Ana Alice 20/04/2021
I-Juca-Pirama e a representação do indígena no século XIX
O aclamado poema “I Juca Pirama”, de autoria de Gonçalves Dias, é um dos maiores exemplos da primeira geração do romantismo brasileiro. Composto por dez cantos com versos metricamente variáveis, ele narra a história de um índio Tupi que, após se embrenhar na mata com seu pai cego, acaba preso por indígenas Timbira para a realização de um ritual antropofágico.
Assim como as demais obras indianistas, “I-Juca-Pirama” é caracterizada por apresentar a figura do índio como o herói nacional, de forma análoga aos cavaleiros medievais no romantismo europeu. Desse modo, elementos da cultura nativa são essenciais para a compreensão da história, a exemplo do velho pai que percebeu que seu filho estivera em um ritual antropofágico apenas pelo odor acre de suas tintas corporais. Tais elementos também estão presentes na estrutura do poema, como é possível perceber pela musicalidade, que visa imitar os tambores indígenas, presente nos versos que narram os acontecimentos posteriores à captura do índio Tupi. No entanto, essa musicalidade não se aplica a todo o poema, uma vez que, nos cantos marcados pelas falas dos personagens retratados, o ritmo é consideravelmente mais suave.
“I-Juca-Pirama” é, sobretudo, uma obra dramática. O seu título, que significa “aquele digno de morrer”, faz jus à dramatização da jornada do índio idealizado como herói nacional, quem é constantemente colocado à prova dos valores de honra e coragem cultivados pelo seu povo. Assim, todos os acontecimentos são extremamente simbólicos, desde a renegação e vergonha sentida pelo pai ao fechar os olhos para não ver o seu filho, ainda que já fosse cego, até a rejeição do índio como um bom sacrifício pelo chefe do povo Timbira. O poema, além de ser cativante, está repleto de reviravoltas as quais fazem com que o leitor experimente um misto de ansiedade e euforia quanto à resolução do conflito e o fim da jornada heróica do protagonista, o qual acontece com a luta entre o índio Tupi e a aldeia Timbira, uma última prova de coragem.
A obra, por possuir poucas páginas e uma linguagem relativamente mais fácil do que as demais obras do período, é recomendável a todos aqueles que queiram se introduzir na leitura da literatura romântica brasileira, mas não sabem por onde começar. Também é uma excelente indicação para aqueles que queiram conhecer um pouco mais sobre a mentalidade do século XIX a respeito da figura idealizada do índio e compreender os seus desdobramentos na folclorização da cultura indígena, que persiste nos dias de hoje.