvolvidos no decorrer de poucas páginas, mas muito claros: a briga entre direito positivo (lei de Creonte) e direito natural (direito de ser sepultado), com derradeira derrota do primeiro; e o levante de uma só (uma mulher!) em luta contra todo o Estado, representado por Creonte, sem hesitação ou fuga. A justiça se mostra contra a tirania, sem rodeios ou meias-palavras, e se sobressai mesmo com a morte daquela que a empunha.
O direito vindo dos deuses não pode ser ignorado, pois é eterno e perfeito, de modo que mesmo eles estão sujeitos às leis. Modernamente, a nascente do direito natural toma, em alguns, de Deus, em outros, da natureza humana. De qualquer forma, não é material em essência e só pode ser percebido no íntimo de cada um, seja pelo viés da razão, da intuição ou sentimento, por isso dizer que é inerente do ser humano, porque não pode ser absorvido, mas já nasce com todos.Isso, claro, teria algumas ressalvas a fazer, mas que não cabem aqui, pois ainda estamos em Antígona.
Tamanha heroína numa sociedade dominada por homens, traz à Atenas uma reminiscência da importância da mulher, que estava sendo esquecida e distorcida. O medo da tirania atingia tanto homens quanto mulheres, mas Antígona mostrou que a tirania, a lei, pode estar em caminho oposto à justiça, e não é o medo da morte que afastará a justiça das condutas das pessoas, pelo menos não de Antígona.
O deletério desfecho mostra o tamanho poder do direito natural, provindo, no caso, dos deuses, mostra também que o arrependimento não muda os fatos, o agir sem pensar trará consequências independentes do pensar depois de agir, como fez Creonte. Mesmo destemido a desfazer as injustiças, teve de segurar o filho morto em uma mão e a esposa na outra. Por isso, pensar antes de agir costuma levar as condutas à justiça, não podendo ser ignorada por mero orgulho, como Creonte o fez.
Antígona matou Javert.