Paulo 31/07/2023
Roland Barthes foi um semiólogo, crítico literário, professor etc. francês extremamente renomado, uma enorme referência nas áreas em que atuava. "A Câmara Clara" é considerada uma obra clássica e essencial de teoria da fotografia, Roland não era, contudo, fotógrafo, como ele deixa claro no início da obra, que acabou sendo sua última publicação em vida (escrito em 1979, publicado em 80), pouco antes de morrer dos ferimentos do atropelamento por uma van de lavanderia um mês antes. "Câmara" é, portanto, uma obra de teoria, não de técnica nem de história.
Aqui, Barthes reflete e opina sobre o significado da fotografia, seu porquê, um pouco de sua origem, pondera sobre os impactos e impressões (minhas palavras) ou a falta deles nas fotografias, unitariamente, ou seja, tenta entender e explicar o quê e quanto numa fotografia pode causar alguma impressão notável enquanto que em outras não causa quase nada. Barthes reflete e compartilha tudo isso não apenas sob uma ótica psicológica/social no sentido de avaliar o que sentimos quando vemos uma "boa" fotografia, muito menos ele foca em apontar a fotografia para a arte e para a cultura. A maior parte do texto é um pensamento filosófico e poético e até ontológico, quando, por exemplo, diz que o noema (conceito filosófico difícil de entender, seguem algumas definições: idéia; percepção; objeto ou conteúdo de um pensamento [...]) da fotografia é "isso foi": o que está na foto é o passado, e Barthes relaciona isso à morte; a fotografia, ou o objeto nela, é um fantasma, é a morte, é o passado, visto que aquilo foi, e não será mais, e isso é grande parte da ponderação do livro. É curioso hoje que Barthes chamou (mais ou menos em outras palavras) a fotografia de realidade inegável (adendo: a fotografia, segundo ele, é a ambiguidade passado/realidade), curioso porque ele não considerou - talvez não tivesse como considerar na época - a adulteração das imagens, coisa muito comum já há décadas, sob o nome fotomontagem, em que há, no máximo, alguma autenticidade na fotografia (adulterada).
Interessantíssimo também quando Barthes tenta entender e explicar as mencionadas impressões etc. que uma fotografia pode causar e dá nome a elas: a grosso modo: "studium" é quando se analisa uma foto, se estuda ela, em algum grau interessado nela, tentando entender, ou qualquer coisa do tipo, os elementos etc. nela contidos; "punctum" é um "ponto", um algo talvez à princípio indefinido que PUNGE, há algo demasiado impressionante (usando outras palavras) numa fotografia que de imediato causa um impacto.
Por fim, não é uma leitura fácil, embora o livro seja curto, porque Barthes, gênio das linguagens e das letras, teoriza "muito filosoficamente" e muito subjetivamente, há momentos em que ele parece contraditório, outros em que eu discordei, vários outros em que ele era incompreensível e muitos nos quais ele parece metafórico e subjetivo demais mais para uma relativização do que para uma teoria, embora o subtítulo da obra seja "nota sobre a fotografia" e ele não tenha chamado o texto de teoria (acho). Mas é uma obra extremamente interessante que traz reflexões únicas sobre a fotografia, na sua essência - reiterando: não como arte.
A bela edição que li é da coleção "Clássicos de Ouro" da Nova Fronteira. O texto é acrescido de algumas das fotografias mencionadas e "analisadas" por Barthes, mas achei que elas poderiam ter sido melhor dispostas para melhor acompanhar o texto numa coesão didática, também tive a impressão de que faltaram algumas fotografias, talvez por parte do próprio autor ou das primeiras publicações do livro. Outra coisa que senti falta, e aqui também fica a dúvida se isso seria mais papel do autor ou das editoras resolver, foram as explicações ausentes de alguns fatos e eventos mencionados no texto, como por exemplo alguns estudos e testes (como o Efeito Kuleshov), entre outras coisas, como se fosse esperado que o leitor tivesse algum conhecimento prévio de algo trivial.