brunossgodinho 22/05/2022É preciso começar dizendo que a
Poética é uma leitura desagradável. Não porque ruim, não porque enfadonha, mas porque incompleta. Como outros livros de Aristóteles que se perderam ao longo dos tempos, a
Poética da qual podemos desfrutar é mero fragmento daquilo que o intelecto vasto de Aristóteles conseguiu produzir.
Muita coisa de nosso modo de pensar e da semântica das nossas ideias sobre produção ficcional se explica numa leitura desse texto. Já de outras leituras de textos originalmente produzidos em grego, especialmente se forem de Aristóteles, é possível "pressentir" o papel polissêmico ao qual se presta o verbo grego
poien. Para os historiadores (classe da qual faço parte), pensar uma poética tornou-se tarefa (quase) central da reflexão teórica nos últimos anos.
Dedicado essencialmente à tragédia, a
Poética dá pinceladas, por comparação, em outros gêneros narrativos. Os elementos fundamentais desse fazer das tramas que é a poética são conhecidos, até óbvios, mas explicados em algumas minúcias e marcados por diferenças fundamentais entre nossa cultura e a dos gregos. E é nessa diferença que, penso, há um caminho importante de recuperação de uma qualidade que, há tempo, parece gradativamente se perder nas produções de narrativas.
As principais formas de ficção que povoam nossa vida — narrativas textuais e audiovisuais, romances e filmes ou séries de televisão — têm sido marcadas por histórias cada vez menos inventivas. Não que os gregos tenham sido absolutamente originais e, no que forem, tiveram a vantagem de viver há mais de dois milênios e, assim, estamos sempre em situação menos privilegiada. Mas é notável como boas histórias não conseguem ser recontadas de maneira efetiva; ou novas histórias (ainda que não sejam originais, isto é, que tenham sido criadas do zero) não sejam suficientemente boas por não manejarem bem suas tramas.
Um dos objetivos centrais da poética aristotélica é a mobilização das emoções. E, claro, para nós, pouco efeito teriam as tragédias gregas. Ou, pelo menos, não aqueles que eram a meta de seus inventores. Para nós, sobra um efeito que é menos do texto trágico e mais do tempo, da distância cultural que nos separa. Por outro lado, o livro de Aristóteles nos dá alguma noção daquilo que falta nos textos (trágicos ou não) de hoje para que eles efetivamente nos comovam.